Caos no Equador serve de alerta para o Brasil
O Globo
Explosão de violência no país é resultado do
fracasso do Estado ao enfrentar crime organizado
O caos institucional imposto ao Equador pelas
facções do narcotráfico é um alerta para o Brasil e para outros países que
enfrentam o poder desafiador de organizações criminosas transnacionais. As
cenas de terror que se espalharam pelo país nos últimos dias expõem de forma
didática o que pode acontecer quando o Estado falha no combate ao crime
organizado e cede terreno à anomia e à barbárie.
A violência, já presente no cotidiano da população equatoriana, explodiu depois do último domingo, quando fugiu da prisão o chefe da facção criminosa Los Choneros, vinculada aos cartéis de drogas do México e da Colômbia. Rebeliões eclodiram nos presídios. Ao menos sete policiais foram sequestrados. Grupos criminosos tomaram universidades e hospitais, disseminando o pânico. Homens encapuzados e armados invadiram um estúdio da TV estatal, promovendo cenas de terror transmitidas ao vivo. Explosões e saques tomaram conta das ruas. Os episódios já deixaram pelo menos 13 mortos.
O descontrole é a primeira crise enfrentada
pelo presidente Daniel Noboa,
de 36 anos, há menos de dois meses no poder. Depois de decretar estado de
exceção, ele declarou conflito armado interno e ordenou às Forças Armadas
neutralizar organizações criminosas envolvidas com o narcotráfico (22 foram
classificadas como terroristas).
Noboa foi eleito com um discurso de combate
ao crime organizado inspirado nas políticas radicais do salvadorenho Nayib
Bukele em sua guerra às drogas. Na campanha, chegou a prometer comprar
barcos-prisão para confinar líderes de facções no Pacífico, longe da costa.
Agora anunciou que erguerá dois presídios de segurança máxima para abrigar os
traficantes, despertando protestos em comunidades indígenas afetadas pelas
obras. Os fatos lhe impõem um desafio impossível de enfrentar na base do
populismo.
A explosão da violência no Equador é recente.
Entre 2018 e 2023, o índice de homicídios saltou de 6 para 46 por 100 mil
habitantes (no Brasil, foi de 23,3 por 100 mil em 2022). A escalada é
influenciada pelas facções criminosas, que disputam espaço na vida pública. Em
agosto passado, o candidato à Presidência Fernando Villavicencio, depois de
ameaçado pelo líder dos Choneros, foi assassinado a tiros ao deixar um comício
numa escola em Quito.
Evidentemente, a realidade do Equador é
distinta da brasileira. Mas há semelhanças no modo como as facções agem ao
afrontar o Estado por meio do caos e do terror à população. Não se pode ignorar
que extensões significativas do território brasileiro, especialmente nas
comunidades pobres ou áreas da Amazônia, estão sob controle de bandidos que
impõem suas próprias leis. As cadeias são focos de tensão permanente e, muitas
vezes, servem de ponto de partida para execuções e ataques violentos ao
patrimônio público.
Não se pode transigir com o crime. Sempre que
o Estado negligencia seu papel fundamental na segurança pública, a violência
explode, pondo em risco a estabilidade e a sobrevivência das instituições.
Compreende-se que o combate às organizações do narcotráfico não é tarefa
simples. Exige recursos humanos e materiais vultosos, cooperação federativa e
políticas permanentes. No Brasil, o governo federal tem resistido a reconhecer
sua responsabilidade na questão, empurrando aos estados a missão de combater
facções criminosas cujo poder só faz crescer. O Equador deveria servir de
alerta.
Desvios no Maranhão mostram como é difícil
implantar políticas educacionais
O Globo
Inspeção do tribunal de contas local
constatou fraudes de R$ 1,5 bilhão em ensino integral, para jovens e adultos
As deficiências da educação brasileira
se tornam mais dramáticas quando recursos que deveriam saná-las se perdem
devido à corrupção, à inépcia ou ao desleixo. É o que acontece em municípios
do Maranhão,
onde verbas do Ministério da Educação destinadas à Educação de Jovens e Adultos
(EJA) e ao ensino em tempo integral vão para o ralo, como mostrou reportagem do
Fantástico.
