Valor Econômico
A extrema-direita não chega ao poder agora, mas amplia sua presença na paisagem política francesa
A esquerda e os centristas conseguiram
bloquear o acesso da extrema-direita ao poder na França na eleição de domingo,
numa enorme reviravolta em uma semana de campanha. A questão agora é se vão
conseguir realmente agir para evitar que essa mesma extrema-direita de Marina
Le Pen consiga ganhar a eleição presidencial de 2027.
O Reunião Nacional, o partido da
extrema-direita, não chega ao poder agora, mas aumentou bastante seu número de
deputados na Assembleia Nacional e assume de vez um espaço inescapável na cena
política francesa.
O partido não conseguiu a vitória desenhada
no primeiro turno, em razão da mobilização da enorme frente republicana, mas
está mais potente e reconfigurado, na linha da extrema-direita implantada na
Itália, na Hungria, nos país escandinavos. Sem falar do avanço dos neo nazistas
na Alemanha.
A Nova Frente Popular, uma coalizão que vai da extrema-esquerda à social-democracia, ganhou graças também a votos de eleitores de direita com valores republicanos - ou seja, a esquerda obteve votos, e muitos, de quem não queria a extrema-direita.
A Nova Frente Popular fez campanha prometendo
aumentar o salário mínimo mensal da França, reduzir a idade legal de
aposentadoria de 64 para 60 anos (a média é de 67 cada vez mais nos países
industrializados), reintroduzir o imposto sobre a riqueza e congelar o preço da
energia e do gás, medidas para assegurar a escola gratuita, processo de asilo
mais generoso em vez do endurecimento acenado pela extrema-direita.
Esse programa ambicioso tem um custo
economico bastante elevado. Segundo a própria Nova Frente Popular, custaria 100
bilhões de euros (quase R$ 600 bilhões) somente em 2025. Mas um estudo do think
tank IFRAP avalia que, se o programa da Nova Frente Popular for aplicado como
proposto, o deficit público aumentaria 160 bilhões de euros por ano, e a reação
dos investidores seria forte.
O deficit público francês atingiu 5,5% do PIB
em 2023, e a Comissão Europeia espera uma baixa para 5,3% neste ano.
Um representante da frente de esquerda
argumentou, no entanto, que é preciso gastar para apagar o ‘fogo social’’ no
país, começando pela abolição da reforma do sistema de aposentadoria, que para
variar já está quase quebrado.
Por sua vez, o programa da extrema-direita
inquietava também os meios econômicos, recheado de demagogia, custoso,
preferencia nacional que chocava com a Constituição, menos integração europeia,
além dos relentos racistas. Tudo isso sem falar de um candidato a
primeiro-ministro, Jordan Bardella, que mais parece um boneco vazio de conteúdo
mais afeito ao Tik Tok.
Imediatamente após a votação, a Nova Frente
Popular ignorou que ganhou a eleição graças à desistência de oponentes e acha
que suas ideias foram aprovadas pelos eleitores. Isso é ainda mais falso nessa
eleição de domingo.
O fato é que qualquer futura coalizão para
governar a França terá enorme dificuldade para definir como cumprir a promessa
de devolver o poder de compra aos franceses, recuperar a demanda e ao mesmo
tempo reduzir encargos e impostos, num contexto orçamentário complicado e uma
dívida que fragiliza o país.
Nesse contexto, basta lembrar que a
extrema-direita de Marina Le Pen foi reforçada nos últimos tempos no rastro
também de aceleração do recuo de serviços públicos – fechamento de agencias dos
correios, de centros de impostos, de serviços de maternidade e urgencia de
saúde, supressão de linhas de trem, tudo isso alimentando um sentimento de
abandono crescente.
Se a esquerda e os centristas não conseguirem
atenuar as expectativas da população, e que as grandes promessas não forem
cumpridas, o caminho estará pavimentado para mais avanço da extrema-direita na
eleição presidencial de 2027.
O cineasta François Ruffin, da esquerda moderada, que suou para bater o candidato da extrema-direita na região de Somme, resume a situação: ''Os eleitores nos deram uma última chance''.
As consequências para o resto do mundo do
bloqueio político na França já são importantes agora. O presidente Emmanuel
Macron sai particularmente fragilizado. Sua capacidade de ação na cena
internacional fica afetada. A França é um ator central da União Europeia e,
fragilizada, afeta o bloco comunitário em meio à guerra na Ucrania e em Gaza,
transição energética, concorrencia com os Estados Unidos e Ásia na economia em
fragmentação.
O acordo da UE com o Mercosul terá ainda mais
obstáculos para ser retomado e avançar, com os extremos em alta na França e em
boa parte da Europa.
A situação francesa, somando-se à ameaça de eleição de Donald Trump nos EUA, agrega inquietações ao quadro de instabilidade internacional.
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