7 de Setembro traz oportunidade de paz institucional
O Globo
Oportunismo político nas celebrações
previstas para a data agravaria a polarização
O pior recado que os líderes políticos
poderiam transmitir nas comemorações do 7 de Setembro previstas para amanhã
será o acirramento da polarização que castiga o país. É compreensível que, em
ano eleitoral, qualquer manifestação se torne foco de embate político. Mas todo
choque de ideias deve se dar dentro das regras democráticas. E a data nacional
não deve se prestar a oportunismos partidários. Ao contrário, trata-se de
momento propício para recobrar o clima de normalidade no país. A paz
institucional é condição necessária para o desenvolvimento do Brasil, e todos
os atores políticos deveriam ter a maturidade de compreender isso.
No evento previsto para ocorrer no Eixo Monumental, em Brasília, estarão hasteadas as bandeiras dos países que integram o G20, referência ao encontro de chefes de Estado e governo das maiores economias no Rio em novembro. Instituições como Forças Armadas, SUS e Correios, serão homenageadas, com toda a justiça, pelo desempenho fundamental para reduzir os danos da tragédia ambiental no Rio Grande do Sul. Estão previstas também a presença de atletas que participaram dos Jogos Olímpicos em Paris e mensagens sobre a retomada da vacinação. Como costuma acontecer todos os anos, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram convidados, além de autoridades do Legislativo e comandantes militares. O evento precisa se ater — como sugere a programação — ao aspecto institucional.
Na Avenida
Paulista, em São Paulo, uma manifestação convocada pelo
ex-presidente Jair
Bolsonaro deverá contar com a presença do governador de São
Paulo, Tarcísio de
Freitas, de candidatos nas eleições municipais e de parlamentares de
diferentes regiões. Manifestações são parte da tradição do 7 de Setembro.
Distintos grupos procuram fazer uso político da data. É o caso do Grito dos
Excluídos, que reúne militantes e simpatizantes de esquerda em diversas cidades
e completa 30 anos em 2024. O preocupante é quando os limites intrínsecos e
essenciais à democracia são ultrapassados, como aconteceu em 2022, quando
Bolsonaro transformou o 7 de Setembro em palanque eleitoral. No ano anterior,
ele já pregara desobediência ao Judiciário. Isso é tudo aquilo de que o Brasil
não precisa em qualquer ocasião.
São inaceitáveis as intentonas golpistas ou a
pregação pela desarmonia entre os Poderes. Mas também as reações desmesuradas
que, a pretexto de preservar a democracia, cerceiam a liberdade de modo
arbitrário. Em 7 de setembro do ano passado, Lula optou
por uma cerimônia protocolar sem discurso político. Conseguiu com isso
preservar o caráter institucional do evento. Neste ano, todos os representantes
dos Poderes foram convidados, e é fundamental não haver manifestações fora do
tom. A solenidade não é de um grupo político, mas do Estado brasileiro.
Em São Paulo, apesar de política, a
manifestação deve ter como palavra-chave o comedimento. Será um oportunismo
irresponsável defender ideias inflamáveis, assim como são irresponsáveis as
decisões de autoridades com poder inflamável. Tais comportamentos traem o ideal
dos que lutaram pela independência e dos que dedicaram a vida à construção da
soberania nacional. A legitimidade é o principal pilar das instituições da
República. Cuidar para que se fortaleça é missão de todos os brasileiros,
cidadãos e autoridades.
Boicotar fabricante israelense de veículo
militar seria um erro
O Globo
Diplomacia guiada por inclinações de assessor
de Lula prejudica os interesses do Exército brasileiro
Não tem cabimento a gestão do assessor para
Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim,
para convencer o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva a não assinar contrato com a empresa israelense Elbit Systems, vencedora
de uma licitação de R$ 1 bilhão em abril para fornecer veículos de combate ao
Exército brasileiro.
O Ministério da
Defesa argumenta, com razão, que não faz sentido
desclassificar, sem nenhuma justificativa técnica, a primeira colocada num
leilão realizado de forma transparente, segundo a lei. Apenas por cautela,
encomendou parecer ao Tribunal de Contas da União (TCU)
sobre a possibilidade de declarar vencedora a segunda colocada no caso de haver
conflito armado no país da vencedora, como o hoje em curso em Israel e na Faixa
de Gaza.
