Valor Econômico
Coligação da Nova Frente Popular (NFP) já é
heterogênea, e deverá governar com o bloco centrista Juntos, liderado pelo
presidente Emmanuel Macron
A aposta do presidente Emmanuel Macron, de
antecipar eleições para conter o avanço da extrema direita na França, deu certo
afinal. Mas resultou num Parlamento sem maioria e extremamente fragmentado. E
levará, possivelmente, a um novo governo fraco, que terá dificuldade de adotar
políticas coerentes e de enfrentar desafios impopulares, como reduzir o déficit
público, que é uma prioridade na economia.
A coligação Nova Frente Popular (NFP), que terá a maior bancada na Assembleia Nacional, é composta por cinco partidos, que vão do centro-esquerda (socialistas e verdes) até a extrema-esquerda (comunistas, França Insubmissa e anticapitalistas). Essa coligação, em si já heterogênea, deverá governar com o bloco centrista Juntos, liderado por Macron, e que também é formado por cinco partidos, que vão do centro-direita ao centro-esquerda.
Essa enorme fragmentação política é inédita
na história recente da França, onde o mais comum desde a Segunda Guerra era
haver um partido dominante. Já houve governos minoritários, como o atual, mas
sempre com uma força dominante. Agora será necessário formar a primeira grande
coalizão de governo, o que em si já é um fator de incerteza e instabilidade.
A NFP, como maior bancada, possivelmente
indicará o novo premiê. Mas a definição de um nome de consenso na coligação e
que seja palatável para o bloco centrista de Macron será o primeiro teste dessa
futura coalizão de governo.
Outro foco de tensão será a convivência no
governo entre Macron e um premiê de esquerda. É o que os franceses chamam de
cohabitação. Mas esta cohabitação será diferente das anteriores, pois o premiê
não será de oposição, mas possivelmente estará em coalizão com Macron. Isso
também é inédito.
Por fim, é difícil imaginar um programa de
governo que consiga juntar a extrema esquerda anticapitalista aos liberais.
Diferentemente da Alemanha, onde o programa de governo precisa ser redigido e
aprovado a priori pelos partidos da coalizão, a França deverá ter um acordo
mais informal de governo, cuja coesão será testada a cada votação e a cada
política que precise ser definida.
Um dos temas mais complexos deverá ser a
redução do gasto público. O déficit público francês está em torno de 5,5% do
PIB, um nível muito alto, quase o dobro do teto de 3% previsto no acordo de
adoção do euro (a moeda comum europeia).
A NFP fez inúmeras promessas de benefícios
sociais, como aumento de salários e subsídios a serviços públicos, que não só
dificultam um corte de gastos, mas que possivelmente implicariam num aumento do
déficit, se não houver aumento de impostos.
Dois exemplos ficaram evidentes já na
campanha eleitoral. A NFP prometeu revogar o aumento da idade de aposentadoria,
de 62 para 64 anos, aprovado em 2023, por iniciativa de Macron. Mesmo com a
reforma, a França ainda tem uma das idades de aposentadoria mais baixas da
União Europeia, onde na maioria dos países a idade varia de 65 a 67 anos. A NFP
se opõe ainda à reforma que reduz o valor do seguro-desemprego e que foi
proposta em abril pelo governo.
Outro ponto óbvio de tensão será a política
de imigração. A NFP prometeu também revogar a lei da imigração de 2023, que
dificultou a concessão de asilo no país e cortou benefícios para imigrantes em
situação ilegal, entre outras restrições. A contenção da imigração é um dos
pilares do programa da extrema-direita, que obteve um terço dos votos na
eleição de ontem. Facilitar a entrada de migrantes possivelmente reforçará a
extrema-direita nas próximas eleições.
Essa fragmentação política favorece Macron. O
presidente, no sistema de governo francês, cuida das políticas externa e de
defesa. Mas, diante de um primeiro-ministro fraco, acaba influenciado e
determinando as demais políticas de governo. É o que deve acontecer.
A ameaça da extrema-direita, que vai liderar
a oposição, permanecerá. Em 2017, quando Macron derrotou Marine Le Pen pela
primeira vez nas eleições presidenciais, houve uma percepção disseminada e
equivocada de que o avanço da extrema direita havia sido contido. Agora, parece
mais que foi adiado.
O elevado comparecimento às urnas ontem, de
cerca de 70%, foi o maior desde 1981. Ou seja, uma maioria que estava
silenciosa votou para rejeitar a extrema-direita. Isso confirma a tendência de
que partidos ou candidatos extremistas prosperam quando a abstenção é maior,
como ocorreu nas recentes eleições europeias, em junho. Por isso o trumpismo
nos EUA tenta dificultar o voto.
Mas é ingênuo pensar que a Reunião Nacional,
partido de Le Pen, não possa ir além dos cerca de um terço dos votos que obteve
ontem. Muito vai depender da eficácia do governo que sairá dessas eleições. E
essa eficácia é, no mínimo, bastante incerta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário