Adiamento do PNE expõe dificuldade do Brasil na educação
O Globo
Incapacidade de traçar metas para o futuro é
tão grave quanto não ter cumprido as traçadas no passado
A Câmara aprovou na semana passada a
prorrogação do atual Plano Nacional de Educação (PNE) até 31 de
dezembro de 2025 (ele expirou em 26 de junho). A decisão, tomada em comum
acordo com o governo, é menos deletéria que a proposta original de estendê-lo
até 2028. Mas não se pode dizer que seja positiva. As diretrizes traçadas dez
anos atrás, quando a realidade educacional no Brasil era outra, ainda valerão
por um ano e meio. A dificuldade de traçar novas metas é sintoma da dificuldade
do Executivo e do Legislativo para cuidar da agenda de um setor prioritário.
A execução do plano atual, que atravessou quatro governos — Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva — se revelou um fracasso. Nenhuma das 20 metas estabelecidas em 2014 foi alcançada. Um balanço feito pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostrou que, de 38 indicadores, não mais que quatro foram atingidos. O Ministério da Educação sustenta que, na média geral, a execução de cada um dos objetivos foi de 77%. Mas isso não atenua o fiasco. Seria razoável não cumprir todas as metas. Não atingir nenhuma é injustificável.
Uma delas era garantir pelo menos 50% das
crianças de até 3 anos em creches. A proporção ficou em 42,3% até 2023. Não é
problema irrelevante. A falta de vagas em creches afeta o mercado de trabalho,
pois mães, especialmente em regiões de baixa renda, não conseguem trabalhar
porque não têm onde deixar filhos pequenos. Nos últimos anos, foram fartas as
promessas, mas grande parte não se concretizou.
O plano de oferecer ensino em tempo integral
em 50% das escolas públicas também foi frustrado. No ano passado, havia oferta
em apenas 30,5%. Também não se confirmou o objetivo de, até 2016, universalizar
a educação na pré-escola para crianças de 4 e 5 anos — a parcela está hoje em
93%.
Depois de atrasar mais de cem dias em relação
ao prazo anunciado, o governo
divulgou enfim as diretrizes do próximo PNE, que seguiu para o
Congresso. O documento cria medidas para reduzir desigualdades, amplia metas
para creches, educação infantil e ensino em tempo integral. Uma das novidades é
fixar objetivos e financiamento próprios para educação de indígenas, quilombolas,
crianças com deficiência, jovens e adultos (EJA).
Um erro evidente é insistir em destinar 10%
do PIB para a educação, quase o dobro da parcela atual. Pela comparação
internacional, está claro que o Brasil não investe pouco dinheiro no setor. O
problema é como investe. De nada adianta despejar recursos e mais recursos,
quando a dificuldade está em expandir para todo o país as práticas
bem-sucedidas nas ilhas de excelência que alcançam os indicadores almejados.
Compreende-se que governos e políticas
educacionais mudem, mas as metas do PNE não devem — ou não deveriam — estar
sujeitas às idiossincrasias do governante. Todos precisam se empenhar para
alcançá-las, pois só assim se conseguirá avançar num setor crítico para o
desenvolvimento do Brasil. Ainda que inevitável diante dos atrasos, é uma
lástima o adiamento do atual PNE até o fim do ano que vem. Agora é preciso
haver urgência na discussão das novas diretrizes no Congresso e na
implementação. Tão importante quanto haver um plano para nortear as diretrizes
da educação pelos próximos dez anos, é conseguir cumpri-lo, mesmo que
parcialmente.
Mercado de procedimentos estéticos precisa
ser disciplinado no país
O Globo
Morte vinculada a aplicação de fenol expõe
riscos associados a profissionais não capacitados
No início de junho, um empresário de 27 anos
morreu em São Paulo depois de submetido a um procedimento estético de
esfoliação da pele conhecido como “peeling de fenol”. Com o desfecho trágico,
descobriu-se que a responsável pelo serviço era uma influenciadora sem formação
em medicina. Seu conhecimento sobre o assunto se resumia a um curso on-line,
segundo a polícia. O estabelecimento não estava licenciado para essa prática
junto à prefeitura, que determinou seu fechamento. O caso expôs ao país a
incúria e o descontrole que imperam nesse mercado.