Mas o Estatuto das Licitações e Contratos,
citado pelo ministério, não impede a compra de bens de governos ou empresas de
países em situação de guerra. “Não haveria, em princípio, embasamento lógico ou
jurídico, salvo nos casos de decretação de embargo comercial, ruptura de
relações diplomáticas ou comerciais ou deliberação de Corte internacional, para
efetuar eventual rescisão de contrato já assinado”, afirma o próprio
Ministério. Rússia e Ucrânia estão
há dois anos em guerra, nem por isso o Brasil deixou de comprar produtos de
ambos os países.
A Elbit, vencedora da licitação, não tem
participação acionária do governo israelense e mantém duas subsidiárias no
Brasil, uma em Porto Alegre, outra em Duque de
Caxias (RJ). A compra dos veículos israelenses contribuiria para a
indústria de defesa nacional: a montagem final poderia ser realizada em solo
brasileiro e haveria incentivo à produção de munição no Brasil.
Nada disso, porém, comove a diplomacia que
defende o boicote movida pelas inclinações de Amorim. Para convencer Lula a
cancelar o contrato — que deveria ter sido assinado em maio, mas ainda não foi
—, ele alega que o Brasil não deveria comprar da empresa de um país que, na
visão dele, ofendeu Lula e o governo brasileiro. Em fevereiro, Lula foi
declarado persona non grata em Israel depois do discurso na Etiópia em que
comparou as ações israelenses em Gaza às de Adolf Hitler contra os judeus. Em
reação, o chanceler israelense convocou o então embaixador brasileiro Frederico
Meyer para ser repreendido publicamente no Museu do Holocausto em Jerusalém. O
Brasil convocou-o de volta e, desde então, não tem embaixador lá.
É verdade que a atitude de Israel ao passar
um pito público em Meyer foi além do razoável. Mas havia motivo. O paralelo de
Lula entre a ofensiva militar israelense — por mais cruel que ela seja — e o
genocídio cometido pelos nazistas é historicamente absurdo e de um
antissemitismo flagrante. Lula ofendeu todos os judeus e demais vítimas do
Holocausto, seus descendentes — entre eles dezenas de milhares de brasileiros —
e as consciências justas do mundo todo. E, até agora, não se dignou a pedir
desculpas. Não deveria piorar ainda mais a situação prejudicando os negócios do
Exército brasileiro.
Maior seca no país demanda um plano unificado
Valor Econômico
Como os eventos climáticos vieram para ficar, e deixaram de ser exceção para se tornar regra, criar padrões para sobreviver a eles tornou-se urgente
O Dia da Amazônia, comemorado ontem, foi
fúnebre. Com a maior seca desde 2010, Manaus, uma cidade onde confluem as águas
dos rios Negro e Solimões, corre o inacreditável risco de ficar isolada por
vias fluviais. Não está sozinha nesse flagelo: a estiagem, segundo o Cemaden,
centro de monitoramento e alertas de desastres naturais, atinge 58% do
território nacional e é a maior em 70 anos. São 24 Estados atingidos, mais o
Distrito Federal.
A Amazônia registrou em agosto 38.266 focos
de incêndio, que ampliam a destruição da maior floresta do mundo, já retalhada
pelas ações do desmatamento ilegal, da exploração clandestina de madeira e do
avanço do garimpo predatório patrocinado pelo crime organizado. A natureza
humana tornou-se igualmente inóspita: a região tornou-se a mais pobre e
violenta do país.
De imediato, os habitantes de Manaus, 2,3
milhões de pessoas, podem ficar sem comida e energia, enquanto o polo
industrial da Zona Franca (ZFM) terá de arrumar formas alternativas de escoar
sua produção, que, entre outras coisas, abastece o país de produtos
eletroeletrônicos. Há mais que ataques domésticos à integridade ecológica da
Amazônia. A seca foi potencializada pelo aquecimento das águas tropicais do
Atlântico Norte (El Niño), deixando de enviar umidade e chuvas para a costa
oeste do país e formando um corredor árido que desce pelo Pantanal e por parte
do Cerrado até chegar ao Paraná. São Paulo, outrora preservado, passou a
integrar a vasta e impressionante paisagem de incêndios.
