STF deve manter progressividade na Previdência pública
O Globo
Reforma de 2019 criou sistema justo para
funcionalismo: quem ganha mais paga proporcionalmente mais
A reforma da Previdência aprovada
em 2019 corrigiu uma injustiça histórica ao impor a servidores públicos
federais a alíquota progressiva de contribuição. Ficou decidido que ela
começaria em 7,5% para quem ganha até um salário mínimo e subiria de forma
escalonada até 22% nos salários mais altos. Quem ganha mais paga
proporcionalmente mais. Nada mais justo. Mas esse avanço está agora sob risco.
A questão está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF),
com o placar empatado em 5 a 5. O voto decisivo será do ministro Gilmar Mendes,
que pediu vista. Ministros que votaram pelo retrocesso deveriam reconsiderar a
posição.
O caso chegou à Corte depois que a 5ª Turma Recursal Federal do Rio Grande do Sul condenou a União a restituir a uma servidora federal os valores descontados pela alíquota progressiva, por considerar que a tributação é confiscatória e fere o princípio de isonomia. Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e André Mendonça votaram pela inconstitucionalidade da alíquota. O relator, Luís Roberto Barroso, confirmou a legalidade e foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Nunes Marques.
Isonomia é um conceito elástico, sempre usado
por interessados em garantir direitos, jamais na hora de ampliar deveres.
Quando a manutenção de regalias é posta em xeque, o argumento mais usado é o
“direito adquirido”. Nessas ocasiões, ninguém quer falar em isonomia. A ideia
de que todos merecem o mesmo tratamento vem à tona apenas quando é conveniente.
Não por coincidência, os maiores inimigos da mudança nas contribuições
previdenciárias estão na elite do serviço público.
Antes da reforma de 2019, os funcionários que
haviam ingressado no serviço público até 2013 e não contribuíam para
previdência complementar pagavam 11% de alíquota efetiva sobre toda a
remuneração. Para aqueles com previdência complementar, valia a contribuição de
11% até um teto (R$ 7.790 em valores atuais), mesma regra para quem fora
contratado depois de 2013. Os sindicatos dos servidores reclamam que as
alíquotas pagas atualmente pelas faixas salariais mais altas estão muito acima
dos 14% cobrados dos contratados pela iniciativa privada. Esquecem as muitas
benesses do funcionalismo. E, sobretudo, que essa não é a questão colocada
diante do Supremo.
Ainda que a anulação da progressividade pelo
STF não tivesse nenhum impacto nas contas públicas, seria absurda. Mas ela tem
— e o impacto não é pequeno. Ao jornal Valor Econômico, o economista Paulo
Tafner declarou ser uma temeridade derrubar o sistema atual: “Os números ainda
em fase preliminar apontam um impacto de R$ 300 bilhões para a União em dez
anos”. A mesma reforma que impôs progressividade permite a alíquota linear de
14% na previdência de municípios e estados, patamar adotado em várias regiões
do país. “A mudança afetaria as contas desses entes também”, diz Tafner.
O déficit do regime previdenciário de
servidores federais, estaduais e municipais chegou a R$ 55 bilhões nos 12 meses
encerrados em maio. A reforma de 2019 ajudou a reduzir esse buraco e foi uma
tentativa bem-sucedida de corrigir injustiças. A progressividade da
contribuição previdenciária foi um avanço. Por enquanto, a votação no STF ainda
não está agendada. Quando chegar o dia, o país espera que os ministros deixem o
corporativismo de lado.
Lei do Novo Ensino Médio representa avanço que deve ser celebrado
O Globo
Lula precisa sancionar logo as mudanças, para que comecem a ser implementadas em 2025
A Câmara aprovou enfim o projeto que promove mudanças no ensino médio, enviado pelo governo ao Congresso em outubro passado, depois de o Ministério da Educação (MEC) ter suspendido em abril a implementação da reforma de 2017. A aprovação, antes do recesso parlamentar, permite que as mudanças comecem já no ano que vem. Apesar das idas e vindas, a versão final, que segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deve ser celebrada, por avançar em relação à lei atual.
