Eficiência do Estado deve estar no topo da agenda
O Globo
Ao destacar privilégios da elite do funcionalismo, novo livro expõe urgência da reforma administrativa
Se a Constituição estabelece como teto
salarial do funcionalismo os vencimentos de um ministro do Supremo, atualmente
em R$ 44 mil, como explicar que no ano passado 93% dos juízes, desembargadores
e ministros de tribunais superiores, além de 91,5% dos procuradores, tenham
recebido rendimento médio mensal acima do limite? A justificativa para uma
distorção tão grande, sem falar no atropelo da Constituição, está baseada num
artifício. São criados auxílios, gratificações e benefícios de diversas
naturezas, dá-se a eles o carimbo de “verbas indenizatórias” e finge-se que
tudo é legal e moralmente defensável. Não é.
A captura do Estado por corporações de servidores públicos privilegiados perdura no Brasil há séculos. Por estar no nosso cotidiano desde os tempos coloniais, dá a impressão de ser imutável ou invencível. Tal entendimento é um engano. Bastaria uma decisão do STF para acabar com artimanhas que aumentam salários acima do teto. Ou a aprovação do Projeto de Lei dos Supersalários, estagnado no Congresso.
Esse é apenas um dos itens da reforma
administrativa necessária para conferir ao Estado brasileiro a
agilidade necessária a prestar serviços de qualidade. Ele não é inchado. É caro
e ineficiente. Ambos os problemas têm conserto. O Brasil dispõe de estudos e de
massa crítica para resolvê-los.
A reforma
administrativa deve ser encaminhada sem preconceitos, defende o economista
Bruno Carazza no livro “O país dos privilégios”. Nem todo
funcionário público é privilegiado. Servidores federais e estaduais ganham mais
que seus equivalentes no setor privado. Mas os municipais, que atendem a
população diretamente, em geral ganham menos. Outro equívoco é achar que o
setor público é grande demais. Levando em conta todos os níveis da Federação, o
Estado brasileiro emprega 12% da força de trabalho, percentual inferior ao dos
Estados Unidos (15%) e ao da média nos países ricos (18%). O problema está no
custo. A massa de servidores custa ao brasileiro 13% do PIB, ante 8,7% nos
Estados Unidos ou 7,6% na Alemanha. Isso é resultado não do tamanho do
funcionalismo, mas de distorções e privilégios.
A meta deve ser um Estado eficiente. Por isso
a reforma administrativa precisa combater promoções automáticas — como a
proposta na PEC do Quinquênio em tramitação no Congresso —, avaliações de faz
de conta, remuneração desvinculada da produtividade, falta de punição a quem
apresenta desempenho insatisfatório e a estabilidade para os comprovadamente
incompetentes. Os próprios servidores comprometidos e produtivos são vítimas do
ambiente que desincentiva a eficácia.
“A seleção de candidatos precisa ser mais bem regulamentada, e as centenas de carreiras devem ser racionalizadas em número mais restrito, de perfil mais generalista, embora sem perder suas especialidades básicas”, escreve Carazza. “A trajetória do servidor até o topo da carreira também deveria ser alongada, acompanhada de ciclos de capacitação e aperfeiçoamento, bem como de avaliações de desempenho para alcançar a progressão por mérito.” A estabilidade faz sentido em algumas carreiras, mas a maioria funcionaria melhor com regras semelhantes às da CLT. Em todas, deveria ser ágil a demissão por insuficiência de desempenho. A balança pesa há muito tempo a favor dos interesses individuais dos servidores, em detrimento da sociedade. Isso precisa mudar. E logo.
Dependência de uma só empresa cria
vulnerabilidade a apagão digital
O Globo
Falha na atualização de sistema antivírus da
Crowdstrike levou ao caos em aeroportos, hospitais e bancos
Não é exagero descrever como um caos os
efeitos do apagão
cibernético que, na última sexta-feira, convulsionou serviços
em vários países do mundo, inclusive no Brasil. O episódio, que resultou na
maior interrupção desse tipo na História, teve origem numa falha de atualização
de um programa antivírus da empresa de segurança digital americana CrowdStrike
usado nos sistemas Windows, da Microsoft.