A Amazônia é a área mais vulnerável do
Brasil. Segundo levantamentos do MapBiomas, 17% da vegetação nativa foi
destruída, ou 125 milhões de hectares, com viés de alta. Embora o levantamento
anual aponte redução significativa de alertas de desmatamento, fruto da volta
da vigilância governamental, aniquilada durante a gestão de Jair Bolsonaro, em
julho e agosto o fogo voltou a se espalhar sem controle.
A destruição segue um padrão conhecido,
reiterado por anos. Os incêndios irrompem ao longo das poucas estradas que
rasgam a mata (BRs 163, 230 e 319), que servem de ponto de partida para picadas
de desmatamento ilegal rumo ao interior, formando as conhecidas “espinhas de
peixe” a partir da coluna das rodovias. O padrão de devastação das florestas
segue o desenho do conhecido Arco do Desmatamento, linha curva que une o
sudeste do Pará, sul do Amazonas e Rondônia, cortado pelas rodovias
Belém-Brasília e Cuiabá-Porto Velho. Os principais municípios dos 256 deste
arco foram objeto de atenção nos dois primeiros mandatos de Lula, com
resultados positivos, e voltaram a preocupar agora.
O que parecia inimaginável, os rios
amazônicos transformados em fios de água, pode se tornar desoladora rotina com
o aquecimento global. A ameaça imediata é de isolamento de toda a população
amazonense, que se comunica, vive, comercia e se locomove por vias fluviais. O
virtual isolamento de Manaus e das comunidades ribeirinhas é um infernal
desafio humano e logístico. Centros de abastecimento começaram a ser montados a
alguma distância da capital. A partir deles, embarcações menores, que não
enfrentam as barreiras das maiores, detidas pela profundidade reduzida dos
rios, poderiam cumprir sua função de distribuição com algum sucesso. A
empreitada enfrentará o obstáculo da pirataria fluvial, praga que se espalhou
na região.
A repetição de secas e queimadas exige
padrões de enfrentamento regulares e automáticos. O Brasil não está preparado
para isso, mas precisa estar. É uma questão de vida e morte para as comunidades
ribeirinhas, às quais se junta agora a capital do Estado. A dificuldade de
locomoção dos barcos - 70% do volume de cargas que entra e sai de Manaus são
feitos via cabotagem - torna difícil a distribuição de alimentos e
combustíveis, além do escoamento da produção da ZFM. Para a população do
interior do Estado, não apenas novos suprimentos de comida serão escassos, mas,
sem energia, mesmo os que foram estocados por precaução se perderão por falta
de refrigeração.
Atacar o desmatamento ilegal, adaptar-se e
combater as mudanças climáticas deveriam fazer parte do mesmo conjunto
integrado de ações. Elas hoje, segundo especialistas, são atomizadas, de
alcance pontual e com pouca escala. O acordo entre os três Poderes recém-concluído
pode facilitar as próximas ações. É prioritário criar um mercado de compra e
venda de emissões de carbono, forma mais direta de obter recursos volumosos,
suficientes para manter a floresta em pé, evitar o desmatamento e custear a
recuperação das áreas degradadas. O projeto de lei 182/2024 continua
preocupantemente parado no Senado.
O governo tem vários planos no forno, como o
Plano Clima de Adaptação e o Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, que
deveriam sair do papel logo. Assim como foi possível agregar obras de
infraestrutura em um PAC, seria possível unir os programas ecológicos sob o
guarda-chuva de uma comissão executiva ambiental. Como os eventos climáticos
vieram para ficar, e deixaram de ser exceção para se tornar regra, criar
padrões para sobreviver a eles tornou-se urgente.
Impactos de uma seca recorde que não é de
hoje
Folha de S. Paulo
Estiagem, a mais intensa desde 1950, já dava
sinais anteriores de agravamento; mudança climática afeta economia e saúde
O Brasil
enfrenta a pior seca desde o longínquo 1950, início da série
histórica do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.