Menos de um mês depois, a polícia passou a
investigar a morte suspeita de uma promotora de vendas em Vitória (ES)
envolvendo o produto. Segundo a família da vítima, ela comprou o fenol pela
internet e realizou o procedimento sozinha em sua casa. Os casos não se resumem
ao fenol. Outra influenciadora digital de 33 anos morreu no início de julho em
Brasília dez dias depois de fazer um procedimento para aumentar os glúteos. A
dona da clínica foi presa, e o caso está sob investigação.
Com frequência, são noticiados casos de
efeitos adversos graves ou mortes decorrentes de aplicação de substâncias que
trazem riscos à saúde ou de procedimentos feitos por quem não é capacitado. As
Sociedades Brasileiras de Dermatologia e de Cirurgia Plástica defendem que
intervenções invasivas sejam realizadas apenas por médicos ou profissionais
especializados. Citam a aplicação de toxina botulínica (botox), preenchedores
cutâneos como o ácido hialurônico, bioestimuladores de colágeno, os
procedimentos com polimetilmetacrilato (PMMA), eletrocauterização, endolaser e
esfoliação com químicos como o fenol.
O Conselho Federal de Medicina (CFM)
sustenta que, por se tratar de intervenção invasiva, o peeling de fenol só pode
ser realizado por médicos especializados. Os profissionais devem solicitar
exames prévios, uma vez que a aplicação do produto pode provocar alterações na
frequência cardíaca, levando à arritmia ou até à parada cardíaca. O cirurgião
Luiz Paulo Barbosa, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, considera um
crime realizá-lo fora de um centro cirúrgico.
Em meio aos debates sobre o caso, no último
dia 25 a Anvisa
proibiu a venda de produtos à base de fenol e seu uso em procedimentos de saúde
ou estéticos no Brasil. A proibição vigorará enquanto ela
investiga os potenciais danos associados ao uso da substância em intervenções
invasivas. Segundo a agência, até agora não foram apresentados estudos
comprovando eficácia e segurança do produto nessas situações.
Está claro que o mercado de procedimentos
estéticos precisa ser disciplinado no país. O paciente pode não ter
conhecimento técnico para saber se determinado profissional está capacitado ou
se o estabelecimento é licenciado para prestar o serviço. Mas o poder público,
as entidades médicas, as instituições do setor têm o dever de fiscalizar e
denunciar quem opera em desacordo com a legislação. Não dá para agir somente
depois dos casos de repercussão, quando o dano já está feito.
Estímulos elevam a renda, mas também
pressionam a inflação
Valor Econômico
Falta dosar os estímulos à economia, mas para isso seria preciso conter as ânsias eleitorais e os vieses anacrônicos do Planalto, o que não é uma tarefa fácil
A renda está crescendo acima da inflação em
todas as classes de rendimentos, em um ritmo que se assemelha ao de 2013,
quando o pleno emprego e os estímulos fiscais diretos e indiretos explodiram,
no governo de Dilma Rousseff. Os recursos provenientes do trabalho impulsionam
o avanço, alavancados pelo aumento real do salário mínimo e os benefícios
previdenciários e assistenciais, por ele corrigidos. Para as classes A e B, que
dependem menos dos salários e mais de investimentos financeiros e outras rendas,
os aumentos são, respectivamente, de 6,6% e 8,7%, segundo o estudo Classes de
Renda e Consumo no Brasil: 2024-2034, feito pela Tendências Consultoria (Valor,
5 de julho).
Os pontos positivos dessa situação são
óbvios. O impulso à renda, via estímulos fiscais e parafiscais, é a tecnologia
favorita dos governos petistas. As vantagens são o pleno emprego, ao qual o
país está perto de chegar - 7,1% em maio, ante 6,8% em 2014 -, o aumento da
população ocupada, que passou de 101 milhões de pessoas, o consumo em alta e o
crescimento da economia, de 3% nos últimos dois anos. Os pontos negativos são
também conhecidos: a inflação vai demorar mais a cair, assim como os juros, e o
déficit público aumentará - ponto frágil do atual governo Lula e de sua
antecessora, Dilma.
Os aumentos de renda das classes C e D, que,
somadas compõem 71% dos domicílios da pesquisa, tiveram uma injeção direta de
recursos proporcionadas pelos benefícios previdenciários, de prestação
continuada, abono salarial e seguro desemprego, todos corrigidos além da
inflação pela nova fórmula de atualização do salário mínimo - INPC mais o
avanço do PIB de dois anos atrás. No caso das classes D e E, as mais numerosas
(49,9% dos domicílios), o avanço da renda foi de 3,5%, praticamente em linha
com o aumento real de 3% do reajuste em 2024. O Bolsa Família teve triplicado
seu orçamento. De 0,5% do PIB, até 2021, saltou a 1,6% do PIB.
É desejável e necessário que a renda do
trabalho e as demais aumentem com o crescimento da economia, desde que sigam um
ritmo compatível. Há, porém, um descompasso. A PEC da Transição fez os gastos
do governo darem um pulo de R$ 168 bilhões no ano passado. A esse acréscimo
foram feitos outros no governo Lula para turbinar a economia a ponto de ela,
segundo cálculos privados e do Banco Central, já estar próxima de seu
potencial. Um ritmo mais acelerado, nestas circunstâncias, significa inflação
mais alta um ou dois anos à frente. A resistência, ou mesmo aumento, da
inflação dos serviços, em várias de suas categorias - subjacente, que acompanha
os ciclos, e intensivos em trabalho, que capta o progresso dos salários - é um
sintoma disso.
Os estímulos à renda são cumulativos e já
deram um salto no ano passado, ao qual se justapõem os aumentos reais de agora.
Já em 2023, segundo Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon, a
Renda Nacional Disponível Bruta das Famílias (RNDBF), que soma rendimentos do
trabalho e de outras fontes, e sua versão restrita, divulgada pelo BC,
cresceram, em termos reais, 7,7% no trimestre móvel até agosto e 7,9% no
acumulado do ano.
O BNDES, em publicação oficial, resumiu boa
parte dos incentivos rápidos à economia. Após liberar R$ 93,1 bilhões em
precatórios nos momentos finais de 2023, houve antecipação de pagamentos de R$
30 bilhões no início do ano. A injeção conjunta de recursos em prazo curto
correspondeu a 1,1% do PIB (Estudo Especial BNDES 21/2024). A antecipação de
pagamento do décimo terceiro salário para aposentados e pensionistas para o
primeiro semestre correspondeu a 0,6% do PIB, ou R$ 67 bilhões. Não é um
recurso novo, mas somado aos precatórios trouxe despesas de R$ 200 bilhões no
início de 2024, algo nada desprezível se for considerado que o PIB trimestral
foi de R$ 2,7 trilhões.
Um dos resultados é que a renda disponível
bruta das famílias (restrita) trimestral, com ajuste sazonal e anualizada,
atingiu R$ 375 bilhões mensais, segundo o BC. Houve acréscimo próximo de R$ 25
bilhões em relação ao fim do ano passado, o que significa que, se tudo se
mantiver constante, serão mais R$ 300 bilhões nas mãos dos consumidores (não
considerados impostos, dívidas etc).
Esses incentivos à demanda podem estar acima
da capacidade da economia em atendê-la. Um sintoma claro é que, mesmo com a
carga forte de juros, a inflação resiste a cair. Uma maneira de evitar este
problema é que os investimentos aumentem - embora em seu primeiro estágio, eles
também sejam gastos - e há indicações de que isso está ocorrendo, como
demonstram as fortes importações de bens de capital, que cresceu 17,4% em junho
(Valor, 4 de julho). Mas os investimentos são movidos pela confiança, que tem
faltado recentemente porque há sérias dúvidas sobre a solidez fiscal.
Falta dosar os estímulos à economia. Déficit
zero ou superávit retiraria um pouco o gás dos preços, até que a inflação
perdesse fôlego e os investimentos maturassem. Para isso seria preciso conter
ânsias eleitorais e vieses anacrônicos do Planalto, o que não é uma tarefa
fácil e que tem recaído apenas sob os ombros do ministro da Fazenda.