Uma inspeção feita pelo Tribunal de Contas do
Estado (TCE) maranhense revelou que, para receber verbas do MEC no ano passado,
cidades matricularam cidadãos que já morreram ou criaram turmas em tempo
integral que não existem. As fraudes somam, de acordo com o presidente do TCE,
Marcelo Tavares, cerca de R$ 1,5 bilhão. Entre 80% e 90% dos casos analisados
têm problemas, segundo ele.
A cidade de São José de Ribamar recebeu R$
32,5 milhões do MEC para manter 21.186 alunos em tempo integral. Pela inspeção
do TCE, não mais que 333 passam o dia todo na escola. O prefeito do município,
Julio Cesar de Souza Matos, o Dr. Julinho, alegou que a escola tem educação
integral, “mas não precisa ter tempo integral”. A prefeitura de Turiaçu
informou ter 7.500 alunos estudando em 63 escolas de tempo integral, por isso
recebeu R$ 12 milhões do MEC. Os próprios moradores desconhecem a modalidade.
Os números inflados chamaram a atenção do
TCE. Cidades-alvo da inspeção informaram ter 16,7% da população adulta
matriculada no EJA (a média no país é 0,59%). Em São Bernardo, os nomes de
muitos dos alunos estão no registro de óbitos. A cidade recebe cerca de R$ 4
mil por estudante do EJA. Não fosse a inspeção do TCE, não se saberia dessa
fraude envolvendo salas de aula do Maranhão.
É evidente o descontrole nas verbas
destinadas aos municípios para implantar programas como EJA e ensino em tempo
integral, temas sobre os quais o governo federal tem feito propaganda maciça na
TV. Compreende-se a dificuldade de fiscalizar verbas públicas nos 5.570
municípios brasileiros, mas algum controle é necessário. Não se pode liberar os
recursos e esperar que toda prefeitura aja de boa-fé.
Certamente o descontrole não ocorre só em
cidades do Maranhão. Em princípio, prefeituras e gestores que desviam verbas
estão sujeitos a punições como multas, devolução do valor desviado e até a
inelegibilidade do prefeito. Infelizmente a descoberta e a punição dos
envolvidos em irregularidades têm sido exceções no Brasil.
A prática nefasta pune duplamente a
população. Primeiro, porque nega-lhe um direito fundamental, num país que luta
para melhorar seus indicadores educacionais (enquanto prefeituras recebiam para
dar aulas a mortos, uma maranhense de 55 anos, desempregada, disse ao
Fantástico que pagava R$ 50 por mês para aprender a ler e escrever). Segundo,
porque a conta da corrupção sobra para a própria sociedade, obrigada a pagar
por um serviço inexistente. Muito se critica a falta de verba para a educação
básica. Como se vê, não é que falte só dinheiro. Faltam fiscalização, gestão e
honestidade.
Riscos climáticos passam a ter primazia na
agenda de Davos
Valor Econômico
Todos os riscos ambientais figuram entre os
cinco maiores em uma década
A elite econômica mundial que se reunirá em
Davos a partir do dia 16, no tradicional Fórum Econômico, está pessimista em
relação ao futuro nos próximos dois anos e muito mais pessimista ainda em uma
década. O Relatório de Riscos Globais, que consultou 1.490 líderes
empresariais, acadêmicos, membros de governos e instituições internacionais em
113 países, aponta que riscos econômicos, como inflação e recessão, ainda estão
entre os 10 principais fatores no curto prazo - em uma década, nenhum foi
citado. Catástrofes climáticas são o principal temor da maioria já em 2024 e
estão entre quatro dos cinco principais riscos em 2034.
A principal conclusão do relatório é que o
mundo encontra-se em um ponto de inflexão, conduzido por mudanças estruturais,
como a aceleração tecnológica, com a emergência da inteligência artificial,
demográfica, climática, econômica (a fragmentação da produção após décadas de
globalização) e políticas, como uma nova ordem multipolar e a propagação de
fake news e desinformação, uma arma eleitoral e social de grande poder
destrutivo. Muitos desses desafios teriam de ser enfrentados urgentemente por
meio da cooperação global, mas o cisma entre EUA e China, guerras no Oriente
Médio e em solo europeu (Ucrânia), tornam essa tarefa muito mais difícil do que
normalmente é.