A estiagem não surgiu do nada. Ela dá sinais de agravamento há muitos anos.
Quase foi necessário fazer racionamento de
água em diversas regiões em 2014, 2017 e 2021. Em 2023, cidades da Amazônia ficaram
encobertas por fumaça de queimadas, e o Rio Negro atingiu o menor nível em 120
anos.
Diretamente imbricada com com o meio ambiente,
a agropecuária por óbvio é afetada. Segundo estimativas do Ipea, apresentados
em coluna do economista Bráulio Borges na Folha, a produtividade do
setor cresceu 4% ao
ano entre 1970 e 2011, mas só 1,5% ao ano de 2012 a 2021.
De acordo com o IBGE,
no segundo trimestre de 2024, o Produto Interno Bruto da agropecuária recuou
2,3% ante os três meses anteriores. Em relação ao período correspondente do ano
passado, a queda foi de 2,9%.
Decerto se deve considerar que em 2023
colheu-se uma safra de grãos excepcional de 315,4 milhões de toneladas, que
impulsionou uma alta do PIB agrícola
de 15,1% ante 2022. Por isso uma queda neste ano já era esperada.
Além da base de comparação atípica, a
Confederação da Agricultura e
Pecuária dá ênfase à sazonalidade típica do setor e ao fenômeno climático El
Niño como motivos para a queda. Há mais.
A própria intensidade do El Niño e eventos
extremos como as enchentes no Rio Grande do Sul se relacionam aos impactos do
aquecimento global —para o qual o país e particularmente o agronegócio contribuem
com o avanço do desmatamento, sobretudo na região amazônica.
Com a energia adicionada à atmosfera, há mais
evaporação e formação de nuvens que despejam tempestades mais volumosas em
períodos curtos.
O início da estação de chuvas também se
desloca no calendário, prejudicando a semeadura. Para nada dizer das estiagens
prolongadas, como a do presente, e dos ventos secos que propagam queimadas e
incêndios florestais.
Como ao poder público e à sociedade em geral,
cabe ao agronegócio reconhecer que uma transformação mais ampla do clima está
em curso —em não poucos casos superando a propaganda anticientífica que grassa
em seu ambiente político e ideológico.
A intensidade atípica do calor e das chuvas
no verão deste 2023, por exemplo, já era prevista por pesquisadores brasileiros
e organismos internacionais desde o começo do ano passado.
Mesmo assim, governo federal, estados e
municípios não se mostraram capazes de enfrentar a contento os efeitos dessas
mudanças, que incluíram
até a explosão dos casos de dengue.
Com a estiagem, que não é de agora, são
afetadas a oferta de alimentos, a produção de eletricidade, a saúde pública,
a qualidade do ar, o poder aquisitivo da população. Nada há de abstrato nem de
imprevisível nisso.
Escalada de ações contra o erário demanda
investigação
Folha de S. Paulo
Alta em processos contra Minha Casa, Minha
Vida deve ser diagnosticada desde já para que precatórios caibam no Orçamento
O poder público brasileiro acordou
tardiamente para o dramático aumento do peso orçamentário dos precatórios —as
despesas provocadas por decisões judiciais definitivas e desfavoráveis ao
erário.
É verdade que o tema já fazia parte das
atribulações de estados e municípios havia décadas, mas era tratado mais como
sintoma da crônica desorganização das finanças regionais. As derrotas judiciais
só receberam a devida atenção quando travaram as contas do governo federal, com
um valor exorbitante de R$ 90 bilhões a ser pago em 2022.
A providência mais imediata, infelizmente,
foi recorrer à contabilidade criativa: o governo Jair
Bolsonaro (PL) patrocinou uma emenda
constitucional que autorizou
um calote em parte dos compromissos, transferindo-os para os anos
seguintes.
De mais produtivo, setores do Executivo e do
Judiciário começaram a investigar as causas dos números aberrantes. De acordo
com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto
Barroso, não se sabe de outro país que tenha gastos com precatórios
como os do Brasil.
Entre outras possibilidades, cumpre averiguar
se o Estado tem falhado sistematicamente em pagamentos e serviços; se há falhas
da defesa judicial dos governos; se há um viés da Justiça ou mesmo esquemas
fraudulentos contra o erário.