A falha travou computadores mundo afora. Ao ligar os equipamentos, usuários
passaram a deparar com uma indesejável tela azul.
As falhas afetaram empresas, governos,
aeroportos, hospitais, bancos, redes de TV, Bolsas de Valores e, claro,
cidadãos comuns que não faziam ideia do que acontecia. Os transtornos mais
visíveis ocorreram em companhias aéreas dos Estados
Unidos, da Europa e da Ásia, que tiveram de adiar ou cancelar
milhares de voos. Até serviços de emergência americanos foram prejudicados. No
Brasil, foram registrados instabilidade em serviços bancários e atrasos
pontuais em decolagens. Em meio à confusão, foi preciso recorrer a cartões de
embarque escritos à mão.
A Microsoft
estimou que a falha afetou cerca de 8,5 milhões de dispositivos que usam
Windows, menos de 1% do total. Mas isso não minimiza o impacto do
apagão. Com 8 mil funcionários e valor de mercado de US$ 100 bilhões antes do
apagão, a CrowdStrike tem entre seus clientes 300 das maiores empresas dos
Estados Unidos, além de departamentos essenciais do governo americano. A
despeito disso, até sexta-feira a empresa do Texas, fundada em 2011, permanecia
como desconhecida por boa parte dos cidadãos.
A ironia é que a ferramenta da CrowdStrike se
destina a proteger os clientes de ameaças digitais. De acordo com a empresa,
não foram essas ameaças que derrubaram os sistemas, mas um erro trivial na
atualização do software. Curiosamente, a CrowdStrike estava despreparada para
essa ameaça.
Para além dos transtornos, que começaram a
ser sanados gradualmente, o apagão expôs a vulnerabilidade de empresas,
governos e organizações em todo o mundo, dependentes de sistemas digitais que
imaginam confiáveis. Logo após o apagão, cresceu um debate sobre os riscos de
concentrar poder demais numa única empresa. Quando acontecem falhas, serviços
importantes entram em colapso. “Esses incidentes revelam como a concentração
pode criar sistemas frágeis”, afirmou Lina Khan, presidente da Comissão Federal
do Comércio (Federal Trade Comission).
Pode não haver ainda respostas satisfatórias sobre o que fazer para impedir que caos semelhantes se repitam. Por ora, a única certeza é que, num mundo cada vez mais conectado, globalizado e refém das gigantes de tecnologia, esse risco é real.
Há tempo para parar de relutar e acertar a
situação fiscal
Valor Econômico
A relutância de parte do governo em se alinhar ao foco prudente da Fazenda faz com que contingenciamentos venham mais tarde e em menor dose do que a necessária para cumprir um objetivo fiscal que o governo livremente escolheu
O governo usou todo o espaço permitido no
regime fiscal para o déficit primário, de R$ 28,8 bilhões (0,25% do PIB),
depois de bloquear R$ 11,2 bilhões em despesas e contingenciar outros R$ 3,8
bilhões. A terceira revisão bimestral de receitas e despesas mostrou um quadro
semelhante ao da revisão passada: a projeção de receita líquida continua sendo
reduzida e a das despesas totais, aumentando. Isso significa que se a situação
persistir, novas contenções de despesas terão de vir nas avaliações até o fim do
ano, para cumprir a meta, algo que analistas fora do governo não acreditam
muito.
O governo indicou que o déficit projetado de
R$ 14,5 bilhões até o segundo bimestre aumentou para o limite do intervalo de
tolerância no terceiro. A receita primária total estimada foi reduzida em R$
6,4 bilhões em relação ao resultado do ano até abril. No entanto, em relação ao
previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA), a queda é maior, de R$ 21 bilhões. O
mesmo acontece com as receitas líquidas, que excluem as transferências. Elas
estão R$ 13,2 bilhões menores que as previstas no bimestre anterior e R$ 24 bilhões
abaixo das que constam no orçamento.