A inflação caiu na maioria dos países e a
temida recessão não ocorreu, mas esses dois riscos ocupam lugar importante nos
próximos dois anos. O motivo é que a inflação ainda não chegou ao nível
desejado pelos bancos centrais, o que pode demorar mais do que o previsto,
obrigando as taxas de juros a ficar mais altas por mais tempo. O resultado
seria um dano econômico maior, possivelmente uma recessão. Os maiores riscos
percebidos já para este ano estão em outro lugar e são, pela ordem, condições
climáticas extremas, desinformação gerada por Inteligência Artificial, e a
polarização política. Na sequência estão crise de custo de vida e ataques
cibernéticos.
O ano mais quente da Terra em 100 mil anos,
com ondas de calor, secas, incêndios e inundações, levaram os líderes
consultados a imaginar que 2024 terá uma sequência dos eventos do ano passado.
Já a desinformação e a polarização política, fenômenos correlacionados, são
especialmente importantes quando o calendário eleitoral mundial mostra que 3
bilhões de pessoas irão votar este ano - EUA, Índia, Indonésia, Taiwan, Rússia
etc -, ou 46% da população global, a maior parcela em um ano desde 1800 (Ruchir Sharma, FT, 4-1).
A propagação de informações distorcidas ou
claramente fabricadas pode mudar os rumos das eleições programadas, aponta o
relatório, e criar uma desconfiança generalizada, atingindo a mídia tradicional
como fonte confiável. A preocupação com o tema não vai em uma só direção. “Há o
risco de repressão e erosão de direitos quando as autoridades procuram debelar
a proliferação de informações falsas, como também há riscos decorrentes da
inação”, registra o relatório. Nicarágua e Irã são exemplos do primeiro caso. Ainda
que não seja o risco mais apontado no ranking, a desinformação é tida pelos
consultados como o mais grave.
Segundo a pesquisa, a próxima década
“esticará ao máximo a capacidade de adaptação” da humanidade. Quase dois terços
dos líderes ouvidos (63%) consideram o período “turbulento ou tempestuoso”, com
um grande risco de catástrofes globais. Todos os riscos ambientais figuram
entre os cinco maiores. Encabeçam a lista eventos climáticos ainda mais
severos, perdas de biodiversidade e colapso de ecossistemas, mudança crítica
dos sistemas ecológicos da Terra e escassez de recursos naturais. O relatório
aponta que sinais antecipados de alerta sugerem, por exemplo, que a Floresta
Amazônica perde resiliência e que “alguns limiares críticos podem já ter sido
ultrapassados”. Há maior temor dos líderes empresariais do que de governos e da
sociedade civil sobre as mudanças climáticas, uma dissonância indicativa de que
“o tempo de agir pode passar logo sem que tenha havido suficiente progresso”.
Resultados adversos da Inteligência
Artificial vêm logo depois da desinformação, com destaque. A lista do que pode
dar errado é grande: a concentração do mercado e objetivos de segurança
nacional podem constranger o desenvolvimento da tecnologia. Ela pode criar nova
segregação entre os que são capazes de produzir e acessar a tecnologia, ou
patenteá-la e os que não podem, ampliando a distância entre nações ricas e o
resto do mundo. Seu uso em decisões de conflitos bélicos pode criar escaladas
indesejadas, assim como empoderar grupos radicais de toda sorte. Um grande
problema é que o desenvolvimento da IA é muito maior do que a capacidade de
compreendê-la e regulá-la. A saída seria integrar seu conhecimento à educação
pública e treinar governos e políticos a identificar fontes confiáveis de
informação para abastecer a IA, além da regulação.
O relatório só detalha os riscos por país em
2024. No caso do Brasil, o enfoque é estreito e econômico, de uma agenda
conhecida: recessão, inflação, dívida pública, desigualdade e censura (em
relação à regulação de desinformação).
Equador em chamas
Folha de S. Paulo
País vive terror com disputas do
narcotráfico, efeito nefasto da guerra à droga
A consequência mais nefasta da guerra às
drogas foi a criação de megacartéis do narcotráfico que disputam o domínio do
mercado por meio da violência armada.
Assim o evidencia a violência que grassa na
América Latina —e o terror que assola o Equador nos últimos dias. A fuga de
Adolfo Macías, conhecido como Fito e líder da facção criminosa
Los Choneros, gerou uma série de rebeliões em presídios, levando o
recém-empossado presidente Daniel Noboa a declarar estado de exceção de 60
dias.
A partir daí, uma reação
criminosa com bombas e sequestros deixou ao menos dez mortos.
Na terça (9), Noboa assinou decreto que aponta a existência de um
"conflito armado interno" e autoriza operações militares do Exército.
O estopim da crise, a fuga de Fito, está
inserido em um contexto mais complexo, que envolve a reconfiguração das
disputas pelo mercado de drogas na região.
Em 2016, o então presidente da Colômbia, Juan
Manuel Santos, firmou acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias
(Farc), grupo guerrilheiro marxista surgido nos anos 1960 que, com o tempo,
associou-se ao narcotráfico.
As Farc praticamente dominavam a produção de
cocaína ao sul do país e as rotas de escoamento até os portos do Equador, de
onde o produto rumava a México, EUA e Europa. Com o acordo de Santos, o grupo
desmantelou-se —parte seguiu para a política e parte formou facções dissidentes
que passaram a disputar o vácuo de poder e se espalhar por países vizinhos.
A isso somou-se o incremento da atuação de
cartéis mexicanos rivais que já operavam no Equador, mas de modo discreto, como
os de Sinaloa e de Jalisco Nueva Generación. Facções equatorianas passaram a
trabalhar para esses carteis, intensificando os embates —o grupo de Fito, por
exemplo, é um braço do cartel de Sinaloa.
A Pesquisa de Conflitos Armados, do Instituto
Internacional de Estudos Estratégicos do Reino Unido, aponta que a taxa de
homicídios no Equador escalou de 6 por 100 mil habitantes em 2016, ano do
acordo com as Farc, para 26/100 mil em 2022. Nos presídios, as mortes violentas
saltaram de 32 em 2019 para 323 em 2021.
Maior país da América Latina, o Brasil também
vive os impactos das
disputas do narcotráfico na forma de taxas elevadas de assassinatos.
Os países da região precisam rever suas
políticas sobre drogas, buscando ações interdisciplinares alternativas à
penalização e ao proibicionismo, que até agora só obtiveram como resultado a
escalada do crime e da violência.
Alckmin de Boulos
Folha de S. Paulo
Lula traz Marta para moderar chapa; é incerto
se ação vai além do uso eleitoral
Se levada a sério a versão petista de que o
impeachment de Dilma Rousseff foi um golpe, Marta Suplicy, que agora retorna ao
partido, esteve entre os golpistas de 2016.
Entretanto essa reviravolta não chega a
causar espanto, dado que outro apoiador da deposição da ex-presidente, Geraldo
Alckmin (PSB e ex-arquirrival tucano), hoje é nada menos que o vice de Luiz
Inácio Lula da Silva.
Com o convite
a Marta para compor a chapa de Guilherme Boulos (PSOL) na
disputa pela prefeitura paulistana, Lula repete com o aliado o movimento que já
fez mais de uma vez para suavizar a própria imagem e atrair eleitores
moderados. Nessas ocasiões, o cálculo do cacique sempre prevalece sobre a
cantilena dos liderados.
Boulos, que despontou na vida pública como
apoiador de invasões de imóveis urbanos no Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto
(MTST), tornou-se a principal esperança da esquerda para retomar o comando da
maior metrópole do país —cujo eleitorado, nos últimos dois pleitos, preferiu
opções entre o centro e a direita.
Derrotado no segundo turno em 2020 e hoje
deputado federal, ele tem se esforçado em evitar mostras de radicalismo. Nem
sempre o faz de forma convincente, porém.
Mais recentemente, desgastou-se ao hesitar na
condenação do Hamas pelo ataque terrorista a Israel, o que o levou a fazer um
segundo discurso na Câmara para retificar seu posicionamento. Também teve de
deixar de lado a defesa pública das greves de metroviários que atormentaram São
Paulo.
Com origem na elite paulistana, passagem pelo
MDB e, até terça (9), participação
na gestão do prefeito emedebista Ricardo Nunes, Marta Suplicy
proporciona o contraste planejado por Lula. Ademais, ex-ministra e ex-prefeita
com aprovação em redutos relevantes da cidade, junta à chapa experiência
administrativa que falta a Boulos.
Não há como prever o quanto isso resultará em
votos, mas parece lógico supor que o candidato do PSOL pouco ou nada ganharia
com um vice de perfil similar ao seu.
Mais incerto ainda —e mais importante— é o
que a adesão poderá significar em termos programáticos. A busca por moderação e
novas ideias se estenderá, em caso de vitória, às ações da prefeitura?
Nem o governo Lula oferece até aqui resposta clara a essa questão. O presidente demonstra compreender seus limites políticos e a necessidade de negociação com outras forças, mas iniciativas suas e a conduta de seu partido revelam o apego a teses que já deveriam ter sido sepultadas pelo aprendizado.
Um ano sem intervenções no câmbio
O Estado de S. Paulo
Autonomia formal do BC permitiu à instituição
retomar o controle da inflação por meio da taxa básica de juros, sem ter de
recorrer a intervenções cambiais para conter expectativas
No ano passado, o Banco Central (BC) não
realizou intervenções no mercado cambial. Pode parecer algo normal, mas foi a
primeira vez que isso ocorreu desde 1999, quando o País adotou o regime de
câmbio flutuante. A informação foi revelada pelo Valor, com base no cruzamento
de dados sobre a atuação da autoridade no mercado de câmbio e os comunicados
divulgados pela instituição.
Excetuando-se os leilões de rolagem que já
estavam previstos no cronograma do BC, não houve, ao longo de todo o ano de
2023, anúncios de contratos de swap cambial, compra ou venda de dólares à vista
ou novos leilões de linha, ou seja, de venda de dólares com compromisso de
recompra.
Como mostrou o jornal, há boas razões para
justificar esse comportamento. O BC explicou não ter identificado
disfuncionalidades que justificassem uma intervenção. De fato, o saldo
comercial positivo, em razão das exportações de commodities, ocasionou um forte
fluxo de entrada da moeda norte-americana, e o dólar, embora saído de R$ 5,27
no início do ano para R$ 4,85 no fim de 2023, apresentou baixa volatilidade.
O histórico de atuação do BC no mercado
cambial mostra o quanto momentos como este são raros e, por isso mesmo, devem
ser compreendidos e celebrados. Em alguns períodos dos últimos 25 anos,
chegou-se a contar as intervenções na casa das centenas, como em 2014, auge da
série, com 492 ações, a maioria swaps cambiais para conter a desvalorização do
real ante o dólar.
À época, no cenário externo, o dólar ganhava
força com a perspectiva de aumento dos juros norte-americanos; internamente,
havia uma percepção de piora das condições fiscais. O BC, no entanto, mantinha
os juros inalterados desde abril, e só elevou a Selic em outubro, decisão que
surpreendeu o mercado e alimentou rumores sobre a interferência do governo na
instituição. Fazia apenas três dias que a presidente Dilma Rousseff havia sido
reeleita.
A título de comparação, em 2022, também um
ano eleitoral, o BC só interrompeu o ciclo de alta dos juros em setembro, dando
fim a um ciclo de 12 aumentos consecutivos que havia sido iniciado em março de
2021. Naquele ano, a autoridade monetária realizou 14 intervenções cambiais – o
segundo menor número desde 1999.
É evidente que há muitas outras condições a
serem consideradas para fazer uma avaliação sobre o trabalho do Banco Central
nesses dois períodos. Mas há uma, em especial, que não pode ser desconsiderada:
a autonomia do BC, em vigor desde fevereiro de 2021.
A autonomia formal deu força para o BC
combater a inflação, objetivo que é sua função precípua. E, para fazê-lo, a
principal e melhor arma à mão da autoridade monetária é a taxa básica de juros.
A Selic elevada, por óbvio, também contribuiu para aumentar o diferencial de
juros e para atrair capital estrangeiro para o País.
Além da Selic, os leilões que o BC faz no
mercado cambial também podem ser usados como um instrumento para conter as
expectativas – e, como era muito comum no passado, para tentar impedir o
aumento da inflação. Assim, se o BC não recorreu a eles, é também porque foi
muito bem-sucedido ao conter a inflação e trazê-la de volta à meta.