Estados se viciaram em socorro do Tesouro
Folha de S. Paulo
Governadores articulam mais uma renegociação
das dívidas com a União, enquanto a maioria evita ajustes orçamentários
Está em curso mais uma temporada da tediosa
série de renegociações
de dívidas dos governos estaduais. Desde o Plano Real, em 1994,
houve ao menos quatro, que alteraram prazos e indexadores, sem falar na criação
de regimes especiais, outras mudanças contratuais e nas interferências
indevidas do Supremo Tribunal Federal.
Ressalvado acordo de 1997, que abriu caminho
para um período de ajuste responsável e teve certa permanência, o enredo das
outras se repete: as contrapartidas prometidas não são respeitadas e o problema
não se resolve.
A postura oportunista de governadores, não
raro com guarida do Judiciário e do Legislativo, leva a um quadro político em
que a credora União se vê compelida a aceitar novos termos —com prejuízo para a
responsabilidade gerencial.
É o que ocorre agora, com uma nova proposta
de mudança nos contratos com foco nos maiores passivos. São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul respondem por algo próximo
a 90% da dívida total, calculada em mais de R$ 760 bilhões.
Patrocinado pelo presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), o
projeto está em negociação entre governadores e o Ministério da Fazenda. Os
termos devem ser anunciados nos próximos dias, mas algumas normas já indicadas
não autorizam otimismo.
Em troca de aportes em educação técnica e
outras condições, como amortização imediata de ao menos 20% por meio de
transferência de ativos, seriam diminuídos os juros —de
4% ao ano atualmente para até 1%, mais o IPCA.
Uma parcela dessas reduções seria transferida
a um fundo de equalização para beneficiar outros estados, uma vez que os
grandes favorecidos da temporada atual são os poucos mais ricos.
Todo o conceito está errado. Os juros já
foram reduzidos, em 2014, de 6% para 4% ao ano. Não se trata de agiotagem, como
afirma o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). A própria União
hoje paga em seus títulos mais do que cobra dos estados.
As supostas contrapartidas em investimentos
em educação técnica da quantia "economizada" em juros tampouco têm
solidez, tendo em vista a dificuldade de monitoramento e a ausência de qualquer
estudo sobre o assunto.
A negociação em torno desses temas de pouco
alcance esconde o principal. Alguns estados até estão em boa situação de caixa,
dadas as transferências federais durante a pandemia, mas não tardarão a
enfrentar dificuldades.
A questão de fundo é que a maioria não
modernizou sua máquina pública inchada nem fez
reformas suficientes no sistema previdenciário do funcionalismo. É
preciso que a autonomia federativa tão apregoada por governadores seja uma via
de duas mãos. Autonomia pressupõe responsabilidade.
Contra o HPV
Folha de S. Paulo
Dose única da vacina e a expansão do público
alvo são medidas bem-vindas
A ministra da Saúde, Nísia
Trindade, anunciou a inclusão de
pessoas de 15 a 45 anos que usam profilaxia pré-exposição (PrEP) —tratamento
medicamentoso eficaz na prevenção de infecção pelo HIV, usado por grupos de
risco— no calendário vacinal contra o HPV.
A medida, bem-vinda, busca ampliar a
imunização contra o HPV e fortalecer a política de combate a infecções
sexualmente transmissíveis (ISTs) e cânceres correlatos.
Em abril, a pasta também instituiu a dose
única da vacina contra HPV para pessoas de até 19 anos e aquelas de qualquer
idade com papilomatose respiratória recorrente.
Até então, jovens de 9 a 14 anos e vítimas de
violência sexual de 9 a 45 anos recebiam duas doses, e pessoas de 9 a 45 anos
com HIV/Aids,
transplantados e pacientes oncológicos recebiam três.
Não se trata de uma questão menor. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um terço dos homens seja portador
do HPV, em estudo com dados de 35 países entre os anos de 1995 e 2022.