As despesas totais mostram comportamento
oposto. Os gastos primários aumentaram R$ 20,7 bilhões (os R$ 14 bilhões
dispendidos para a reconstrução do Rio Grande do Sul não contam para efeito da
meta fiscal) e nada menos de R$ 47 bilhões em relação ao previsto na LOA. Os
benefícios previdenciários continuam sendo revistos para cima, como as
consultorias privadas acreditavam, por considerar subestimados os cálculos do
governo. Dispêndios com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) aumentaram R$
6,4 bilhões. No total, os benefícios previdenciários subiram de R$ 917,8
bilhões para R$ 923,1 bilhões.
Ajustada pela performance, a tendência da
receita é de queda em relação à estimada. Uma das principais fontes adicionais
de entrada de recursos nos cofres públicos, as que se devem à volta do voto de
minerva para o governo no Carf, deveria proporcionar R$ 55,5 bilhões com os
acordos que se previa que fossem feitos pelos perdedores das ações. Até há
pouco, nada havia sido arrecadado com isso, e ontem, na revisão bimestral, a
cifra projetada encolheu para R$ 37,7 bilhões, ou R$ 17,8 bilhões a menos.
Outras receitas observadas mostraram menor
perspectiva de avanço na comparação com a avaliação anterior. As receitas
líquidas caíram R$ 13,2 bilhões. A arrecadação administrada pela Receita
Federal deve encolher R$ 1,7 bilhão. Concessões e participações foram reduzidas
em R$ 900 milhões, e em R$ 300 milhões os recursos advindos da exploração de
recursos naturais. Na direção contrária, os dividendos e participações deverão
render mais R$ 400 milhões do que o antevisto.
Os resultados fiscais pioraram por um motivo
simples: as receitas estão crescendo menos que os gastos. A arrecadação federal
tem mantido um ritmo de alta significativo, já descontada a inflação. Ontem, o
secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, afirmou que o resultado do mês
passado não fugiu à regra, com crescimento de 9,08% reais. Em maio, ela
avançara no mesmo ritmo. Na comparação com junho do ano passado, aumentou 11,2%
acima da inflação do período. É um desempenho excelente para uma economia que, pelas
previsões, deverá crescer menos do que em 2023. A estimativa mais otimista, do
Ministério da Fazenda, prevê avanço do PIB de 2,5%, ainda um pouco distante das
projeções do boletim Focus (2,15%, mas subindo a cada semana).
As despesas, no entanto, avançam mais
rapidamente. No ano até maio (último dado disponível no Tesouro), aumentaram
13% descontada a inflação, ou R$ 106,3 bilhões mais. Pela revisão do terceiro
bimestre divulgada ontem, ela deverá ser R$ 47 bilhões mais alta do que a que
consta da lei orçamentária. As despesas obrigatórias são as que mais avançam,
R$ 29 bilhões no ano acima do previsto. Os gastos públicos primários estão
aumentando sobre uma base robusta: em 2023, com a PEC da Transição, o governo
obteve recursos extras de R$ 168 bilhões. Os cálculos das despesas não incluem
o pagamento de precatórios até 2026 e os vários tipos de auxílio para o Rio
Grande do Sul.
Há divisão no governo sobre o tamanho do
freio nas despesas. Uma ala vê pouca conveniência de corte maior de recursos e
é a ela que o presidente Lula adere ao frequentemente desdenhar da obrigação de
cumprir a meta fiscal. Para o PT, nenhuma contenção é necessária. A equipe
econômica, sob críticas, queria um aperto maior. A solução dos R$ 15 bilhões,
anunciada antecipadamente, foi um compromisso, selado com o devido aval do
presidente.
As projeções para o déficit giram em torno de 0,7% do PIB no Focus. A relutância de parte do governo em se alinhar ao foco prudente da Fazenda faz com que contingenciamentos venham mais tarde e em menor dose do que a necessária para cumprir um objetivo fiscal que o governo livremente escolheu. Há tempo para consertar a situação, e o aval a um corte de R$ 15 bilhões pode tornar mais fácil a aceitação, resignada que seja, a novos cortes nos próximos meses, que levem o resultado em direção à meta.