Mesmo na área fiscal, uma das principais
áreas consideradas pelo BC no acompanhamento da inflação, os riscos foram
menores do que o esperado. A aliança entre o Congresso e o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, abriu caminho para a aprovação do arcabouço fiscal, da reforma
tributária e de todas as medidas que o ministro defendia para recuperar
receitas.
Esses riscos poderiam ser ainda menores, não
fossem os discursos do presidente Lula da Silva contra a responsabilidade
fiscal e o boicote de parte da bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) à
agenda do ministro Haddad.
Nem os membros do PT nem Lula da Silva vão
admitir, mas a retomada do controle da inflação e a estabilidade cambial não
teriam sido alcançadas se o BC não tivesse tido condições de atuar de forma
livre, ignorando a pressão do governo pela redução forçada da taxa básica de
juros. E isso é consequência da autonomia formal conquistada pelo Banco
Central.
Equador em estado de exceção permanente
O Estado de S. Paulo
Para enfrentar as organizações do
narcotráfico que aterrorizam os cidadãos, o governo equatoriano decreta estado
de exceção pela 42.ª vez, e o país parece às portas de uma guerra civil
O governo do Equador suspendeu no último dia
8 as garantias constitucionais de seus cidadãos por 60 dias e escalou as Forças
Armadas para o combate a mais de duas dezenas de facções do narcotráfico.
Considerando-se que se trata do 42.º decreto de estado de exceção baixado pelo
Poder Executivo em nome da repressão às organizações criminosas que parecem
tomar conta do país desde 2019, pode-se dizer que a exceção virou regra.
O recurso a esse instrumento extraordinário,
que se provou 41 vezes inócuo, indica a total falência do Estado em sua missão
de providenciar segurança e salvaguardar a democracia. Enquanto o governo
equatoriano recorria aos velhos instrumentos de sempre, as gangues deflagravam
uma onda de terror para desafiar as instituições do país.
Desde terça-feira, o Equador parece às portas
de uma guerra civil. A situação foi consumada pelo presidente Daniel Noboa, que
decretou estado de “conflito armado interno” e a aplicação do direito
internacional humanitário no país. Até a edição do ato, pelo menos dez pessoas
haviam sido mortas em tiroteios e explosões de carros-bomba, e os líderes das
duas principais máfias tinham escapado de presídios de segurança máxima. No
mesmo dia, funcionários da emissora de televisão TC, de Guayaquil, foram subjugados
por integrantes de uma das facções no momento em que faziam uma transmissão ao
vivo, e as salas de aula da universidade local foram invadidas por integrantes
de outro grupo armado.
A sociedade equatoriana é refém há pelo menos
seis anos do crime organizado e da violência que esses grupos promovem dentro e
fora dos presídios. Igualmente, vê-se coagida pelas recorrentes suspensões de
seus direitos constitucionais por governos de diferentes matizes ideológicos.
Noboa repete mais uma vez a perigosa fórmula de desgastar a democracia
equatoriana sem ter como garantir que o regime de liberdade sairá íntegro ao
final do processo.
A rápida degradação da segurança pública no
Equador obviamente preocupa os organismos multilaterais, os vizinhos
sul-americanos e os Estados Unidos. Mas essa preocupação ainda não se traduziu
em apoio e cooperação. Desde a expulsão da base militar dos Estados Unidos na
região portuária de Manta em 2009, no governo do chavista Rafael Correa, o
destino do Equador como paraíso do narcotráfico estava delineado. Nessas
condições, o país ofereceu às gangues os portos para escoar as drogas, as
autoridades permeáveis à corrupção e as forças policiais e militares frágeis.
Como se previa, seu território mostrou ser terreno fértil para as facções que
estavam enfrentando problemas com a repressão na Colômbia, além dos cartéis
mexicanos e albaneses.
Em pouco mais de seis anos, o país deixou de
ser uma ilha de relativa tranquilidade na América do Sul para exibir
indicadores de violência similares aos de países da América Central – assolados
por bandos de narcotraficantes e por milícias há muito mais tempo. No ano
passado, a execução do então candidato a presidente Fernando Villavicencio após
um evento de sua campanha chamou a atenção para a desenvoltura do crime
organizado.