O texto, em sua sexta versão, mantém os objetivos principais da reforma, como ampliar a carga horária, flexibilizar parte do currículo (de modo que estudantes possam escolher o que cursar) e articular o ensino regular com cursos técnicos. Além disso, corrige problemas que dificultavam a implementação das mudanças. Os principais eram o achatamento da carga destinada à formação comum a todos os alunos e a indefinição sobre a parte flexível do currículo (conhecida como “itinerários formativos”), dando margem a conteúdos questionáveis.
Em vez de um teto de 1.800 horas como hoje, a formação geral básica, com disciplinas como Português e Matemática, passará a ter um piso de 2.400 horas do total de 3 mil horas. Os itinerários formativos, mesmo com a flexibilidade, deverão seguir minimamente uma base nacional, cujas diretrizes serão traçadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e pelo MEC.
Acertadamente, deputados descartaram parte das mudanças feitas no Senado, como a obrigatoriedade do ensino de espanhol. As escolas não teriam estrutura para cumprir a exigência, por falta de professores. Foi restabelecida também a necessidade de o Enem se adaptar às mudanças. O exame cobrará disciplinas tanto da formação geral básica quanto dos itinerários formativos, ainda que não imediatamente.
Apesar de o texto enviado ao Congresso ter sido modificado várias vezes, a aprovação é sinal de um consenso relevante numa área em que as divergências costumam emperrar decisões prioritárias para o desenvolvimento do país. A versão final é fruto de um acordo que envolveu governo, oposição e secretários de Educação em torno do relatório do deputado Mendonça Filho (União-PE). “A lei ficou bem melhor que a de 2017”, diz a presidente executiva da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz. “A bola agora está com os governos estaduais, que precisarão fazer uma boa gestão a partir das mudanças. Má gestão não se corrige com lei.”
Espera-se que a nova lei seja logo sancionada por Lula para que as secretarias de Educação possam se preparar. As matrículas para 2025 já começam no segundo semestre. Embora a Câmara tenha sido ágil para aprovar o texto antes do recesso deste mês e das eleições de novembro, nem todas as mudanças poderão ser implementadas no ano que vem, devido ao atraso. Mas houve avanço. O projeto do novo ensino médio tem muitos méritos. O maior deles é aperfeiçoar a proposta original sem sucumbir às pressões corporativas para revogá-la, como defendiam muitos dentro do próprio governo.
Indústria deve deixar para trás o marasmo e
crescer bem no ano
Valor Econômico
Impacto positivo da queda dos juros no início do ano e promessas de programas de estímulos do governo animam as projeções
O otimismo embala as previsões para a
indústria em 2024, apesar de um início de ano de produção em queda. A
expectativa de crescimento da indústria de transformação e do impacto positivo
da queda dos juros na produção de bens cujas vendas dependem do crédito animam
as projeções. Além disso, há as promessas dos programas de estímulos lançados
pelo governo, como o Mover e a Nova Indústria Brasileira (NIB).
A produção industrial caiu 1,5% em janeiro e
mais 0,3% em fevereiro, interrompendo sequência de cinco meses de crescimento,
iniciada em agosto, segundo o IBGE. A principal causa foi o recuo do setor
extrativo, que está devolvendo parte do que ganhou em 2023, quando avançou
bastante. A atividade extrativa diminuiu 6,9% em janeiro e 0,9% em fevereiro,
influenciando o recuo dos bens intermediários, de 2,7% e 1,2% em janeiro e
fevereiro. Os produtos alimentícios também tiveram desempenho ruim, explicando
em parte a queda dos bens de consumo semi e não duráveis, de 0,4% em janeiro,
neutralizada pela alta de 0,4% de fevereiro.
Por outro lado, o setor de transformação, que
representa 85% do total da produção industrial, tem ficado estável. Também é
motivo do otimismo o aumento de 9,3% dos bens de capital em janeiro e de 1,8%
em fevereiro; e dos bens de consumo duráveis de 1,5% e 3,6%, respectivamente. A
produção de bens de capital está no azul pela primeira vez em quase dois anos.