Outro fator relevante é o abandonado do uso
de preservativos entre jovens de 15 a 24 anos. No Brasil, a taxa
despencou de 47% em 2017 para 22% em 2019, segundo o Ministério da
Saúde.
Dados da pasta mostram que o HPV atinge 54,4%
das mulheres e 41,6% dos homens que já iniciaram a vida sexual. E a cobertura
vacinal está longe da meta de 80%. Em 2022, 75,9% das meninas entre
9 e 14 anos receberam a primeira dose, e 57,4%, a segunda. Já entre os meninos,
só 52,3% e 36,6%. A adoção da dose única pode ajudar a melhorar tal cenário.
Mesmo que o uso de preservativo seja o meio
ideal de prevenção, estratégias combinadas podem contribuir para a queda de
ISTs, como o HPV, em alta hoje no Brasil. Considerando os números entre os mais
jovens, a educação sexual também é necessária.
Evidências, conscientização, vacinas e tratamentos são os maiores aliados para lidar com doenças envoltas em tabus moralistas, como as sexualmente transmissíveis.
Um diagnóstico equivocado
O Estado de S. Paulo
Ao contrário do que sustenta Simone Tebet, a
coincidência dos mandatos de Lula e de Campos Neto, presidente do BC, não é um
problema para o País. Problema é a sede de mando do petista
Em meio a uma crise tão artificial quanto
insana, fruto da irritação verborrágica do presidente Lula da Silva com a
condução da política monetária pelo Banco Central (BC) sob gestão de Roberto
Campos Neto, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, veio a público defender
a autonomia do BC. Vindo de uma autoridade do primeiro escalão do governo, não
deixa de ser uma manifestação bem-vinda, ainda que, a rigor, seja ociosa.
Afinal, a autonomia do BC é garantida por lei desde fevereiro de 2021.
Mais do que a defesa da Lei Complementar
(LCP) 179/21 no aspecto que lhe parece positivo – a autonomia do BC –, o que
merece um comentário mais aprofundado a partir dessa súbita declaração de Tebet
é a visão desfocada que a ministra revelou ter sobre o real problema originador
das tensões entre o Palácio do Planalto e a autoridade monetária – cujos
impactos negativos têm sido sentidos pelos mais variados setores da sociedade
em decorrência da progressiva desvalorização do real ante o dólar.
Após participar de uma audiência conjunta das
comissões de Infraestrutura e de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado,
na qual tratou de projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no
dia 2 passado, Tebet defendeu a autonomia do BC em conversa com jornalistas,
mas com a ressalva de que o período de dois anos de mandatos coincidentes dos
presidentes da República e da autoridade monetária, em sua visão, seria uma
fonte de “estresse e ruído”. Para a ministra, a solução seria reduzir esse período
para apenas um ano, prazo “mais que suficiente”, segundo ela, para que o
presidente do BC em fim de mandato possa “passar o bastão”.
Ao expor esse diagnóstico equivocado, a
ministra desconsiderou que, se há “estresse e ruído” na relação entre Lula e
Campos Neto, isso não se deve ao prazo de dois anos durante o qual ambos têm de
conviver de forma republicana e com vistas ao melhor interesse do País. A
gênese das rusgas são o cacoete intervencionista de Lula e o indevido flerte de
Campos Neto com a política.
A mesma lei que garantiu a autonomia do BC
instituiu que o mandato do presidente da instituição terá duração de quatro
anos, com início no dia 1.º de janeiro do terceiro ano de mandato do presidente
da República (art. 4.º, parágrafo 1.º, da LCP 179/21). Ora, assim decidiu o
Congresso justamente para impedir que o chefe de Estado e de governo de
ocasião, seja quem for, decida intervir direta ou indiretamente na condução da
política monetária – o que de resto feriria de morte a autonomia do BC
consagrada pelo mesmo diploma legal.
Nesse sentido, a compreensível defesa que
Tebet fez do comportamento do chefe, ao não atribuir a Lula sua parcela de
responsabilidade pela alta do dólar e pela manutenção da taxa de juros, só
reforça a necessidade de a LCP 179/21 ser mantida exatamente como está. Consta
que o governo já discute a alteração da lei para reduzir para um ano o prazo de
convívio entre o presidente da República e o presidente do BC não indicado por
ele.