Nesse sentido, reportagem da Folha revelou
que já chama a atenção das autoridades um novo alvo de ações em busca de
indenizações dos cofres públicos: o programa habitacional Minha Casa, Minha
Vida.
Segundo dados da Câmara Brasileira da
Indústria da Construção (CBIC), o número de novas ações impetradas por supostos
vícios na construção de moradias saltou de
cerca de 3.300 em 2018 para 28,4 mil em 2021. Em março do ano
passado, já se contavam 126 mil delas em curso.
O Conselho Nacional de Justiça, segundo
Barroso, avalia o caso em meio a estudos para conter a
litigância predatória ou abusiva contra o poder público. É crucial
que movimentos do tipo sejam desmontados no nascedouro.
No Executivo, por exemplo, detectou-se que
pagamentos de precatórios de pequeno valor na Previdência
Social saltaram de R$ 5,4 bilhões em 2014 para R$ 19,5 bilhões
no ano passado.
Inexiste solução imediata para essa escalada. O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está regularizando pagamentos, mas com descontos nas metas fiscais. Para que a conta caiba futuramente no Orçamento, as medidas têm de ser tomadas desde já.
Irresponsabilidade fiscal nunca é solução
O Estado de S. Paulo
Se a ‘emergência climática’ é ‘permanente’,
como disse Marina, então seu enfrentamento também é, razão pela qual deve ter
previsão orçamentária, ao contrário do que propôs a ministra
Em entrevista após uma audiência no Senado
para tratar das queimadas e da seca, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
defendeu a criação de uma nova legislação que permita decretar “emergência
climática permanente” em municípios mais vulneráveis a eventos climáticos
extremos. O objetivo seria garantir recursos a serem investidos de maneira
preventiva, e não só reativa após as tragédias.
Como diz a sabedoria popular, é melhor
prevenir do que remediar. Mas, como também adverte essa mesma sabedoria, de
boas intenções o inferno está cheio, e o diabo mora nos detalhes. O detalhe na
proposta de Marina Silva é que ela seria viabilizada com um drible nas regras
fiscais – mais um. “Quando é decretada emergência, como no Rio Grande do Sul, a
gente tem a possibilidade que isso não seja contingenciado no teto de gastos.
Se eu tenho que agir preventivamente”, disse aos senadores, “eu tenho que ter a
cobertura legal para poder fazer isso.”
Ora, mas é precisamente o contrário: se a
“emergência” é, como diz a ministra, “permanente”, então os custos de prevenção
e adaptação devem ser permanentemente incluídos nos orçamentos públicos. A
questão precisa ser introduzida no planejamento orçamentário das três esferas
da Federação.
O estratagema não é novo. A pretexto de
promover programas perfeitamente meritórios – como bolsas para estudantes ou
subsídios a consumidores de gás de baixa renda –, o governo lulopetista recicla
métodos de contabilidade criativa para gastar mais sem que a despesa apareça na
peça orçamentária – e sem que, portanto, tenha que submeter seus projetos ao
debate público para que os representantes dos contribuintes possam decidir o
que deve ser cortado para financiá-los.
E se trata de uma questão urgente. De fato,
já não se pode dizer que os extremos climáticos sejam o “novo normal”, são
simplesmente o normal, e os ambientalistas alertam que serão cada vez mais
intensos e recorrentes. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, as
temperaturas e chuvas extremas no Brasil aumentaram continuamente nos últimos
90 anos. Em São Paulo, por exemplo, os temporais quase duplicaram nas últimas
três décadas.
A mitigação das mudanças climáticas por meio
da redução de emissões de dióxido de carbono é um trabalho de longo prazo que
exige uma complexa coordenação global. Mas as consequências dessas mudanças
devem ser enfrentadas imediatamente por governos locais com medidas de
prevenção e adaptação. A humanidade tem capacidades notáveis de adaptação. Há
milênios pessoas vivem em extremos glaciais ou desérticos. Mesmo com o aumento
de temperaturas, enchentes ou queimadas, medidas adaptativas fizeram com que
hoje, segundo o International Disaster Database, o número de mortes por
catástrofes naturais seja 98% menor do que há um século.