A expectativa é de maior equilíbrio entre o
setor extrativo e o de transformação do que houve em 2023, quando o primeiro
cresceu 8% e o segundo caiu 1%. O setor extrativo deve se recuperar ao longo do
ano dada a importância do petróleo bruto e dos minérios. O FGV Ibre, que prevê
crescimento de 2,6% da indústria neste ano, espera expansão de 3,8% da
indústria extrativa e de 2,3% da transformação.
O Banco Central reviu para cima sua projeção
de desempenho da economia e um dos fatores que influenciou a mudança foi o
comportamento da indústria. A indústria de transformação avançará 2,7%, ante a
expectativa anterior de 1,7%. A extrativa recuará de 3% para 2%, compondo o
resultado do setor industrial de expansão de 2,7% no ano. O PIB cresceu mais do
que se esperava no primeiro trimestre, o que elevou a perspectiva para o
consumo das famílias (que representa dois terços do indicador pelo lado da
demanda) e da formação bruta de capital fixo (de 1,5% para 4,5%). Ambos puxam a
produção industrial e o último, a de bens de capital, que já tem bom
desempenho.
A produção industrial até maio confirma estas
grandes linhas. No ano, a fabricação de bens de consumo cresceu 3,7% em relação
aos cinco primeiros meses do ano anterior, e a de bens de capital, 4,1%. A
produção de alimentos, nos 12 meses até maio, avançou 5,2%, refletindo o avanço
real dos salários e do emprego. Já a fabricação de máquinas e aparelhos
elétricos aumentou nada menos que 9,9%.
O aumento da produção de veículos, entre
automóveis, caminhões e ônibus, que já foi de 6,5% em fevereiro sobre janeiro,
é um dos pontos de estímulo da indústria em geral e dos bens de capital. Há
previsão da expansão para os automóveis e principalmente dos ônibus e
caminhões, cuja produção foi prejudicada em 2023 pela mudança de padrão de
motores.
Na onda do programa Mover, o governo
comemorou em fevereiro que os investimentos anunciados pelas montadoras somavam
cerca de R$ 97 bilhões até 2032. Estimativas do Valor se aproximam de
R$ 105 bilhões nesta década, levando em conta projetos que estão em fase final
e que tinham sido iniciados anteriormente (Valor 7/3). Já a Anfavea fala
em mais de R$ 117 bilhões, incluindo iniciativas da indústria de caminhões e
ônibus e os programas de máquinas agrícolas.
Finalmente, há a expectativa do NIB, pacote
de R$ 300 bilhões a serem aplicados até 2026. O BNDES entrará com a maior parte
dos recursos, R$ 250 bilhões, para o apoio a projetos de “neoindustrialização”.
Os demais R$ 50 bilhões virão do caixa da Financiadora de Estudos e Projetos
(Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Entre os projetos contemplados estão o
desenvolvimento de motores elétricos para veículos, semicondutores para módulos
de energia solar e a produção de hidrogênio a partir de biogás. Os recursos já
liberados envolvem projetos voltados à inovação, produtividade,
sustentabilidade e ampliação da capacidade exportadora, segundo informa o
governo.
No que depender da expansão do crédito, não deve faltar recursos tanto para financiar a produção quanto as pessoas físicas. Em seu mais recente Relatório de Inflação, o Banco Central elevou a projeção para o crescimento nominal do saldo de crédito de 9,4% para 10,8% no ano. Boa parte da explicação para isso está nos programas de empréstimos criados para combater os efeitos da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul e financiar a reconstrução da infraestrutura, das moradias e o reerguimento das empresas do Estado. A revisão das expectativas para o consumo das famílias, que surpreendeu no primeiro trimestre, foi ainda maior: deverá aumentar de 10% para 11,5%. Maior expansão foi barrada pela interrupção da queda da taxa de juros em um patamar ainda restritivo.
Novo ensino médio merece outra chance
Folha de S. Paulo
Mudanças aprovadas no Congresso têm potencial
para melhorar indicadores, conter evasão e sanar distorções da implantação
A Câmara dos
Deputados aprovou na
terça-feira (9) a nova reforma do ensino médio. O texto, que agora
segue para sanção presidencial, visa solucionar problemas surgidos durante a
implantação das mudanças aprovadas em 2017 para enfrentar gargalos crônicos
dessa etapa do ensino.
A reforma original expandiu a carga horária
total de 2.400 horas para 3.000, sendo 1.800 para disciplinas tradicionais,
como português e matemática, e 1.200 para optativas dos itinerários formativos.
O intuito era tornar o currículo mais
atraente aos alunos, que poderiam privilegiar suas aptidões, melhorar
indicadores de aprendizado e diminuir a evasão escolar.
Mas a infraestrutura, material e de pessoal,
da educação brasileira
não deu conta da missão. Falta de professores, laboratórios e material didático
dificultaram a implantação eficiente das mudanças.
Assim, o projeto ora aprovado aumenta a carga
horária das disciplinas tradicionais para 2.400 horas. As 600 horas restantes
ficam reservadas para os itinerários em cinco áreas: linguagem, matemática,
ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico.
O texto prevê que o Ministério da Educação,
em colaboração com as redes de ensino, elaborará diretrizes nacionais e revisão
contínua dos itinerários —agora chamados de "percursos de aprofundamento e
integração de estudos".
Tal disposição era uma das demandas de
gestores, já que a falta de parâmetros claros gerou número demasiado de
disciplinas, muitas precárias e de pouca utilidade.
Para alunos que cursam o ensino médio
integrado ao técnico, a carga comum cai para 2.100 horas —sendo que 300 horas
desse montante podem ser usadas para matérias tradicionais que sejam
relacionadas com a formação específica.
As alterações podem sanar falhas da reforma
de 2017, como a desordem dos itinerários e o corte, que se mostrou excessivo,
da carga horária de disciplinas obrigatórias.
A valorização do ensino técnico é
fundamental, dado o atraso do Brasil nesse setor importante para o
desenvolvimento do país, a geração de renda e a realização profissional de
jovens que não têm interesse pela carreira acadêmica —segundo pesquisa do Datafolha,
dentre os que afirmam conhecer o novo ensino médio, 49% desejam
cursar o modelo técnico.
Os problemas surgidos no estabelecimento da
reforma foram usados como justificativa, por setores corporativistas, para
derrubá-la.
Mas, considerando as altas
taxas de reprovação e evasão nessa etapa, governo e Congresso
fizeram bem ao não cederam às pressões. Ajustar o novo ensino médio foi a
medida mais sensata em prol dos estudantes brasileiros.
Alívio de curto prazo
Folha de S. Paulo
Inflação de junho reduz temores sobre juros,
mas não basta para melhorar cenário
Divulgado nesta quarta-feira (10), o IPCA
de junho mostrou inflação ao consumidor de 0,21%, abaixo das
expectativas gerais. Ao menos por ora, o resultado contribui para reduzir
tensões em torno da política de juros do Banco Central.
O detalhamento da taxa do mês passado mostra
boas notícias relevantes. A inflação de alimentos, que tem impacto direto no
bem-estar da maioria da população, mostrou sensível recuo —de 1,38% em janeiro
para 0,44%, menor cifra do ano— e também surpreendeu positivamente os
analistas.
Parece ter
ficado para trás o pior do efeito da tragédia climática no Rio Grande do Sul,
que havia afetado preços agrícolas em maio. O IPCA de Porto Alegre (o
índice é pesquisado em 16 capitais e regiões metropolitanas) registrou queda de
0,14% em junho, ante alta de 0,87% no mês anterior.
Por fim, o índice de difusão da inflação, que
aponta quantos dos bens e serviços pesquisados pelo IBGE ficaram mais caros no
mês, foi de 52% —o menor apurado neste 2024, iniciado com 65%.
Num primeiro momento, os números de junho
foram bem recebidos nos mercados, com queda da cotação do dólar e alta da Bolsa
de Valores. Tendem a perder força, em tese, apostas numa alta dos juros do BC
—ainda mais porque Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
dá uma trégua nos ataques ao órgão.
Não é o bastante, porém, para uma melhora
sólida das expectativas e do ambiente econômico. O IPCA acumulado em 12 meses
está em 4,23%, o que não permite descartar o risco de estouro do teto de 4,5% a
ser respeitado pelo BC (meta de 3% mais tolerância de 1,5 ponto percentual).