Ademais, cabe lembrar que o BC tem um dos
mais bem preparados quadros técnicos do setor público, de modo que qualquer
“passagem de bastão” será suave sempre que os papéis e responsabilidades
institucionais forem devidamente respeitados no País.
Mas essa não é a índole de Lula, a causa raiz
dos “estresses” e “ruídos” não nominada pela ministra Simone Tebet. O petista,
como é notório, não lida bem com a imposição de limites legais a seu poder de
mando, que já não é pequeno. Lula não se conforma, por exemplo, de não poder
mais intervir na Vale nem na Eletrobras, cuja privatização, convém lembrar, o
petista classificou como “sacanagem” e “crime de lesa-pátria”, nada menos.
Na esfera pública ocorre o mesmo, e há uma
profusão de exemplos. Para citar apenas o mais gritante, como este jornal já
sublinhou um sem-número de vezes, Lula entende que a Petrobras é uma empresa
submetida aos desígnios de seu governo, e não aos interesses dos acionistas da
empresa, inclusive da União – que não se confunde com o governo nem muito menos
com Lula.
Portanto, ao contrário do que sustenta Tebet,
a coincidência dos mandatos de Lula e de Campos Neto não é um problema para o
País. Problema é a sede de mando do petista.
O DNA oposicionista de Lula
O Estado de S. Paulo
Confrontado com as contradições do seu
passado na oposição – quando podia criticar e fazer promessas à vontade –, Lula
da Silva no governo continua a agir como se não fosse governo
Sempre se disse que o PT e seu maior líder, o
presidente Lula da Silva, eram imbatíveis na oposição. Sabiam mobilizar as ruas
e desferir golpes abaixo da linha de cintura no governo – seguindo o
questionável, porém eficiente evangelho esquerdista que divide o mundo em
“nós”, o Bem, e “eles”, o Mal. Jamais entenderam a regra de ouro dos
oposicionistas, aquela bem definida pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso em seus Diários da Presidência: uma oposição, para ser ouvida,
precisa ter o que dizer. Lula e o PT, porque nada tinham a dizer a não ser
vender a utopia do atraso, sempre preferiram gritar. Uma vez no governo, porém,
nem o PT nem Lula jamais foram capazes de entender seu novo papel, qual seja, o
de dialogar com todas as forças políticas relevantes para administrar um país
grande, complexo e cheio de problemas, mas igualmente com imenso potencial,
como é o Brasil. A vocação oposicionista prevaleceu – e, sem conseguir realizar
até mesmo as promessas de dar mais atenção às minorias e aos pobres, dos quais
o PT se julga redentor, o governo petista faz o que os petistas e Lula estão
habituados a fazer: isenta-se de responsabilidade. A culpa, nesse caso, é da
realidade dos fatos, aquela que os petistas nunca levam em consideração.
É assim que Lula vem decepcionando até mesmo
sua clientela preferencial. Confrontado com a baixa diversidade no governo, o
presidente afirmou que é “mais difícil” encontrar mulheres e pessoas negras
para determinados cargos, argumentando que a sub-representatividade é
consequência do fato de que esses grupos não tiveram participação na política
“mais contundente”. Foi duramente criticado, embora o que ele reconheceu com
indisfarçável sinceridade foi, no limite, similar à declaração da ministra do
Planejamento, Simone Tebet, segundo a qual é “difícil” colocar mulheres negras
na Esplanada dos Ministérios porque muitas são “arrimo de família”. Foi o
suficiente para que a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, com
indelicadeza e estardalhaço, levasse à colega uma lista de profissionais negras
que estariam “disponíveis” para serem indicadas ao governo. Resta saber se
Anielle fará o mesmo com o chefe.