No caso do Brasil, as medidas para prevenir a
principal causa de danos e mortes por desastres naturais, as enchentes e
deslizamentos, são conhecidas, desde as mais simples e imediatas às mais
complexas e de longo prazo: aprimorar os sistemas de monitoramento, alertas,
evacuações e abrigos; fortalecer infraestruturas como sistemas de drenagem,
abastecimento de água, coletas de esgoto ou redes de energia; ampliar a
cobertura vegetal das cidades; e encampar reformas urbanas que promovam
desocupações de áreas de risco e regularizações imobiliárias aptas a garantir
infraestrutura a áreas vulneráveis.
Tudo isso tem custos, mas, se bem alocados,
os benefícios os superam em muito. O estudo Adaptation Gap Report 2020, da
ONU, por exemplo, estimou que um investimento de US$ 1,8 bilhão em sistemas de
alerta, infraestrutura resiliente, melhoria da agricultura em zonas áridas e
proteção dos mangues pode gerar US$ 7,1 bilhões entre danos evitados e
benefícios ambientais e sociais.
Nesse contexto, a ministra Marina Silva tem
razão quando alerta para a necessidade de viabilizar soluções para um problema
que veio para ficar. E a natureza permanente das mudanças climáticas demanda
que essas soluções não sejam episódicas nem voluntaristas, mas planejadas de
acordo com os recursos disponíveis e com o aval democrático dos cidadãos.
O enquadramento político do Supremo
O Estado de S. Paulo
Pesquisa revela que as afinidades políticas
dos cidadãos afetam sua confiança no STF. A própria Corte alimenta essa
percepção enviesada e precisa se afastar, de fato, da política
A ordem do ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes para suspender o X no Brasil foi percebida
pela maioria da população como uma decisão politicamente motivada. De acordo
com uma pesquisa realizada pela Atlas entre os dias 3 e 4 deste mês, 56,5% dos
brasileiros consideram que Moraes tomou uma decisão política ao retirar a rede
social do ar, enquanto 41,7% dos entrevistados avaliam que o ministro agiu de
forma correta do ponto de vista técnico-jurídico.
Sob a perspectiva estritamente legal, o
“erro” ou o “acerto” de uma decisão judicial, por óbvio, não pode ser medido
por meio de pesquisas de opinião, mas sim por sua coadunação com o ordenamento
jurídico e com a jurisprudência dos tribunais – além, é claro, da observância
aos imperativos éticos, legais e morais que devem orientar a judicatura.
Contudo, o levantamento da Atlas tem grande
valor analítico por revelar outro dado. O grau de confiança dos cidadãos no STF
é enorme entre os que votaram em Lula da Silva no segundo turno da eleição
presidencial de 2022. Nada menos que 87,9% dos eleitores do petista disseram
confiar no Supremo. Em contrapartida, o porcentual de desconfiança na atuação
da Corte entre os eleitores de Jair Bolsonaro naquele mesmo pleito atinge um
patamar igualmente avassalador: 92,4% dos bolsonaristas não confiam nas decisões
tomadas pela instância máxima do Poder Judiciário.
Ou seja, os cidadãos têm olhado para o STF de
uns anos para cá através das lentes da política – mais especificamente da
polarização política. Se a Corte toma uma decisão que atinge em cheio os
interesses dos bolsonaristas, é percebida como correta e confiável pelos
apoiadores do presidente Lula da Silva. Se a decisão afeta o próprio petista,
seus aliados ou políticas do governo federal, é tomada com desconfiança pelo
segmento dito progressista da sociedade e aprovada pelos partidários de
Bolsonaro. E essas posições, como indicam os números acima, são afirmadas no
calor das paixões, sem deixar o mínimo espaço para reavaliações por concessão a
argumentos contrários mais sólidos.
Lula e Bolsonaro fizeram essa leitura acerca
do enquadramento político do STF muito antes de quaisquer números virem a
público. Não custa lembrar que, quando indicou o ministro Nunes Marques para a
Corte, Bolsonaro jactou-se por passar a ter “10% de mim dentro do Supremo”.
