Editora do Financial Times em Nova York / Valor Econômico
Enquanto as políticas trabalhistas dos democratas podem ser mais construtivas, os republicanos se destacam no marketing
Aconteceu. Joe Biden renunciou à corrida
presidencial e ratificou Kamala Harris como a nova candidata democrata. As duas
medidas são boas decisões: nas últimas semanas, Biden despencou nas pesquisas,
enquanto Kamala avançou de forma constante. O caos de uma convenção aberta não
é algo que os democratas queiram e acredito que o partido se reunirá
rapidamente em torno de Kamala. Mas embora a mudança coloque um fim no
suspense, ela ainda não resolve um grande problema para os democratas: como
garantir os votos da classe trabalhadora em novembro.
Os eleitores da classe trabalhadora nunca foram o público-alvo de Kamala. Ela é vista mais como uma brilhante ex-advogada e promotora da Califórnia. Enquanto isso, os republicanos continuam cortejando com sucesso os trabalhadores. Na Convenção Nacional Republicana da semana passada, Sean O’Brien, o presidente do sindicato Teamsters, sacudiu a política trabalhista ao fazer jogo duplo em nome de seus membros.
O’Brien foi o primeiro “Teamster” em 121 anos
a falar em uma convenção republicana. Foi uma decisão política inteligente que
- como salientou em seu discurso - reflete a abordagem do próprio mundo
empresarial. “Precisamos chamar a Câmara do Comércio e a Business Roundtable
pelo que eles são”, disse ele. “Sindicatos das grandes empresas”. É verdade.
Tais organizações podem professar serem apolíticas e a favor do livre mercado,
mas na verdade elas, assim como os sindicatos, são grupos de associados que fazem
lobby pelos interesses manifestos dos contribuintes.
Muitos líderes empresariais e grupos
industriais doam dinheiro para os dois principais partidos políticos. Os
líderes trabalhistas, por outro lado, tendem a ser democratas registrados. Isso
é verdade mesmo que os seus membros nem sempre votem exclusivamente no Partido
Democrata, como vimos muito bem em 2016, quando alguns membros dos sindicatos
apoiaram Trump. Embora a maior federação de sindicatos dos EUA, a AFL-CIO,
tenha apoiado Biden (e certamente apoiará Kamala), o Teamsters - que representa
os trabalhadores dos setores de transporte e logística - não faz parte desse
grupo. Ele e alguns outros grupos trabalhistas (e certamente muitos
trabalhadores individuais) se veem como agentes livres.
Por que isso? Para começar, nem todos os
interesses sindicais são iguais. A abordagem “Build Back Better” (“Reconstruir
melhor”) de Biden vem se concentrando muito na reindustrialização, o que é mais
benéfico para grupos como o siderúrgico, os trabalhadores do setor elétrico e
outros sindicatos industriais.
Mas os Teamsters não fabricam coisas - eles
as enviam e manuseiam. Embora possam aplaudir as tarifas em princípio, o
bem-estar de seus membros no curto prazo depende mais da habilidade deles de
organizar a Amazon do que em produzir veículos elétricos. O mesmo vale para os
trabalhadores de áreas como a construção. O trabalho deles não depende de os
painéis solares serem fabricados na China, e sim de quantos deles são
instalados em telhados americanos.
A verdade é que há muito os sindicatos
desempenham um papel nos dois lados do espectro político. Nos últimos anos,
parte dos sindicatos da construção civil apoiou os republicanos no Congresso em
troca de, por exemplo, seu apoio à Lei Davis-Bacon, que exige que os
trabalhadores em projetos públicos assistidos pelo governo federal sejam pagos
com um salário justo e benefícios prevalecentes na comunidade onde o projeto
está sendo realizado. Em tese, isso evita que as construtoras recrutem, por
exemplo, trabalhadores mexicanos sem documentação para trabalhar por salários
reduzidos (embora, claro, isso ainda aconteça).
Temas como a Lei Davis-Bacon cruzam os
limites políticos e turvam questões de política. Enquanto os democratas de
mente correta se preocupam com salários justos para os trabalhadores americanos
(assim como muitos conservadores de mente correta), muitos republicanos também
se preocupam com a imigração ilegal. Essa preocupação não é racista em si. Mas
certamente está sendo usado de maneiras racistas por Trump e pelo Partido
Republicano, que usam essas táticas para assustar os trabalhadores cujos
empregos podem estar ameaçados.
Enquanto as políticas trabalhistas dos
democratas podem ser mais construtivas, os republicanos primam no marketing. É
uma ironia sombria que o ataque do líder do Teamsters contra elites tenha sido
proferido em uma conferência em nome de um homem que é o retrato perfeito delas
Isso está de acordo com parte da história
tensa das relações raciais do próprio movimento operário. O New Deal de
Franklin Delano Roosevelt é frequentemente apresentado como um modelo para o
tipo de economia do bem-estar social orientada para a produção que os EUA
deveriam reconstruir. Isso certamente foi bom para os membros brancos dos
sindicatos. Mas os negros e pardos foram sistematicamente excluídos de coisas
como as proteções da Previdência Social e do Conselho Nacional de Relações
Trabalhistas, em troca do apoio dos democratas sulistas ao programa.
Não pude deixar de pensar nisso enquanto
assistia o discurso de O’Brien na semana passada. Embora a classe trabalhadora
da América seja extremamente diversificada, O’Brien parece e soa como os
líderes trabalhistas de antigamente. A sua posição na Convenção Nacional
Republicana mostra os atritos que ainda existem dentro do movimento trabalhista
e do próprio Partido Democrata.
Também pensei sobre essas questões em relação
a Kamala. A maioria dos líderes progressistas ainda está, em geral, muito mais
interessada em falar sobre raça e identidade, do que sobre classe. Certamente
Kamala irá apelar para esses tipos de líderes e os democratas que se importam
com essas questões. Mas um motivo do sucesso de Biden em 2020 foi sua
habilidade em falar para os eleitores da classe trabalhadora nos Estados
indecisos. Esses Estados - Michigan, Wisconsin e Pensilvânia - continuam sendo
o lugar onde a corrida será vencida. Isso é evidenciado pelos republicanos que
avançam a todo vapor na questão da classe, com Trump escolhendo como
companheiro de chapa J.D. Vance - autor de “Era uma vez um sonho” (“Hillbilly
Elegy”), seu livro de memórias em que ele conta como foi crescer na América
branca da classe trabalhadora.
Deixe-me ser clara. Não acho que Trump se
importe de forma alguma com os trabalhadores e não tenho certeza se Vance se
importa também. As pessoas trabalhadoras que os apoiam estão votando para se
proteger das mudanças, e não se preparando para elas. Mas enquanto as políticas
trabalhistas dos democratas podem ser mais construtivas, os republicanos se
destacam no marketing. É uma ironia sombria que o ataque de O’Brien contra as
elites cuja “lealdade é para com os balanços [das empresas] e os preços das ações”
tenha sido proferido em uma conferência em nome de um homem que exemplifica
exatamente isso.
A questão para Kamala, supondo que ela será a
candidata democrata, é se ela conseguirá convencer mais trabalhadores de que é
realmente a pessoa que os protegerá. (Tradução de Mario Zamarian)
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