Também nos últimos dias circulou uma
lembrança incômoda a Lula: um comentário seu sobre os incêndios no Pantanal,
feito em setembro de 2020. Na ocasião, com a Amazônia e o Pantanal em chamas,
Lula se perguntava por que as Forças Armadas não estavam com grande contingente
nas duas regiões, denunciava o desmonte dos mecanismos de prevenção a incêndios
e acusava o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de ser “um cidadão
sem caráter e sem respeito pela natureza”. O resgate da declaração se justificou:
o Pantanal está novamente em chamas, com a ocorrência do maior número de focos
de incêndio desde que o índice começou a ser contabilizado, mesmo que haja no
Ministério uma ministra cujo compromisso com a preservação é inquestionável –
tudo isso sem que o governo demonstre qualquer capacidade de reagir à altura.
Há outros exemplos, como as promessas
redentoras de avançar na homologação e demarcação de terras indígenas, alçar o
País à condição de potência verde, corrigir mazelas no campo dos direitos
humanos e, sobretudo, articular um processo de união e reconstrução nacional.
Uma vez no governo, Lula não tem conseguido destravar as pautas pleiteadas por
indígenas, muito menos resolver a calamidade enfrentada pelo Povo Yanomami, nem
apresentar um plano claro de transição energética que faça jus à sua pregação
como candidato a salvador do planeta, ou ainda atender às expectativas dos
movimentos sociais. Ao mesmo tempo, continua optando por ser uma fonte de
permanente divisão num país que saiu cindido das urnas.
Aqui não se entra no mérito das promessas do
demiurgo, mas é evidente a profundidade do abismo que separa o Lula da oposição
e o Lula da Presidência. Na oposição, sobravam críticas virulentas e propostas
megalomaníacas. No governo, faltam ideias, criatividade e capacidade de
governar. Mas há algo em comum entre o Lula da oposição e o Lula presidente: o
discurso irresponsável, a retórica vazia e o proverbial cacoete de transferir
aos outros – o mercado, os ricos, o Ocidente, etc. – a responsabilidade pela sua
incompetência.
O poder paralelo da FUP na Petrobras
O Estado de S. Paulo
Sindicato dos petroleiros faz gestão informal
na estatal, bem ao gosto dos petistas
Assim como representantes de partidos
políticos, líderes sindicais não podem participar do comando de empresas
estatais e isso inclui a Petrobras, apesar de não ser uma estatal plena, mas
uma empresa de economia mista. A despeito disso, a Federação Única dos
Petroleiros (FUP), que reúne 13 sindicatos da categoria, tem desempenhado,
neste terceiro mandato de Lula da Silva, um papel na companhia que vai muito
além da defesa dos interesses dos trabalhadores. É como uma gestão paralela,
sob as bênçãos do PT e de Lula.
A cobrança da FUP para que a Petrobras
reassuma duas fábricas de fertilizantes no Nordeste antes arrendadas à Unigel é
o exemplo mais recente de que a ação do sindicato extrapola as negociações
trabalhistas. A federação, como esclareceu em nota, faz parte do grupo de
trabalho coordenado pela Petrobras dedicado ao segmento. Deyvid Bacelar,
coordenador geral da FUP, atua como um dublê de diretor da empresa. Ocupou uma
cadeira no palco em que Lula deu posse a Magda Chambriard na Petrobras e
discursou logo após a nova presidente da companhia.
Bacelar fez parte da equipe de transição do
governo Lula e, não fossem as regras de governança vigentes, seria bastante
provável que hoje ocupasse formalmente um cargo no comando da Petrobras. Ocorre
que o estatuto que proibiu essa possibilidade foi feito para coibir
aparelhamentos indesejáveis na empresa, que sofreu notório loteamento em
gestões petistas passadas, com ampla “sindicalização” em todas as instâncias de
decisão. E deu no que deu.
Sindicatos não são escolas de administração
empresarial nem tampouco a Petrobras é uma cooperativa. É preciso separar as
competências e a finalidade principal dos sindicatos, que é intermediar a
negociação com as empresas buscando atender aos interesses dos trabalhadores.
Estratégias de negócios e políticas de gestão cabem aos administradores.
Até pouco tempo, o estatuto da Petrobras
impedia explicitamente a investidura de líderes sindicais, políticos e
ocupantes de cargos públicos em cargos da alta administração. Em novembro do
ano passado, o artigo foi substituído por uma versão genérica que diz
considerar como critérios de proibição por conflito de interesse “aqueles
expressamente previstos em lei”.
Foi uma forma de intensificar os efeitos da
liminar emitida oito meses antes pelo então ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça de Lula, que
suspendeu as restrições da Lei das Estatais para permitir nomeações na
Petrobras e no BNDES. Assim, seguindo orientação do governo, a Petrobras dava
mais um passo para se afastar das rigorosas normas que passaram a protegê-la
depois dos desmandos revelados pela Lava Jato.
O plenário do STF julgou a liminar de Lewandowski somente um ano e dois meses depois e decidiu manter as restrições, ao mesmo tempo que validou as nomeações ocorridas durante o período de suspensão. Para salvaguarda da Petrobras, seria proveitoso a volta do artigo estatutário restritivo. Mas isso seria esperar muito da gestão petista.
Os corredores verdes nas cidades
Correio Braziliense
O cenário das mudanças climáticas exige
atenção dos centros urbanos, que podem ser mais afetados em virtude de suas
características intrínsecas
Cada vez mais, profissionais da área de
planejamento urbano têm procurado melhorar a qualidade de vida dos moradores
das cidades de médio e grande portes, sem ignorar os fundamentais princípios de
sustentabilidade. Nesse esforço, a pouca ocorrência de espaços verdes, que
resulta em consequências adversas para a população, é uma questão essencial.
Iniciativas na busca de ampliação dessas áreas — na forma de parques, praças,
arborização de vias ou mesmo incentivo aos espaços privados — vêm crescendo.
Alternativa estudada e implantada em diversas
partes do mundo — como Colômbia, Canadá, Estados Unidos e em países da Europa
—, os corredores verdes estão se consolidando como uma solução ambiental
possível até mesmo para reduzir as altas temperaturas decorrentes do
aquecimento global. O cenário das mudanças climáticas exige atenção dos centros
urbanos, que podem ser mais afetados em virtude de suas características
intrínsecas.
A pouca cobertura vegetal está transformando
as metrópoles em locais considerados "ilhas de calor". Em meio a uma
infraestrutura firmada em concreto, a possibilidade da criação de corredores
verdes com modificações nas vias já existentes representa um respiro. Um maior
número de calçadas arborizadas também traz benefícios a partir da redução dos
níveis de ruído dos veículos e do consumo de combustíveis.
Um bom exemplo é o projeto implementado em
Medellín, na Colômbia. Desde 2021, árvores e arbustos são plantados ao longo de
ruas, avenidas e cursos d´'água da cidade, o que levou à redução da temperatura
em 2°C em alguns locais, segundo estudos desenvolvidos naquele país. Ainda
conforme as análises, a presença da arborização reduziu a poluição sonora,
melhorou a qualidade do ar e protegeu os recursos hídricos do município
colombiano.
A iniciativa de Medellín confirmou que os
corredores verdes contribuem com a proteção da biodiversidade e ajudam no
gerenciamento das águas, além de proporcionarem oportunidades de recreação para
os cidadãos. Uma constatação que poderia ser inspiração para o Brasil. Mas,
esse modelo de adaptação das cidades às mudanças do clima também precisa do
apoio da população. O planejamento necessita ser discutido pelos diversos
setores da sociedade, assim como os investimentos para colocar em prática a
proposta.
Atitudes isoladas têm sido registradas e
merecem reconhecimento, inclusive com a dedicação de brasileiros que decidem
colocar a mão na terra e espalhar vegetação onde habitam. Porém, o resultado
seria maior a partir de ações articuladas e amplas. Escolhas políticas, que
destinem orçamento e energia para os corredores verdes, podem mudar a realidade
urbana sufocante encarada nos dias atuais.
Fato é que as mudanças climáticas exigem uma reação imediata e as cidades devem estar atentas às possibilidades de alterações estruturais que podem impactar positivamente no cotidiano da população. O entendimento de que não há espaço para retardar a tomada de medidas ambientais nas metrópoles é urgente. Os debates sobre como transformar o cinza em verde precisam ocupar espaço maior no Brasil. Defender essa causa pode fazer a diferença na qualidade de vida hoje e no futuro.
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