O Estado de S. Paulo
Há muito a fazer para que o saldo comercial se entrelace ao desenvolvimento da economia brasileira
Os vários países que, nos últimos 40 anos,
lograram construir trajetórias seguras de desenvolvimento tiveram no saldo
comercial um elemento-chave. Isso vale para diversas nações asiáticas. Tanto as
da primeira geração, como a Coreia do Sul, como as mais recentes, de segunda
geração. O grande saldo comercial em geral expressa um estilo de crescimento
integrado ao mercado internacional.
O formato das economias varia, mas o grande eixo é o influxo de moeda externa. Ao mesmo tempo, esse influxo gera renda interna, que se deriva em oportunidade de negócios no mercado interno e investimentos. Mas, talvez mais importante, no capitalismo das finanças em que vivemos, o fortalecimento da posição cambial desses países dá segurança ao cálculo capitalista por ancorar as moedas nacionais. No caso da máquina de crescimento chinesa, não há como negar que esses fatores foram os fundamentos de sua gestação e consolidação.
A balança comercial brasileira superou todas
as expectativas, com um superávit de US$ 98,8 bilhões, número muito melhor que
o obtido em 2022, de US$ 61,5 bilhões. Mas vale uma observação negativa. A
queda de importações foi de US$ 31,8 bilhões, sendo responsável por 85% da
ampliação do saldo anual.
As exportações bateram recorde de US$ 339,7
bilhões, US$ 5,6 bilhões além do resultado de 2022. Crescimento pequeno
(+1,7%), mas importante por conta das condições do mercado internacional.
Comprova-o o fato de que o crescimento foi muito mais em volume (+8,7%) do que
em valor (+1,7%). Soja e milho, ancorados em grandes safras, tiveram
fundamental importância nessa expansão. O minério de ferro também teve
colaboração expressiva.
A grande novidade na expansão das exportações
seria a liderança da indústria de transformação, com ampliação de US$ 1,26
bilhão. Infelizmente, os produtos que puxaram a elevação foram açúcares (e
melaço) e farelos (de soja e carnes), mercadorias de baixo valor agregado. Como
esse conjunto representou expansão de US$ 1,52 bilhão, o dado positivo encobre
a triste realidade dos últimos anos: a queda da diversificação e do valor
agregado nos produtos exportados.
Nas importações, a queda foi de US$ 272,6
bilhões para US$ 240,8 bilhões, entre 2022 e 2023. A indústria de transformação
teve papel determinante nesse processo, com redução de US$ 24,2 bilhões, 76% da
queda das importações da economia. Óleos combustíveis e gás natural tiveram
papel de destaque na retração, somando US$ 10,6 bilhões. Nos dois casos, há
importância do nível de atividade, mas as decisões da Petrobras e do governo
federal são condicionantes do nível de compras externas.
O fato estranho, no entanto, é que o líder da
queda seja justamente o insumo do grande campeão das exportações: adubos e
fertilizantes tiveram redução de importações de US$ 10 bilhões. As importações
são responsáveis por mais que 80% do suprimento ao mercado interno e ficaram
sujeitas a forte influência da guerra iniciada em 2022.
Esses elementos configuram uma nova casca de
banana para um analista de balança comercial. Embora o recuo das importações da
indústria de transformação seja absolutamente determinante para o resultado,
ele pouco representa na teia de relações interindustriais, dado que é muito
mais determinado pela Petrobras e pela dinâmica do setor de fertilizantes do
que por mecanismos dos diversos segmentos da indústria. Ao mesmo tempo, o
desempenho melhor que o esperado do PIB não puxou as importações de insumos industriais
ou máquinas.
Na análise das relações comerciais é sempre
crucial avaliar a importância que temos para nossos parceiros, como bem
demonstrou Albert Hirschman. A China tem supremacia no ranking de exportações
por larga margem. Em 2023, as exportações com esse destino subiram 16,6%,
chegando a US$ 104,3 bilhões, nada menos que 30,7% do total.
Na outra ponta, nossas relações com economias
mais próximas à brasileira caíram expressivamente: Espanha (19,5%), Índia
(-25,6%), Colômbia (-24,5%), Irã (-46,3%), Israel (-64,9%). As exportações
encolheram para a Europa, as Américas Central e do Sul, o Oriente Médio e a
Oceania.
No campo das importações, todos os blocos
econômicos reduziram sua relação comercial com o Brasil, a não ser a Europa,
com aumento de 3,3%. No entanto, isso se explica justamente pelo aumento de
aquisições junto à Rússia, da qual aumentamos as compras de US$ 7,85 bilhões
para US$ 10 bilhões, entre 2022 e 2023. Note-se que houve aumento de compras de
10% junto à França, chegando a US$ 5,5 bilhões.
Embora o ótimo resultado comercial seja importante, não há o que comemorar quanto à retomada do desenvolvimento. As exportações não se configuram como abertura de novos mercados, nem em produtos, nem em destinos (salvo uma pequena e honrosa exceção do açúcar). No campo das importações, os números retratam a fragilidade da integração de nossa indústria com o resto do mundo. Ou seja, há muito a fazer para que o saldo comercial se entrelace ao desenvolvimento da economia brasileira.
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