A inflação dos serviços, a mais resistente,
caiu para apenas 0,04% em junho, mas graças a uma queda aguda e circunstancial
dos preços das passagens aéreas. Em 12 meses, ainda marca 4,47%.
Esse cenário não permite antever uma retomada
dos cortes de juros. Para tal objetivo, o governo petista precisa contribuir
com medidas palpáveis de controle de despesas, uma boa indicação para o comando
do BC e, se não for pedir demais, declarações
menos insensatas do presidente da República.
Elogio à irresponsabilidade
O Estado de S. Paulo
Proposta de Pacheco para renegociar dívidas
dos Estados com a União privilegia devedores contumazes e desmoraliza o esforço
dos governos regionais que mantêm suas contas em dia
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), apresentou nesta semana o projeto de lei que visa a renegociar as
dívidas dos Estados. Os termos da proposta inicial já haviam sido criticados
por este jornal, mas o senador conseguiu piorar o que já estava ruim. E nem
poderia ser diferente. Como diria o Barão de Itararé, de onde menos se espera,
daí é que não sai nada mesmo.
Pacheco já havia revelado que sua intenção
era elaborar algo que pudesse ser equiparado ao Refis, programa que permite aos
contribuintes renegociar suas dívidas com a União em condições mais favoráveis,
como descontos sobre multa e juros. É uma excelente comparação. Ao longo dos
anos, o Refis se tornou um acrônimo justamente por suas sucessivas reedições,
que beneficiaram, sobretudo, a figura do devedor contumaz, ou seja, aquele que
sempre adere ao Refis e sempre descumpre seus termos à espera da próxima renegociação.
Essa mesma lógica está por trás das
recorrentes renegociações das dívidas dos Estados com a União. Diante da
recorrência com que o tema volta a dominar a pauta nacional, incautos podem
imaginar que a situação da maioria dos Estados brasileiros beira a insolvência
e que o País não pode deixar os entes federativos mais vulneráveis à míngua.
Nada mais distante da realidade. Os quatro
maiores devedores, ironicamente, são os quatro Estados mais ricos do País. São
Paulo deve cerca de R$ 293 bilhões; Rio de Janeiro, R$ 166 bilhões; Minas
Gerais, R$ 154 bilhões; e Rio Grande do Sul, R$ 104 bilhões. Isso, por si só,
seria suficiente para suscitar alguma dúvida sobre a pertinência da proposta.
Mas há muitos outros pontos igualmente
duvidosos nesse texto. Devastado pelas enchentes e ainda longe de se recuperar
plenamente, o Rio Grande do Sul conseguiu suspender o pagamento de suas dívidas
com a União por três anos, período ao longo do qual terá os juros perdoados.
São Paulo, por sua vez, está em dia com suas
obrigações financeiras e gera receitas suficientes para arcar com o serviço da
dívida, como atestou o próprio secretário da Fazenda, Samuel Kinoshita, ao
jornal Valor Econômico.
O Rio de Janeiro é um caso à parte. Na
penúltima renegociação, a privatização da Cedae se tornou uma das
contrapartidas assumidas pelo Estado, e as ações da empresa foram colocadas
como contragarantia a um empréstimo tomado de uma instituição financeira. A
Cedae foi vendida, o Estado deu calote no banco e a União teve de honrá-lo – um
absurdo respaldado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O dinheiro, claro, já
foi gasto.
Chega-se então ao caso de Minas Gerais, que
tenta obter, no STF, pela terceira vez, o prazo de adesão ao Regime de
Recuperação Fiscal. O governador Romeu Zema nunca conseguiu apoio político
suficiente da Assembleia Legislativa para privatizar estatais como Cemig,
Copasa e Codemig.
Eis que surge então o senador Rodrigo
Pacheco, com seu projeto no qual a federalização de estatais poderá reduzir a
correção da dívida de Estados com a União. Há ainda a indecorosa proposta de
amortizar os débitos com créditos inscritos na dívida ativa, cuja recuperação é
improvável, se não impossível.