Desistência de Biden zera o jogo nos EUA
Folha de S. Paulo
Com críticas após debate, presidente deixa a
corrida eleitoral e abre caminho para Kamala Harris tentar derrotar Trump
A semana passada começou sob o choque
da tentativa de
assassinato contra Donald Trump, formalizado candidato republicano à
Casa Branca na quinta (18). Com a agonia na campanha do presidente Joe Biden,
o caminho para a vitória do seu antecessor em novembro parecia escancarado.
No fim do domingo (21), entretanto, o jogo
foi reiniciado. Ao
desistir de tentar reeleger-se, Biden interrompeu o momento de
Trump, que também vinha obtendo conquistas na Justiça, escapando de ter de
enfrentar novos constrangimentos legais até o pleito.
O gesto de Biden não é trivial. Apenas seis
outros presidentes fizeram isso, o mais recente em 1968. Ainda que seja louvado
como herói, o fato é que ele foi forçado a abandonar a corrida por
circunstâncias e erros, não por abnegação.
Seus 81 anos não seriam uma questão se sua
saúde cognitiva estivesse em ordem. O agora histórico debate contra
Trump em 27 de junho mostrou que não estava. Até a o início da
campanha, a Casa Branca foi eficaz em esconder a realidade; agora, ficou
impossível.
Em um país cindido, Biden teria votação
expressiva mesmo sendo impopular. Mas estava em posição frágil nos chamados
estados-pêndulo, que ao fim decidem um pleito em que o voto majoritário não é o
principal fator, e sim cadeiras no Colégio Eleitoral.
Ele foi jogado às cordas pela queda no
financiamento de sua campanha, a partir do desempenho no fatídico debate. Com
efeito, após o anúncio, domingo tornou-se o dia em que os cofres democratas
mais se encheram desde 2020.
Caciques como Barack Obama,
de quem Biden foi vice, e a ex-presidente da Câmara, a ainda influente Nancy
Pelosi, operaram o levante para pressionar a saída. Assim, logo após a
desistência do presidente, uma fila de apoios à vice, Kamala Harris,
se formou.
Em vez de rivais, ela ganhou aliados como os
governadores Josh Shapiro, do importante estado-pêndulo da Pensilvânia, Gavin
Newsom (Califórnia) e Gretchen Whitner (Michigan). Kamala parece ter tudo para
consolidar esse movimento antes da convenção democrata, daqui a um mês, e
Shapiro emerge forte para ser seu vice.
Em apenas 2 de 11 pesquisas feitas após o
debate e antes do domingo, Kamala aparecia à frente de Trump. Mas a vantagem do
republicano é mínima, e o impacto da reviravolta precisa ser medido.
As virtudes da vice são muitas: mulher, negra, de origem asiática, progressista, jovem aos 59 anos. Mas, na polarização atual, parte disso pode ser demérito para metade do país. Restará saber quantos apoiadores se mobilizarão nos dois lados, e o que dirão os indecisos.
Cracolândias espalhadas
Folha de S. Paulo
Grupos de usuários, antes restritos à região
central, se dispersam por São Paulo
Apesar de existir equipamentos públicos de
atendimento a dependentes químicos e pessoas em situação de rua na cidade
de São Paulo,
a principal abordagem da prefeitura sobre a cracolândia tem
sido a policial, com operações para dispersar aglomerações de usuários da droga
no centro da capital.
Mas outros bairros possuem agrupamentos do
tipo; e as ações das forças de segurança no centro podem ter contribuído para
espalhar os dependentes para outras zonas da metrópole.
É o que mostra levantamento exclusivo desta Folha,
com dados da Secretaria de Segurança Pública obtidos por meio da Lei de Acesso
à Informação. O trabalho mostrou que, no ano passado, a cidade tinha 72
concentrações de usuários distribuídas em 47 bairros. No estado,
160, em 45 municípios.
Na capital, a maioria estava na zona leste
(20) e no centro (15). A periferia era a região mais afetada. Mas foram
registradas aglomerações em bairros nobres, como Alto de Pinheiros e Pinheiros.
São Bernardo e Guarulhos, na região metropolitana, lideram a lista estadual com
8 cada; Campinas, com 7, vem em seguida.
O consumo de crack a céu aberto por grandes
grupos de usuários, como os vistos principalmente no centro, causa
transtornos a moradores e comerciantes, não só com barulho e acúmulo
de lixo nas vias, mas com aumento de crimes, como roubos e furtos. Já os
usuários sofrem com a dependência.
Passa da hora de o poder público implementar
uma política multidisciplinar integrada (saúde,
segurança, moradia e geração de renda) contínua e de longo prazo para combater
o problema sem infringir direitos humanos —casos da violência policial
e de internações
compulsórias indevidas.
No setor específico da segurança, devem-se
alocar recursos em inteligência investigativa, para conter o tráfico e eliminar
fontes de financiamento das facções; e em policiamento ostensivo para proteger
moradores e comerciantes.
Caso contrário, as cracolândias continuarão a se espalhar. Em ano de eleições municipais, candidatos precisam mostrar projetos factíveis, e os eleitores devem exigi-los.
Um chiste revelador
O Estado de S. Paulo
Em vez de responsabilizar a oposição ou
rebater a piada com dados oficiais, o governo Lula deveria fazer uma reflexão
séria sobre as razões pelas quais o apelido ‘Taxad’ pegou
O governo Lula da Silva ficou incomodado com
o novo apelido que o ministro Fernando Haddad ganhou nas redes sociais. A
disposição do ministro da Fazenda em encontrar formas de aumentar a arrecadação
da União transformou Haddad no personagem “Taxad”, que proliferou na internet
na forma de “memes” – sátiras típicas do mundo virtual.
Tudo começou há cerca de uma semana, com a
perspectiva de que as compras realizadas por meio das plataformas estrangeiras
de até US$ 50 passassem a recolher Imposto de Importação de 20% já a partir de
1.º de agosto. A cobrança, que ficou conhecida como “taxa das blusinhas”, foi
aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula da Silva no
fim do mês passado.
O desgaste associado à medida era mais do que
esperado, mas talvez o que tenha surpreendido o governo tenha sido o deboche
com que o tema foi tratado nas redes sociais. “Memes” não carecem de produção
caprichada para viralizar e se disseminam com rapidez não apenas porque são
engraçados, mas porque são facilmente compreendidos – e, principalmente, porque
têm a capacidade de traduzir o estado de espírito predominante de boa parte da
população.
A AP Exata Inteligência Digital contabilizou
nada menos que 540 “memes” diferentes sobre o ministro na última semana. Na
maioria deles, o rosto do ministro é sobreposto em banners de filmes, séries,
programas televisivos e desenhos animados como um vilão, um super-herói ou um
personagem do universo pop disposto a taxar o que vê pela frente. As imagens
romperam os muros da polarização política que domina as redes sociais e foram
compartilhadas à direita e à esquerda.
O governo demorou para se dar conta do
fenômeno e optou por respostas tão destrambelhadas quanto ineficazes. Depois de
ignorar a piada, passou a refutá-la com argumentos supostamente técnicos,
enquanto a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, atribuiu a bolsonaristas a
autoria dos “ataques mentirosos” – o que não é verdade.
Além de ser falsa, a acusação de Gleisi e de
outros petistas dispensa o governo de refletir sobre as razões pelas quais o
apelido “Taxad” pegou. A principal delas decerto é o fato de que o Estado
brasileiro já é obeso e glutão, ostentando uma das maiores cargas tributárias
do mundo, e em troca entrega aos contribuintes um serviço público ineficaz em
áreas críticas, como saúde, educação e segurança pública.
A melhor resposta do governo seria lançar uma
discussão séria sobre uma reforma administrativa que fosse além da questão do
custo do funcionalismo público. É preciso debater a dimensão do Estado em
relação às reais necessidades dos cidadãos, sobretudo dos mais pobres, hoje
dependentes de caraminguás transferidos pelo Bolsa Família e com escassas
perspectivas de futuro. Lula da Silva deveria ser o primeiro interessado em
liderar esse debate, porque um Estado bem desenhado e financiado daria a essa
multidão de brasileiros pobres as condições mínimas e a tranquilidade
necessárias para buscar, por suas próprias forças, seu lugar ao sol.
Se o custo do Estado para os cidadãos é uma
questão que transcende governos, o chiste com o “Taxad” ganhou força porque
este governo investe toda a sua energia em “recuperar a base fiscal” – que nada
mais é do que um eufemismo para aumentar impostos. Este, aliás, é o cerne do
arcabouço fiscal que o governo propôs e que ensaia descumprir a todo o momento
porque resiste a cortar gastos, mesmo os mais controvertidos, como as emendas
parlamentares e os privilégios da elite do serviço público.
O governo, por sinal, ainda não desistiu
dessa estratégia, a despeito de o Senado ter devolvido, em junho, trechos de
uma medida provisória que, na prática, iria aumentar a arrecadação. Foi um
claro sinal de que essa agenda atingiu um limite, e não surpreende que essa
percepção tenha saído do espaço sisudo do Legislativo e chegado à internet com
alguma dose de humor. Em ambos os ambientes, o incômodo do governo só revela
teimosia e incompreensão.
Sobra dinheiro, falta competência
O Estado de S. Paulo
Não faltam recursos do Fundo Nacional de
Segurança Pública, mas não há bons projetos para a área e, principalmente,
proximidade de alguns governadores com aflições dos governados
O medo de ser vítima de violência é uma das
maiores aflições dos brasileiros, sobretudo dos habitantes das grandes cidades
do País. Não por outra razão, as falhas na segurança pública têm sido tratadas
como um dos vetores determinantes do debate eleitoral neste ano, malgrado a
competência primordial para atuar nessa área no âmbito do Poder Executivo seja
dos governadores, e não dos prefeitos.
Porém, no que pode ser interpretado como um
sinal de distanciamento dos interesses da população, no melhor cenário, ou de
pura incompetência administrativa, no pior, não são poucos os governadores que
têm negligenciado a segurança pública a ponto de, na ausência de projetos
consistentes para a área ou falta de senso de urgência, deixarem de investir
milhões de reais em recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP),
criado em 2018, durante o governo de Michel Temer.
O Estadão apurou que, a seis meses
do fim do ano, os 26 Estados, além do Distrito Federal, podem perder acesso a
R$ 370 milhões do FNSP ora disponíveis para uso – R$ 131 milhões referentes aos
repasses de 2019 mais R$ 239 milhões relativos a 2020. Em dezembro de 2024,
termina o prazo para aplicação dessa verba federal em investimentos em
segurança. E os Estados estão, quase todos, muito atrasados. Por exemplo,
enquanto São Paulo e Rio Grande do Sul executaram 85% dos montantes
transferidos entre 2019 e 2022, Santa Catarina executou apenas 34,2%. Se nada
for feito até o fim do ano, o dinheiro retornará ao Tesouro para abatimento da
dívida pública.
Para ter acesso ao FNSP, os governos
estaduais têm de submeter ao Ministério da Justiça e Segurança Pública projetos
de investimento que se coadunam com os critérios definidos pelo governo
federal. As políticas públicas financiadas pelo fundo devem priorizar,
necessariamente, ações de redução de homicídios, combate ao crime organizado,
defesa do patrimônio, enfrentamento da violência contra a mulher e melhoria da
qualidade de vida dos agentes das forças de segurança.
Ora, em qualquer Estado da Federação, para
onde quer que se olhe, não é difícil encontrar oportunidades de investimentos
que atendam àqueles critérios. Tampouco, como se viu, falta dinheiro para
investir. Ao que parece, falta, isso sim, a formulação de boas políticas
públicas para reduzir os índices de criminalidade Brasil afora, em particular a
obscena taxa de homicídios cometidos no País. Como mostrou há poucos dias
o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, o Brasil segue como um dos
países mais hostis à vida humana no que concerne às mortes provocadas.
Em 2023, de acordo com o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, autor do Anuário, foram registrados 46.328 assassinatos
no País – 22,8 casos para cada 100 mil habitantes. É verdade que esse número
representa uma queda de 3,4% em relação ao apurado no ano anterior, além de ser
o menor número de homicídios registrado pelo Fórum desde o início da série
histórica, em 2011. Porém, o dia em que a Nação celebrar o fato de que “apenas”
cinco homicídios são praticados por hora no Brasil, será o dia da capitulação
diante de uma guerra aberta que, sem prejuízo dos horrores que já impinge aos que
nela estão diretamente envolvidos, priva o País como um todo de um futuro mais
auspicioso.
Consta que o Ministério da Justiça e
Segurança Pública pretende estender o prazo para acesso aos recursos do FNSP
ainda não utilizados. A iniciativa, a princípio, é boa, mas é difícil crer que
governos que não se prepararam a contento nos últimos cinco anos para utilizar
esses recursos o farão nos próximos seis meses. Evidentemente, o dinheiro não
tem de ser liberado para financiar políticas de segurança sem consistência.
Nesse sentido, aos técnicos da pasta cabe redobrar o escrutínio sobre os
projetos que eventualmente lhes serão apresentados a partir de agora, não
afrouxá-lo.
A fim de auxiliar os governos estaduais na
formulação desses projetos, a diretoria do FNSP criou um fórum de
compartilhamento de experiências entre os entes federativos, a Rede
Interfederativa do FNSP. Em reuniões mensais, os representantes de cada Estado
têm esclarecido dúvidas e aprendido uns com os outros. Oxalá dê certo. Os
cidadãos que saem às ruas todos os dias agradecem.
Menos burocracia, mais eficiência
O Estado de S. Paulo
Realinhar funções de CVM e Banco Central pode
contribuir para coibir fraudes como a da Americanas
O comitê independente do Grupo Americanas,
criado para investigar as irregularidades contábeis na empresa, confirmou a
existência de fraude detectada, principalmente, em contratos fictícios de
publicidade e operações financeiras conhecidas como “risco sacado”. O
reconhecimento formal, que comprovou o que já demonstravam as evidências, foi
encaminhado à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal e à Comissão de
Valores Mobiliários (CVM).
Ao comunicar ao mercado o envio dos
documentos, a empresa informou que os responsáveis por comandar e orquestrar as
fraudes “não mais integram os quadros da companhia” e que avalia medidas para
ressarcimento dos prejuízos, estimados em R$ 25,3 bilhões. O material, por
certo, deve ter fundamentado a operação policial de busca e apreensão contra
ex-diretores da empresa no fim de junho.
A perplexidade que envolve o caso desde que o
escândalo foi revelado, em janeiro de 2023, traduz a dificuldade de entender
como práticas fraudulentas de tamanha gravidade foram mantidas, ao que tudo
indica, por mais de duas décadas, passando despercebidas pelos mecanismos de
fiscalização e controle. O “caso Americanas”, que envolve ex-executivos do alto
escalão e cerca de 60 funcionários, expôs todas as deficiências dos órgãos
reguladores do mercado de capitais.
Diante disso, o estudo em curso no Ministério
da Fazenda para reavaliar atribuições da CVM e do Banco Central (BC), como
informou o jornal Valor, é uma providência oportuna e necessária, desde
que acompanhada do fortalecimento da fiscalização. De modo geral, a proposta é
acabar com a superposição de atribuições. Ao BC, que incorporaria a Susep (do
setor de seguros), caberia a regulação e supervisão prudencial específica dos
mercados financeiro e de capitais; e à CVM, a supervisão de condutas e proteção
dos consumidores dos dois mercados.