Lula, por sua vez, deixou bem claro que enxerga o STF como uma arena de
disputas políticas ao indicar o ministro Flávio Dino. À época da indicação, o
petista chegou a verbalizar que “sonhava com uma cabeça política” na Corte.
Está dado um quadro terrível para a saúde da
democracia no País. Resta claro, a partir desses números trazidos pela Atlas,
que as decisões emanadas do STF são percebidas de antemão pelos brasileiros a
partir desse enquadramento político-partidário. Enviesadas, portanto. Em um
cenário mais avançado de maturidade política da sociedade, em que pese o fato
de que sempre haverá quem sobreponha suas afinidades ideológicas e vieses aos
fatos, as decisões judiciais, sobretudo as exaradas pelo STF, seriam avaliadas,
majoritariamente, por sua acuidade jurídica, vale dizer, se foram tomadas de
acordo com o que determinam as leis e a Constituição.
Mas não é de hoje que o próprio STF tem
ampliado o desgaste de sua legitimidade por agir não poucas vezes como uma
instância decisória que dá menos valor àqueles critérios do que a interesses
pouco transparentes. Isso se manifesta quando a Corte se imiscui em questões
que não lhe são afeitas, quando retorce sua própria jurisprudência para
acomodá-la aos ventos políticos de ocasião ou quando alimenta conflitos de
interesses participando de convescotes custeados por partes interessadas em
seus julgamentos. Pululam exemplos desse comportamento daninho para a própria
Corte Constitucional.
Ainda que lento, é fundamental o recobro da
vocação do STF de ser a ermida da Constituição. A Corte precisa se afastar, de
fato, da política. Só assim não será percebida, ora vejam, como um tribunal
político. É tão simples quanto isso. Encerrar os inquéritos longevos, amplos e
sigilosos relatados por Moraes, por exemplo, seria um bom começo para esse
movimento auspicioso.
Margem Equatorial a conta-gotas
O Estado de S. Paulo
Parecer da AGU favorável à Petrobras em Foz
do Amazonas é mais um passo para minar Ibama
O novo parecer do advogado-geral da União,
Jorge Messias, favorável à exploração de petróleo pela Petrobras no bloco
marítimo de Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, revela a estratégia de minar
nos detalhes os argumentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para impedir a exploração do poço. Em
avaliação recente, a AGU concluiu que o Ibama não tem atribuição para reavaliar
o licenciamento ambiental do Aeroporto de Oiapoque, no Amapá.
Em março do ano passado, o Ibama incluiu no
Estudo de Impacto Ambiental a questão dos sobrevoos de helicóptero do aeródromo
municipal até a plataforma que a Petrobras pretende instalar no bloco
exploratório, cobrando medidas mitigadoras dos impactos para as comunidades
indígenas. Pediu também o encaminhamento de manifestação à Fundação Nacional
dos Povos Indígenas (Funai). As novas exigências do Ibama levaram ao
indeferimento do pedido feito pela Petrobras para perfurar o primeiro poço no
bloco, adquirido em 2013, em leilão feito pelo governo.
O parecer jurídico da AGU ao mesmo tempo
desmonta um dos principais motivos apresentados pelo Ibama para recusar a
licença e impede que o processo retorne à etapa inicial de discussão, como pede
a Funai. Em 2017, o aeródromo recebeu licença de operação do órgão ambiental do
Amapá e a AGU argumenta que a lei prevê que a competência para licenciar um
empreendimento deve ficar concentrada em um único ente federado. No caso, o
Estado do Amapá.
A contestação da AGU marca mais um round na
disputa interna travada no governo sobre autorizar ou não a perfuração de poços
de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, uma das cinco que formam a nova
fronteira da Margem Equatorial. Mas já restou comprovado que, a despeito da
batalha jurídica, a opção pela prospecção marítima na região é uma decisão
eminentemente política que o governo vem se furtando a tomar, apesar das
repetidas declarações do presidente Lula da Silva favoráveis à Petrobras.
Ao que parece, o presidente tem esticado o
quanto pode a corda à espera da rendição de Marina Silva, mas a expectativa é
de que haja uma resistência obstinada da ministra do Meio Ambiente. Portanto,
Lula precisa decidir se autoriza a Petrobras a perfurar, mesmo contrariando seu
estafe ambiental e correndo o risco de ver Marina Silva ficar de cara amarrada
às vésperas do encontro de cúpula do clima no Brasil no ano que vem.
Pelos sinais que têm sido emitidos, especialmente as avaliações que a AGU tem divulgado desde o ano passado a favor da Petrobras, o terreno está sendo preparado para autorizar a perfuração do poço-teste que dirá, enfim, se há ou não petróleo no bloco 59 da Foz do Amazonas. A decisão é urgente, pois, se de fato for descoberta uma nova jazida, como as reservas gigantes da vizinha Guiana – que encontrou na Margem Equatorial 11 bilhões de barris de petróleo –, serão necessários mais de cinco anos para o início da produção. É uma oportunidade que o Brasil não está em condições de desperdiçar.
Avanço de internação por ansiedade preocupa
Correio Braziliense
Privação do sono, fragmentação da atenção com
a nova onda de diagnósticos de TDAH, solidão, dependência e perfeccionismo são
alguns dos transtornos que levam essa geração a quadros de ansiedade e a
hospitalizações
Os adolescentes brasileiros não estão somente
ansiosos. A ansiedade está levando os jovens aos hospitais. Recentemente, o
Ministério da Saúde divulgou um levantamento em que mostra um crescimento de
136% nos últimos 10 anos (2013-2023) de internações por ansiedade e estresse
envolvendo essa parcela da população. Somente no ano passado, foram mais de 1,6
mil suportes do tipo realizados em pessoas com 13 a 29 anos.
O Brasil vem seguidamente sendo considerado
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o país com o maior número de pessoas
ansiosas do mundo — um contingente de 9,3% de brasileiros. É de se esperar que
esse fenômeno se estenderia também aos mais novos. No entanto, as
hospitalizações preocupam especialistas, já que essa é uma medida que costuma
ser adotada em casos mais críticos — quando, por exemplo, outras opções de
tratamento não surtem efeito.
Esse aumento se traduz em um alerta
para a emergência de políticas públicas voltadas à promoção da saúde mental
entre jovens e adolescentes, além de um suporte mais acessível e eficaz para as
famílias que enfrentam o problema diariamente, dentro de casa.
Especialistas atribuem essas estatísticas a
uma série de fatores, e quase todos chamam a atenção para o crescimento
do transtorno devido ao papel cada vez maior do uso de telas e,
consequentemente, de acesso às redes sociais. O psicólogo social Jonathan
Haidt, autor do livro A geração ansiosa — um guia para se manter em atividade
em um mundo invisível, faz severas críticas aos smartphones e ao que ele chama
de "colapso da saúde mental dos jovens", apontando as altas taxas
depressão, ansiedade, automutilação e suicídio que definem os tempos
atuais.
Privação do sono, fragmentação da atenção com
a nova onda de diagnósticos de transtorno do deficit de atenção e
hiperatividade (TDAH), solidão, dependência, comparação social e perfeccionismo
são alguns dos transtornos que levam essa geração a quadros de ansiedade e a
hospitalizações, sendo que essas últimas demonstram a inoperância de pais,
professores, profissionais de saúde, da sociedade como um todo, no sentido de
intervir precocemente de forma a evitar que esses distúrbios sejam tratados
apenas quando já agravados.
Mudanças de comportamento, irritabilidade,
isolamento social, queda no rendimento escolar. Enfim, os sinais precisam ser
notados de alguma maneira. Quanto mais cedo esses aspectos forem identificados
e enfrentados, é cada vez menor o risco de evolução para um quadro mental que
necessite de internação.
É fundamental também que, diante da
alta hospitalar, esse jovem tenha uma rede de apoio criteriosa, dando início a
um atendimento contínuo, seja por profissionais especializados ou pela própria
família e amigos. Suporte psicológico, acompanhamento médico e um programa de
atividades que façam com que esse jovem lide melhor com os picos de ansiedade
estão entre as principais medidas recomendadas. Além disso, diálogo. Evitar
debater sobre o problema não faz com que ele desapareça.
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