Toda a proposta do senador, potencial
candidato ao governo do Estado em 2026, parece ter sido feita sob medida para
atender aos interesses de Minas Gerais, a começar pela escolha do relator, Davi
Alcolumbre (União-AP), eminência parda do Senado.
Mas Pacheco parece ter se esquecido de que
precisaria do apoio da maioria dos senadores para dar andamento ao projeto, bem
como do aval do principal interessado – a União. O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, esquivou-se ao comentar a proposta, limitando-se a dizer que
seu objetivo era evitar que houvesse impacto primário nas contas do governo, o
que é o mínimo.
Não se pode perder de vista que a União,
atualmente, financia sua dívida com juros reais de mais de 6% ao ano – mais que
os 4% a que os Estados estão sujeitos atualmente. Um projeto tão danoso ao
contribuinte, que não exige contrapartidas, ridiculariza o esforço dos Estados
que mantêm suas contas em dia e que concentram a renda entre os mais ricos,
merece ter como destino o arquivo do Senado.
Democracia não é questão de fé
O Estado de S. Paulo
Governo quer que o País simplesmente acredite
que não houve nada irregular nos estranhos encontros que manteve com empresa
beneficiada por MP. Ora, isso não é democracia
O presidente Lula da Silva assinou uma medida
provisória (MP) há poucas semanas que, em prejuízo dos consumidores de energia
de todo o País, salvou o caixa da deficitária Amazonas Energia e, assim,
beneficiou diretamente outra empresa do segmento, a Âmbar, controlada pelos
irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do Grupo J&F. As implicações dessa
manobra, em tudo contrária ao melhor interesse público, já foram comentadas
nesta página, no editorial A conta da farra é sempre do consumidor, publicado em
18/6/2024.
Por meio da Lei de Acesso à Informação,
o Estadão acaba de revelar um fato que torna essa operação de
salvamento da Amazonas Energia ainda mais suspeita do que já era. Entre junho
de 2023 e maio deste ano – ou seja, até pouco antes de Lula editar a MP que
tanto agradou aos irmãos Batista –, altos executivos da Âmbar foram recebidos
ao menos 17 vezes no Ministério de Minas e Energia (MME) sem qualquer registro
na agenda oficial do ministro Alexandre Silveira e do secretário executivo da
pasta, Arthur Cerqueira.
O controle de acesso ao prédio do MME, obtido
por este jornal, mostra que, além de Silveira e Cerqueira, o secretário
nacional de Energia Elétrica, Gentil Nogueira, e o então secretário executivo
da pasta, Efraim Cruz, também mantiveram seguidos encontros com os enviados da
Âmbar Energia sem a devida publicidade. A reunião final, ocorrida em 29 de
maio, foi entre o ministro Alexandre Silveira e o presidente da empresa,
Marcelo Zanatta. Duas semanas depois, no dia 13 de junho, Lula assinou a MP.
Em tese, poder-se-ia assumir como trivial o
encontro entre as autoridades do MME e os executivos da quarta maior geradora
de energia a gás natural do País em capacidade instalada. Mas 17 reuniões,
sobretudo em tão curto espaço de tempo e principalmente sem transparência
alguma, aguçam o ceticismo até dos cidadãos que desejam acreditar nas supostas
boas intenções do governo – pois é isso, afinal, o que o sr. Silveira espera de
todos: que simplesmente tenham fé em seu espírito republicano.
O ministro de Minas e Energia jura que em
nenhuma dessas reuniões com representantes da Âmbar foram discutidos os termos
da MP assinada por seu chefe. O fato de a Âmbar ter sido beneficiada
financeiramente com a edição da medida – que, ademais, é bastante discutível no
que concerne aos requisitos de “relevância” e “urgência”, haja vista que não é
de agora que a Amazonas Energia apresenta maus resultados – não teria sido mais
que uma “mera coincidência”, segundo Alexandre Silveira. Mais uma vez, estamos no
terreno da fé.
Esse mistério envolvendo cifras bilionárias e
interesses opacos é contraditório, para dizer o mínimo, para o governo de um
presidente que não perde uma oportunidade de se jactar por ter “salvado a
democracia” no Brasil. Ora, numa democracia digna do nome, aqueles que exercem
o poder em nome do povo não podem sonegar informações que permitam ao povo
fiscalizá-los. Por isso, a publicidade é um dos princípios regentes da
administração pública consagrados pela Constituição. É dever das autoridades,
portanto, garantir a publicidade de seus atos públicos, ressalvados os casos –
raríssimos e previstos em lei – em que o sigilo se impõe como medida de
resguardo do interesse nacional.
Em essência, nada difere essa verdadeira
ocupação do MME pelos executivos da Âmbar daquela feita por pastores no
Ministério da Educação no governo de Jair Bolsonaro. Em ambos os casos, a
transparência foi sacrificada no altar de interesses que os cidadãos comuns,
pagadores de impostos, não conseguem alcançar.
Mais uma vez, que fique claro: não se trata
de duvidar, por princípio, da integridade de quem quer que seja, e sim de
exigir que haja o máximo possível de informações para que os brasileiros possam
avaliar quais interesses estão de fato prevalecendo nas estranhas relações
entre o Ministério das Minas e Energia e uma empresa privada. No escuro, não há
democracia.
A irrelevância do Mercosul
O Estado de S. Paulo
Quando a ausência de um dos chefes de Estado
na cúpula é a notícia, algo vai mal
Uma reunião de cúpula do Mercosul cuja
principal notícia é a ausência de um dos chefes de Estado, o argentino Javier
Milei, retrata perfeitamente a insignificância do bloco sul-americano.
O acirramento de divergências ideológicas que
colocam interesses políticos dos líderes de alguns dos sócios do Mercosul acima
dos objetivos do bloco econômico deu a tônica de um encontro com declarações
vazias e um documento final anódino. Diante de desafios maiores, perdeu todo o
bloco.
Não é de hoje que o Mercosul falha em sua
missão de colocar os países-membros – Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e
agora Bolívia – em destaque no mercado global, o que, sem dúvida, atravanca o
desenvolvimento regional. Criado há mais de 30 anos, o bloco deveria estimular
o livre-comércio e defender a democracia. Mas, nos últimos tempos, chefes de
Estado duelam por pautas estranhas aos objetivos de longo prazo do Mercosul
para agitar suas militâncias internas.
Prova mais recente disso é que Milei preferiu
viajar a Balneário Camboriú (SC) para participar de um convescote da extrema
direita ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que quando era presidente
também faltou à cúpula do Mercosul por pura picuinha. Estivesse à altura do
cargo que ocupa, o argentino teria apresentado as suas propostas aos seus
pares. Coube à sua chanceler, Diana Mondino, pedir reformas para que o bloco
deixe de ser “pequeno, medroso, protecionista e estagnado” e se torne mais
“voraz”. Está certíssima.
Milei perdeu, ainda, a chance de se alinhar
ao presidente uruguaio, Luis Alberto Lacalle Pou, na defesa de negociações
bilaterais entre integrantes do Mercosul com outros blocos ou países. Antes
isolado na empreitada, o Uruguai pede a revisão das regras do bloco para que
venha a firmar acordos comerciais com a China. O posicionamento de Brasil e
Argentina sempre tem peso, haja vista que se trata dos dois maiores países do
bloco.
Resistente a qualquer proposta de Milei, o
presidente Lula da Silva afirmou, por sua vez, que os países devem resolver
suas diferenças “dentro do bloco, e não fora dele”. O que o petista rejeita
mesmo é um “choque de adrenalina” no Mercosul, como o defendido por Mondino,
com revisão do orçamento, das tomadas de decisão e da dinâmica interna. O
petista tachou a ideia de “pseudorreforma” que “afasta o Mercosul de suas bases
sociais”.
Em que pesem os nós do Mercosul, o petista,
mais uma vez, apequenou o debate com manifestações calculadas apenas para
atiçar a polarização com o desafeto argentino. Em discursos, Lula da Silva
criticou o “ultraliberalismo” e o “nacionalismo arcaico”, como se sua saga pelo
desenvolvimentismo não representasse a perseverança no atraso.
No que realmente importa, como o destravamento do acordo comercial Mercosul-União Europeia, parado há mais de 20 anos, o petista não admitiu o fracasso da suposta liderança que chamou para si. Enquanto isso, por esforços diplomáticos, o bloco vai buscando acordos pouco relevantes com países do Oriente Médio, América Central e Ásia. Entre discursos e comunicados, restaram contradições e muito diversionismo, o que só explicitou a irrelevância do Mercosul.
Vazamentos podem ofuscar atrativos do Pix
Correio Braziliense
Mal acabou de comemorar um número inédito de
transações por Pix, o Banco Central anunciou mais um vazamento de dados — o
sexto do ano. São 11 comunicados desde o lançamento da modalidade, em 2020
Em funcionamento há quase quatro anos, o
sistema brasileiro de transferência financeira instantânea, o Pix, é, sem
dúvidas, uma das maiores inovações do mercado. Bate recorde sucessivos de
transações e é reconhecido internacionalmente por suas vantagens, como
agilidade nos pagamentos e inclusão financeira. Não faltam também desafios para
manter esse status — e garantir a segurança aos usuários é o principal
deles.
Mal acabou de comemorar um número inédito do
Pix — na última sexta-feira, foram registradas 224,2 milhões de
transações com a modalidade em um único dia, movimentando o valor recorde de R$
119,4 bilhões —, o Banco Central anunciou mais um vazamento de dados — o sexto
do ano. Desta vez, quase 40 mil chaves de clientes da 99Pay Instituição de
Pagamento S.A foram expostas. São 11 comunicados desde o lançamento da
modalidade. Mais da metade deles, portanto, conhecidos nos últimos sete meses,
sinalizando a necessidade de um fortalecimento constante de medidas de
segurança.
No caso mais recente, o BC informou, ontem,
que não foram expostos dados sensíveis, como senhas ou movimentações
financeiras, apenas informações cadastrais dos usuários. Ainda assim, não se
garante tranquilidade. Segundo especialistas, a chave Pix é, geralmente, o
CPF/CNPJ, o celular ou um e-mail, e essas informações podem ser suficientes
para a abertura de uma conta ou a emissão de um boleto falso.
Além de prejuízos aos usuários, os casos
recorrentes de vazamento de dados tensionam atrativos da modalidade de
pagamento instantâneo. Um deles é a inclusão. O Pix permitiu que pessoas que
não tinham acesso a serviços bancários pudessem começar a fazer transações
financeiras — essa realidade passou a fazer parte da vida de mais de 71 milhões
de brasileiros, calcula o BC. Nesse universo de novos clientes, há muitos sem
familiaridade com o mundo virtual e suas constantes inovações, o que os
transforma em presas fáceis para os crimes cibernéticos.
Outra vantagem atribuída ao Pix é a
possibilidade de maior controle nas relações financeiras, com recursos
tecnológicos que aprimoram a segurança. Como todas as operações são
rastreáveis, por exemplo, facilita-se a identificação de atividades suspeitas. Há
também a expectativa de redução da circulação do dinheiro em espécie e,
consequentemente, de crimes para subtraí-lo, como as famosas "saidinhas de
banco".
O que não se pode, porém, é transferir esse
cenário de tensão e incertezas para as transações digitais. Nem repassar a
conta pela salvaguarda das movimentações financeiras para os usuários. Empresas
participantes do sistema Pix precisam ser mais proativas no enfrentamento do
problema, aprimorando constantemente seus modelos de prevenção e detecção de
fraudes.
Há de se destacar que, em setembro, o Banco
Central endureceu as penas para as instituições financeiras em casos de
vazamento de dados do Pix. O cálculo das multas passou a ser proporcional ao
número de chaves afetadas — ou seja, quanto maior o vazamento, maior o valor da
punição. Antes, considerava-se o tipo de instituição e o percentual do total de
transações no sistema de pagamentos.
A medida adotada pela autarquia, porém, destoa do aumento na frequência de vazamentos neste ano. Fica claro, portanto, que há uma necessidade de vigilância rigorosa e constante do sistema de transação financeira instantânea. Principalmente porque novas funcionalidades, como o Pix com cartão de crédito e o pagamento por aproximação, tendem a deixar a ferramenta ainda mais popular.
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