Daniel Noboa, de centro-direita, pouco tratou
de segurança pública durante a disputa eleitoral. Mas logo após sua posse, em
novembro, anunciou um plano de combate ao narcotráfico que previa a construção
de mais dois presídios de segurança máxima e a instalação de navios-prisões –
ideias importadas de El Salvador, onde vigora tolerância zero contra supostos
criminosos, mesmo que isso signifique a prisão de inocentes aos borbotões. O
projeto de Noboa envolveu o afastamento de juízes, procuradores, policiais e
agentes penitenciários suspeitos de terem se deixado aliciar pelos cartéis.
Desse modo, o presidente se expôs como alvo número um do crime organizado.
Entretanto, ao valer-se de mais um decreto de
exceção, Noboa tira dos equatorianos seus direitos constitucionais básicos e os
expõe à mira também das Forças Armadas – como se já não bastasse a ação das
máfias.
O aniversário do caso Americanas
O Estado de S. Paulo
Um ano após revelação de rombo bilionário, pouco se sabe sobre a dinâmica do escândalo
Um ano transcorreu desde que a revelação de
“inconsistências contábeis” nas demonstrações financeiras – eufemismo usado à
época para descrever a adulteração de balanços – colocou a Americanas
S.A. no centro de um dos maiores escândalos
da história corporativa brasileira. Naquele 11 de janeiro, o rombo foi estimado
em R$ 20 bilhões, cálculo que pulou depois para R$ 40 bilhões.
A dimensão exata do prejuízo, porém, não é
conhecida, já que a empresa não publicou nenhum balanço trimestral ao longo de
2023. Por isso, encabeça a lista de inadimplentes na entrega de documentos à
Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No órgão fiscalizador do mercado de
capitais foram abertos inquéritos administrativos, processos sancionadores e 21
procedimentos de análise. Mas, até agora, quase nada veio a público sobre a
mecânica do que a própria empresa classificou de fraude continuada por, ao menos,
dez anos.
Uma indefinição que afeta diretamente a
confiança do investidor financeiro no País. Por óbvio, investigações de
irregularidades dessa monta precisam ser guiadas por cuidado e sensatez. Mas
são necessárias medidas ágeis para impedir manipulações do mesmo tipo. O amplo
conhecimento do que possibilitou as tais inconsistências e as providências para
evitar novos casos é o mínimo que a sociedade espera dos organismos de
regulação e fiscalização.
Tome-se como exemplo o caso Enron, a gigante
norte-americana de energia dos anos 1990 que começou a ser investigada em
meados de 2001 pela SEC (Securities and Exchange Commission, equivalente à CVM
nos Estados Unidos) por fraudes contábeis. Em janeiro do ano seguinte, as ações
da Enron foram retiradas da Bolsa de Nova York. Em julho do mesmo ano foi
promulgada a Lei Sarbanes-Oxley, que mudou padrões de governança corporativa e
de contabilidade e passou a ser seguida em todo o mundo como garantia de bons
mecanismos de auditoria e mitigação de riscos.
A condenação dos responsáveis veio somente
quatro anos depois, com executivos sentenciados à prisão. Durante a
investigação, ainda em 2002, a empresa de auditoria Arthur Andersen, então uma
das maiores do mundo, renunciou às atividades. Estava clara sua participação na
fraude ao longo de anos. Respeitadas as devidas proporções, parecem casos muito
semelhantes.
Pelo que se sabe até agora, a origem do
escândalo Americanas está na contabilização irregular de suas dívidas, que
inflou artificialmente seus resultados. Falseou nos balanços o saldo de
operações de “risco sacado”, nas quais os bancos antecipam, com cobrança de
juros, o pagamento a fornecedores. Uma prática que, soube-se depois, é comum no
comércio. Mais um motivo para agir com celeridade no processo.
Somente no fim do ano passado a Americanas
foi suspensa temporariamente do Novo Mercado, o mais alto padrão de governança
da B3. Uma nova norma contábil para “risco sacado” está prevista para este ano.
A CPI da Câmara sobre o caso Americanas foi encerrada alegando impossibilidade
de apontar culpados.
E até agora ainda não há um detalhamento do que de fato ocorreu, para evitar que casos assim se repitam.
