Valor Econômico
Não há mais espaço para meteoros, muito menos
para pedaladas
Precatório, o pagamento feito pelo governo
quando é derrotado em tribunais, é um tema pouco badalado. Mas não deveria.
Primeiro, pelo seu tamanho. O bolo a ser quitado alcança um ponto percentual do
Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, o valor não aparece nas estatísticas
da dívida bruta brasileira, pontuou o secretário do Tesouro Nacional, Rogério
Ceron.
Olhando à frente, a Justiça segue decidindo contrariamente à União em causas que não são bilionárias, mas também não são pequenas. Essas estão fora dos radares do governo e do Congresso. Mereceriam uma atuação mais assertiva para, eventualmente, alterar pontos da legislação que levam a União à derrota nos tribunais e à emissão de mais precatórios, disse outro integrante do governo.
Os precatórios federais vêm sendo
parcialmente rolados. A base são duas emendas à Constituição aprovadas em 2021,
quando esses pagamentos foram chamados de “meteoros”. O adiamento formou uma
bomba-relógio bilionária que explodirá em 2027, com uma fatura de R$ 250
bilhões. A situação é dramática. Nem por isso, é claramente tida como urgente.
Houve no governo quem defendesse deixar o caso para depois.
Na semana passada, os precatórios finalmente
ganharam os holofotes. O governo apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF)
uma proposta para desarmar a bomba-relógio. Foi no âmbito de duas ações que
discutem a constitucionalidade das emendas constitucionais que permitiram a
rolagem dos pagamentos.
Ficou evidente que esse é um daqueles
problemas com muitas soluções - uma para cada especialista. Nem no governo há
consenso.
No entanto, foi dado um primeiro passo. O
bode foi colocado na sala, definiu Ceron. Ele admitiu que sua proposta,
elaborada junto com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), não é
perfeita. É a que lhe pareceu menos problemática.
Outro integrante do governo concordou que o
debate está apenas começando. E que, para além da discussão que ocorre no
Judiciário, é possível que haja também um debate no Congresso Nacional. Para
ele, a grande mensagem do momento é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
poderia manter o problema debaixo do tapete, mas optou por resolvê-lo.
A rolagem do pagamento de precatórios tem
sido chamada de moratória parcial, confisco e pedalada. O economista José
Roberto Afonso, um dos mais respeitados especialistas em contas públicas do
país, vê parentesco com as postergações de pagamentos que marcaram o fim do
governo de Dilma Rousseff.
Na Fazenda, avalia-se que o STF tende a
decidir pela inconstitucionalidade das pedaladas. O que poderia trazer o
“caos”, disse Ceron, porque haveria um grande bolo a pagar. Esse sim, seria um
verdadeiro meteoro.
Assim, o Tesouro e a Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional formularam uma proposta para sair dessa barafunda de forma
organizada.
Em 2024, seriam quitados R$ 95 bilhões em
precatórios, incluídos aí os vencidos. A despesa seria paga fora das regras
fiscais. Detalhe: desse valor, seria deduzido aquilo que já está previsto no
Orçamento para pagamento de precatórios. Dessa forma, a operação não afetaria a
trajetória colocada para o resultado primário.
No fluxo, a proposta é dividir o valor dos
precatórios em duas partes: principal e encargos. O principal seria pago dentro
dos limites de despesa primária do arcabouço. O restante ficaria fora, como
despesa financeira.
Não há assinaturas do Ministério do
Planejamento no documento encaminhado ao STF porque a pasta liderada por Simone
Tebet é contra a ideia de separar principal e financeiro do valor dos
precatórios. Defende que tudo seja contabilizado como gasto primário, mas fora
do limite do arcabouço.
Em entrevista ao repórter Guilherme Pimenta,
deste jornal, o ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt defendeu
uma solução diferente: ajustar a base de despesas do arcabouço para acomodar
integralmente os gastos com precatórios.
Afonso acha que está certa a proposta do
Tesouro. E chama atenção para outro ponto: os precatórios rolados têm seu valor
corrigido pela taxa Selic, atualmente maior que o custo médio de captação do
Tesouro.
Todas as grandes ações contra a União estão
listadas no anexo de riscos fiscais que acompanha o Projeto da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (PLDO). As demandas judiciais de risco “possível” e
“provável” somavam R$ 3,8 trilhões em junho passado. No entanto, esse número só
capta causas na casa dos bilhões. Há inúmeras outras, de menor valor, que não
integram essa estatística, explicou um integrante do governo.
Assim, um projeto já em andamento é olhar com
mais atenção para essas ações e melhorar a defesa do governo.
Foi ousado trazer à luz o tema dos
precatórios num momento em que a política fiscal é alvo de desconfiança. No
entanto, é uma medida correta porque traz à luz um problema que estava nas
sombras. É importante que seja conduzido com honestidade e transparência. Não
há mais espaço para meteoros, muito menos para pedaladas.
Um comentário:
Sei.
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