O Estado de S. Paulo
É preciso continuar na trilha da revisão dos gastos tributários, mas também começar a colocar o dedo na ferida da despesa pública
Quando se trata de ajuste fiscal, isto é, de
promover economias permanentes com a finalidade de garantir a saúde do
financiamento do Estado e do desenvolvimento econômico, nada é trivial. Toda
medida relevante implicará custos para grupos específicos.
É preciso, entretanto, ter a grandeza de
avançar. O ministro Fernando Haddad já fez muito na matéria tributária, com a
revisão de benefícios e benesses, como tenho destacado neste espaço.
A Lei n.º 14.789/2023, por exemplo, acabou com o duplo incentivo fiscal baseado no ICMS, que erodia a arrecadação dos tributos federais sobre o lucro. A recente medida para acabar com a tributação negativa e o uso cruzado de compensações tributárias, no bojo dos créditos do PIS e da Cofins, foi outro acerto.
Entendo que é preciso continuar na trilha da
revisão dos gastos tributários, mas também começar a colocar o dedo na ferida
da despesa pública. Só assim o novo arcabouço fiscal será sustentável.
A título de colaboração para o debate
público, proponho sete medidas que envolvem, principalmente, o lado da despesa
pública federal, tendo uma delas foco nas renúncias tributárias.
1) Unificação dos mínimos constitucionais da
Saúde e da Educação. É preciso garantir o bom financiamento dessas duas áreas
centrais das políticas públicas. No entanto, o gasto público não precisa nem
deve ter amarras tão duras, como atualmente. O gasto mínimo constitucional com
Saúde e Educação vincula-se à receita.
No caso da Saúde, 15% da receita corrente
líquida. No caso da Educação, 18% da receita de impostos líquida. Poderíamos
substituir essas vinculações por um porcentual do PIB estimado, de modo a gerar
uma economia de recursos ao erário, mas preservar as duas áreas.
O ganho também se daria pela melhor alocação
dos recursos públicos entre Saúde e Educação. Muitas vezes, o setor público
acaba tendo de forçar determinadas despesas para cumprir os porcentuais mínimos
vigentes. Para quê? É jogar dinheiro fora, quando poderíamos buscar eficácia e
eficiência em benefício da população que mais depende do Estado.
Ganho esperado: R$ 10 bilhões ao ano.
2) Redução de 5% em todos os gastos
tributários. A redução precisa ser geral e irrestrita, respeitadas, no máximo,
as exceções já listadas no artigo 4.° da Emenda 109, da lavra do ex-ministro da
Economia Paulo Guedes. O ideal seria avançar sobre todos os itens da lista de
renúncias fiscais, mas, não sendo possível, ao menos dever-se-ia evitar
aumentar o número de exceções.
Um dos gastos tributários que poderia ser
revisado para além do ajuste linear acima proposto é o abatimento de despesas
médicas no Imposto de Renda. Os ricos, e não os pobres, são os beneficiários
desses abatimentos de despesas na base do imposto. É preciso acabar com essa
festa da cocada o quanto antes.
Ganho esperado: R$ 20 bilhões ao ano.
3) Limitação de todas as emendas
parlamentares a 1% do volume total das despesas discricionárias (não
obrigatórias) orçadas, isto é, aprovadas na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Atualmente, as emendas parlamentares (de
comissão, individuais ou de bancada estadual) já ultrapassam a marca de R$ 50
bilhões. Elas competem por espaço orçamentário com projetos de investimento
estruturantes. É hora de regular isso.
Ganho estimado: R$ 30 bilhões ao ano.
4) Desvinculação da Previdência e gastos
sociais em relação à política do salário mínimo. No Brasil, misturamos a
política de piso salarial com as políticas sociais. O salário mínimo deveria
servir para questões do mercado de trabalho, garantindo aos empregados ganhos
mínimos derivados do avanço da produtividade da economia. Aqui, o salário
mínimo virou um indexador de despesas. Alterada essa questão, que não se trata
em absoluto de cláusula pétrea constitucional, a economia seria grande para o
erário.
Ganho esperado: R$ 35 bilhões ao ano.
4.1) Criação de um indexador social. O
indexador social seria discutido ano a ano, substituindo o salário mínimo.
Obviamente, o ganho estimado no item 4 seria potencialmente menor. Isso
ajudaria a viabilizar a proposta. O Congresso ganharia peso para discutir o
indexador e a política de salário mínimo estaria descolada de benefícios
sociais como o BPC, o abono salarial e a própria Previdência Social.
5) Redução das subvenções e subsídios para
empresas com faturamento superior a R$ 10 milhões. Dependeria de o BNDES
substituir contratos vigentes. A Nova Indústria Brasil (NIB) poderia ser o
locus dessa discussão. Temos de modernizar a política de crédito público e
revisar todos os subsídios creditícios vigentes.
Ganho estimado: R$ 3 bilhões ao ano.
6) Revisão de todos os contratos de prestação
de serviços à administração pública. Ganho estimado, sob hipótese de sobrepreço
de 20% (em média), poderia ser relevante. É natural que, ao longo do tempo, a
administração pública mantenha contratos subótimos ou que, no mínimo, poderiam
ser revistos ou aprimorados.
Ganho esperado: R$ 5 bilhões ao ano.
7) Limitação de todos os salários e
remunerações globais da administração pública ao teto constitucional, isto é,
ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como manda a
Constituição.
Ganho esperado: R$ 3 bilhões ao ano.
Total do ganho estimado: 10 + 20 + 30 + 35 +
3 + 5 + 3 = R$ 106 bilhões ou cerca de 1% do PIB.
Vamos à luta!
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