Ação em defesa dos Yanomami
Correio Braziliense
Governo federal muda a tática de enfrentamento às ações desastrosas de garimpeiros e madereiros no território indígena. A presença de militares e policiais federais será permamente
O Brasil não pode ser vencido pelo garimpo
ilegal, pela queima e pelo desmatamento criminosos da Amazônia, muito menos
admitir que haja recorrentes chacinas de indivíduos dos povos originários e
tradicionais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião ministerial
nesta terça-feira, anunciou a decisão de manter militares e agentes da Polícia
Federal, por prazo indeterminado, na Terra Indígena Yanomami, para garantir não
só o patrimônio natural, mas, sobretudo, a integridade física desse povo, alvo
recorrente das agressões de garimpeiros e desmatadores, invasores daquele
território.
"Não podemos perder a guerra contra o
garimpo ilegal", afirmou o presidente. Para garantir os meios necessários
à proteção do povo Yanomami, será destinado R$ 1,2 bilhão, a fim de que agentes
federais e militares se mantenham permanentemente na região. O objetivo é
evitar que os intrusos retirados da terra indígena retornem, como vem ocorrendo
a cada final das operações.
Os garimpeiros voltam com novos equipamentos
e armas, destruindo o meio ambiente, contaminando nascentes e cursos d'água com
mercúrio — elemento extremamente danoso à saúde humana. Espalham doenças entre
os indígenas, violentam sexualmente mulheres e adolescentes, e matam jovens e
homens, certos de que estão blindados pela impunidade.
Há algum tempo, a Polícia Federal identificou
que as invasões são patrocinadas por organizações criminosas instaladas no
Sudeste, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), o
mais forte, com ramificações na maioria dos estados e conexões internacionais.
Na região, entretanto, há outros grupos: Família do Norte (FDN), Terceiro
Comando Puro (TCP) e Crias da Tríplice.
A decisão do governo federal cumpre a
determinação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto
Barroso, ante o agravamento da crise sanitária na região. O ministro
estabeleceu prazo de três meses para o Executivo federal garantir atendimento à
saúde do povo Yanomami. Em janeiro de 2022, o Brasil e o mundo se depararam com
um cenário de horror na TI Yanomami. A comunidade estava famélica, mais de 500
crianças haviam morrido, além de idosos, mulheres e jovens, vítimas da fome e
das doenças disseminadas pelos invasores. A tragédia se arrastava havia meses,
sob a indiferença do então governo. Pelo contrário, o poder público havia
aberto as porteiras à invasão das hordas de garimpeiros para a extração ilegal
de minérios.
Agora, o plano do governo federal é colocar a
máquina do Estado em defesa dos povos originários. Essa máquina, no entanto,
não pode se movimentar só em favor dos Yanomami. É necessário que ela se mova
também em direção aos demais povos originários oprimidos em todas as regiões do
país, fortalecendo as políticas públicas para os povos originários e
tradicionais. Não faltam exemplos de opressão e violência contra as comunidades
minoritárias em todas as cinco regiões do país.
Dentro do Legislativo, prevalece o
entendimento de que "há terras demais" em poder dos indígenas. Uma
compreensão equivocada, que ignora a importância desses povos para a
preservação do patrimônio ambiental, bem como seus saberes, com largos e desconhecidos
benefícios à sociedade. Há parlamentares que não veem os indígenas como
ancestrais natos da formação do povo brasileiro, e os tratam como se invasores
fossem, invertendo a ordem dos primeiros ocupantes do solo nacional. Eles
estavam aqui antes da chegada dos colonizadores.
Mas essa ordem foi subvertida. A aprovação do Marco Temporal é uma das maiores agressões aos direitos dos povos originários, cujos territórios, se totalmente demarcados, ocupariam menos de 15% da extensão do país. Desde a promulgação da Constituição de 1988, que fixou prazo de cinco anos para a definição territorial das 725 reservas indígenas, só 487 foram homologadas, segundo o Instituto Socioambiental (ISA). A inépcia dos sucessivos governos é uma das causas dos conflitos entre povos originários e os não indígenas. É preciso dar um basta às agressões de ambos os lados, a fim de que haja respeito e paz entre os grupos que dão pluralidade étnica-cultural à sociedade brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário