Valor Econômico
Para pesquisadores da longevidade, desvinculação da previdência do reajuste do salário mínimo jogaria no superendividamento uma parcela ainda maior da população de idosos
Está no ar a discussão sobre a desvinculação
do salário mínimo dos benefícios da Previdência Social. Se os defensores da
desvinculação ganharem o debate e convencerem os deputados e senadores, os
benefícios passarão a ser corrigidos apenas pela inflação e não mais pela
inflação acrescida do índice de crescimento da economia (do PIB).
Na prática, portanto, os beneficiários, idosos na esmagadora maioria, seriam isolados dos ganhos reais da economia. Teriam seus benefícios estagnados, na melhor das hipóteses, porque o reajuste pela inflação nem sempre acompanha os gastos dos idosos - os medicamentos e os planos de saúde, por exemplo, normalmente aumentam muito mais que a inflação oficial.
Fica para outro momento, porém, a discussão
dessa questão, que envolve o problema do sacrossanto equilíbrio das contas
públicas. Apenas vale abrir um parêntese para citar os pesquisadores Jorge
Felix e Guita Grin Debert, estudiosos da economia da longevidade. Eles
sugeriram em artigo recente que a desvinculação jogaria no abismo do
superendividamento uma parcela ainda maior da população de idosos. Cerca de 40%
deles já são inadimplentes atualmente, ou seja, aproximadamente 14 milhões de
pessoas não conseguem viver com a aposentadoria e tomam empréstimos impagáveis,
principalmente os tais consignados.
Mas o objetivo aqui é citar reflexões sobre o
papel dos economistas no debate atual, algo que se faz pelo mundo, mas ainda
está fora de moda no Brasil. Em março passado, Angus Deaton, economista Prêmio
Nobel de 2015, publicou artigo no F&D Finance and Development, do FMI, com
o título “Repensando minha economia”. Fez um mea culpa para reforçar
arrependimentos já expostos por ele no ano passado no livro “Economics in
America”, que teve ampla repercussão internacional.
Deaton diz que em contraste com economistas
desde Adam Smith e Karl Marx, passando por Keynes, Hayek e Friedman, “paramos
de pensar na ética e no que constitui o bem-estar humano. Somos tecnocratas que
pensam apenas na eficiência”. A economia do bem-estar, segundo ele, desapareceu
há muito dos currículos, e não se aprende mais nada sobre o que os filósofos
dizem a respeito da desigualdade. Muitas vezes, o bem-estar é equiparado apenas
ao dinheiro e ao consumo.
Deaton critica o seu próprio comportamento
durante décadas como economista liberal. Refere-se ao pensamento dominante
entre seus pares, porque sempre houve, obviamente, muitos “não convencionais”.
Ele diz que a eficiência é importante, mas está sendo valorizada acima de
outros fins, a ponto de muitos subscreverem a ideia de que os economistas devem
se concentrar na eficiência e deixar a equidade para os “outros”, para
políticos ou administradores. Mas como os “outros” em geral não se preocupam
com isso, diz Deaton, as recomendações dos economistas tornam-se licenças para
pilhagem.
Deaton acha que falta humildade aos
economistas, que muitas vezes “têm certeza de que estão certos”, embora existam
pressupostos não válidos em todas as circunstâncias. Ele reconhece que durante
muito tempo considerou os sindicatos como um incômodo que interferia na
eficiência econômica e saudou o seu lento desaparecimento. Hoje, porém, nos
EUA, os sindicatos têm pouca voz e as grandes empresas, demasiado poder sobre
condições de trabalho e salários. E os lobistas são mais influentes do que os
sindicatos nas decisões de Washington. O declínio dos sindicatos, enfim,
contribuiu para a queda dos salários e o aumento da desigualdade. Não deveriam
agora ficar fora das mesas que já discutem inteligência artificial.
O conselho final de Deaton aos colegas é que
eles poderiam se beneficiar de um maior envolvimento com as ideias de
filósofos, como fez Adam Smith. Lamenta que recebam hoje pouca formação sobre
os objetivos da economia, sobre o significado da economia do bem-estar, que há
muito desapareceu dos currículos, e sobre o que os filósofos dizem a respeito
da igualdade.
Ao ler sobre esses arrependimentos de Deaton,
um grande economista brasileiro disse: “Antes tarde do que nunca”.
Mas voltemos à questão da desvinculação dos
benefícios da Previdência para lembrar de um passado recente. Quem viveu o
período da hiperinflação no Brasil, nos anos 1980 e 1990, certamente se lembra
como os benefícios da Previdência ficaram defasados porque não eram devidamente
corrigidos.
Naquela época, os idosos tinham que ir ao
banco para receber a aposentadoria. Muitos, em São Paulo, deixavam acumular
três ou quatro meses para ir ao banco, porque o benefício mal cobria o valor da
passagem de ônibus de ida e volta. O nome disso, usando a expressão de Deaton,
é pilhagem.
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