sexta-feira, 6 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

7 de Setembro traz oportunidade de paz institucional

O Globo

Oportunismo político nas celebrações previstas para a data agravaria a polarização

O pior recado que os líderes políticos poderiam transmitir nas comemorações do 7 de Setembro previstas para amanhã será o acirramento da polarização que castiga o país. É compreensível que, em ano eleitoral, qualquer manifestação se torne foco de embate político. Mas todo choque de ideias deve se dar dentro das regras democráticas. E a data nacional não deve se prestar a oportunismos partidários. Ao contrário, trata-se de momento propício para recobrar o clima de normalidade no país. A paz institucional é condição necessária para o desenvolvimento do Brasil, e todos os atores políticos deveriam ter a maturidade de compreender isso.

No evento previsto para ocorrer no Eixo Monumental, em Brasília, estarão hasteadas as bandeiras dos países que integram o G20, referência ao encontro de chefes de Estado e governo das maiores economias no Rio em novembro. Instituições como Forças Armadas, SUS e Correios, serão homenageadas, com toda a justiça, pelo desempenho fundamental para reduzir os danos da tragédia ambiental no Rio Grande do Sul. Estão previstas também a presença de atletas que participaram dos Jogos Olímpicos em Paris e mensagens sobre a retomada da vacinação. Como costuma acontecer todos os anos, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram convidados, além de autoridades do Legislativo e comandantes militares. O evento precisa se ater — como sugere a programação — ao aspecto institucional.

Na Avenida Paulista, em São Paulo, uma manifestação convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro deverá contar com a presença do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, de candidatos nas eleições municipais e de parlamentares de diferentes regiões. Manifestações são parte da tradição do 7 de Setembro. Distintos grupos procuram fazer uso político da data. É o caso do Grito dos Excluídos, que reúne militantes e simpatizantes de esquerda em diversas cidades e completa 30 anos em 2024. O preocupante é quando os limites intrínsecos e essenciais à democracia são ultrapassados, como aconteceu em 2022, quando Bolsonaro transformou o 7 de Setembro em palanque eleitoral. No ano anterior, ele já pregara desobediência ao Judiciário. Isso é tudo aquilo de que o Brasil não precisa em qualquer ocasião.

São inaceitáveis as intentonas golpistas ou a pregação pela desarmonia entre os Poderes. Mas também as reações desmesuradas que, a pretexto de preservar a democracia, cerceiam a liberdade de modo arbitrário. Em 7 de setembro do ano passado, Lula optou por uma cerimônia protocolar sem discurso político. Conseguiu com isso preservar o caráter institucional do evento. Neste ano, todos os representantes dos Poderes foram convidados, e é fundamental não haver manifestações fora do tom. A solenidade não é de um grupo político, mas do Estado brasileiro.

Em São Paulo, apesar de política, a manifestação deve ter como palavra-chave o comedimento. Será um oportunismo irresponsável defender ideias inflamáveis, assim como são irresponsáveis as decisões de autoridades com poder inflamável. Tais comportamentos traem o ideal dos que lutaram pela independência e dos que dedicaram a vida à construção da soberania nacional. A legitimidade é o principal pilar das instituições da República. Cuidar para que se fortaleça é missão de todos os brasileiros, cidadãos e autoridades.

Boicotar fabricante israelense de veículo militar seria um erro

O Globo

Diplomacia guiada por inclinações de assessor de Lula prejudica os interesses do Exército brasileiro

Não tem cabimento a gestão do assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, para convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a não assinar contrato com a empresa israelense Elbit Systems, vencedora de uma licitação de R$ 1 bilhão em abril para fornecer veículos de combate ao Exército brasileiro.

Ministério da Defesa argumenta, com razão, que não faz sentido desclassificar, sem nenhuma justificativa técnica, a primeira colocada num leilão realizado de forma transparente, segundo a lei. Apenas por cautela, encomendou parecer ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de declarar vencedora a segunda colocada no caso de haver conflito armado no país da vencedora, como o hoje em curso em Israel e na Faixa de Gaza.

Mas o Estatuto das Licitações e Contratos, citado pelo ministério, não impede a compra de bens de governos ou empresas de países em situação de guerra. “Não haveria, em princípio, embasamento lógico ou jurídico, salvo nos casos de decretação de embargo comercial, ruptura de relações diplomáticas ou comerciais ou deliberação de Corte internacional, para efetuar eventual rescisão de contrato já assinado”, afirma o próprio Ministério. Rússia e Ucrânia estão há dois anos em guerra, nem por isso o Brasil deixou de comprar produtos de ambos os países.