É bastante lógico – e até básico – que as
duas autarquias atuem de forma complementar e não entrelaçando funções, o que
costuma servir apenas para criar entraves burocráticos. Conhecida como “xerife
do mercado de capitais”, a CVM enfrenta dificuldades que vêm de longe e que vão
desde o quadro insuficiente de funcionários até a baixa autonomia e orçamento
inadequado. Embora a taxa de fiscalização cobrada dos regulados resulte numa
arrecadação de mais de R$ 1 bilhão por ano, os recursos vão para a conta única
do Tesouro que repassa à CVM dotação em torno de R$ 300 milhões.
Os maiores prejudicados pelo esquema mantido
na Americanas, além da própria empresa, foram os investidores que buscaram
retorno nas ações da companhia, até então tida como uma das líderes do comércio
nacional. Os recursos desse público pulverizado sustentam um mercado que
precisa dar mostras de segurança e controle. E o País precisa desses
investidores para crescer.
Os executivos da Americanas acusados de
comandar a fraude venderam milhões em ações, transferiram patrimônio, abriram
contas em paraísos fiscais, tudo isso nas barbas dos órgãos reguladores, antes
de o escândalo explodir. Aos pequenos investidores, restou lamentar a perda.
Joe Biden segue na campanha
Correio Braziliense
Joe Biden desiste de disputar a permanência
na Casa Branca, mas será um assunto-chave na eleição que decidirá quem vai
susbtituí-lo
Sob intensa pressão de aliados, Joe Biden
abre mão de seguir na disputa pela presidência dos Estados Unidos de maneira
inédita — sem um pronunciamento à nação e a pouco mais de 100 dias do pleito —,
causa uma reviravolta na corrida eleitoral, tenta preservar o seu legado
político, mas não deve ter calmaria nos últimos dias à frente da Casa Branca.
Nem deixará de ser um dos pontos mais estratégicos na eleição que
decidirá quem vai susbtituí-lo. É o que sinalizam democratas, republicanos e
outros atores políticos desde que a desistência histórica foi anunciada.
A declaração imediata de apoio a Kamala
Harris feita por Biden teve repercussão instantânea — uma arrecadação em
doações de ao menos US$ 50 milhões em um único dia e uma espécie renovação de
ânimos diante de um cenário bem mais favorável à vitória dos republicanos,
fortalecido pelo atentado sofrido por Donald Trump no último dia 13. Se
confirmada como candidata à presidência, porém, Kamala será cobrada pelos
adversários justamente por ser próxima a Biden.
Já no domingo, líderes republicanos a
acusaram de ser cúmplice de um suposto esquema para não revelar à população o
real estado de saúde do presidente. Em entrevista à CNN, o estrategista Scott
Jennings indicou uma nova tática da campanha: "Bater na tecla que Kamala é
o Biden com outro nome". Junto, vem uma forte pressão para que o
presidente renuncie ao cargo por ser uma "ameaça à segurança nacional em
grande declínio cognitivo e um perigo claro" aos americanos, infla
comunicado da campanha de Trump.
Os ataques a Kamala durante a Convenção
Nacional Republicana, que terminou às vésperas da desistência de Biden, também
já tinham o objetivo de associá-la a erros do presidente. A vice recebeu a
alcunha de "czar da fronteira" — em referência à política migratória
que, segundo opositores, é responsável pelo aumento de imigrantes no país e a
consequente crise na segurança. Certamente, outras medidas impopulares da
gestão Biden cairão sobre a campanha da vice, que deu sinais de que não tentará
um distanciamento. Ontem, em tom de campanha, ela disse que "o legado de
Joe Biden nos últimos três anos é inigualável na história moderna".
Ainda que os democratas escolham um outro nome para entrar na disputa contra Trump ou que Kamala mude o discurso, Biden não sairá da disputa. Uma campanha mais progressista e/ou que traga a ideia de renovação inevitavelmente terá os feitos e os não feitos do atual presidente como referência — temas que também farão parte das narrativas dos adversários. Não há para onde correr. Mesmo fora das cédulas, Biden seguirá sendo figura-chave na conturbada eleição de 2024, assim como os resultados das urnas marcarão sua trajetória política trilhada há quase 50 anos.
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