A Elbit, vencedora da licitação, não tem participação acionária do governo israelense e mantém duas subsidiárias no Brasil, uma em Porto Alegre, outra em Duque de Caxias (RJ). A compra dos veículos israelenses contribuiria para a indústria de defesa nacional: a montagem final poderia ser realizada em solo brasileiro e haveria incentivo à produção de munição no Brasil.

Nada disso, porém, comove a diplomacia que defende o boicote movida pelas inclinações de Amorim. Para convencer Lula a cancelar o contrato — que deveria ter sido assinado em maio, mas ainda não foi —, ele alega que o Brasil não deveria comprar da empresa de um país que, na visão dele, ofendeu Lula e o governo brasileiro. Em fevereiro, Lula foi declarado persona non grata em Israel depois do discurso na Etiópia em que comparou as ações israelenses em Gaza às de Adolf Hitler contra os judeus. Em reação, o chanceler israelense convocou o então embaixador brasileiro Frederico Meyer para ser repreendido publicamente no Museu do Holocausto em Jerusalém. O Brasil convocou-o de volta e, desde então, não tem embaixador lá.

É verdade que a atitude de Israel ao passar um pito público em Meyer foi além do razoável. Mas havia motivo. O paralelo de Lula entre a ofensiva militar israelense — por mais cruel que ela seja — e o genocídio cometido pelos nazistas é historicamente absurdo e de um antissemitismo flagrante. Lula ofendeu todos os judeus e demais vítimas do Holocausto, seus descendentes — entre eles dezenas de milhares de brasileiros — e as consciências justas do mundo todo. E, até agora, não se dignou a pedir desculpas. Não deveria piorar ainda mais a situação prejudicando os negócios do Exército brasileiro.

Maior seca no país demanda um plano unificado

Valor Econômico

Como os eventos climáticos vieram para ficar, e deixaram de ser exceção para se tornar regra, criar padrões para sobreviver a eles tornou-se urgente

O Dia da Amazônia, comemorado ontem, foi fúnebre. Com a maior seca desde 2010, Manaus, uma cidade onde confluem as águas dos rios Negro e Solimões, corre o inacreditável risco de ficar isolada por vias fluviais. Não está sozinha nesse flagelo: a estiagem, segundo o Cemaden, centro de monitoramento e alertas de desastres naturais, atinge 58% do território nacional e é a maior em 70 anos. São 24 Estados atingidos, mais o Distrito Federal.

A Amazônia registrou em agosto 38.266 focos de incêndio, que ampliam a destruição da maior floresta do mundo, já retalhada pelas ações do desmatamento ilegal, da exploração clandestina de madeira e do avanço do garimpo predatório patrocinado pelo crime organizado. A natureza humana tornou-se igualmente inóspita: a região tornou-se a mais pobre e violenta do país.

De imediato, os habitantes de Manaus, 2,3 milhões de pessoas, podem ficar sem comida e energia, enquanto o polo industrial da Zona Franca (ZFM) terá de arrumar formas alternativas de escoar sua produção, que, entre outras coisas, abastece o país de produtos eletroeletrônicos. Há mais que ataques domésticos à integridade ecológica da Amazônia. A seca foi potencializada pelo aquecimento das águas tropicais do Atlântico Norte (El Niño), deixando de enviar umidade e chuvas para a costa oeste do país e formando um corredor árido que desce pelo Pantanal e por parte do Cerrado até chegar ao Paraná. São Paulo, outrora preservado, passou a integrar a vasta e impressionante paisagem de incêndios.

A Amazônia é a área mais vulnerável do Brasil. Segundo levantamentos do MapBiomas, 17% da vegetação nativa foi destruída, ou 125 milhões de hectares, com viés de alta. Embora o levantamento anual aponte redução significativa de alertas de desmatamento, fruto da volta da vigilância governamental, aniquilada durante a gestão de Jair Bolsonaro, em julho e agosto o fogo voltou a se espalhar sem controle.

A destruição segue um padrão conhecido, reiterado por anos. Os incêndios irrompem ao longo das poucas estradas que rasgam a mata (BRs 163, 230 e 319), que servem de ponto de partida para picadas de desmatamento ilegal rumo ao interior, formando as conhecidas “espinhas de peixe” a partir da coluna das rodovias. O padrão de devastação das florestas segue o desenho do conhecido Arco do Desmatamento, linha curva que une o sudeste do Pará, sul do Amazonas e Rondônia, cortado pelas rodovias Belém-Brasília e Cuiabá-Porto Velho. Os principais municípios dos 256 deste arco foram objeto de atenção nos dois primeiros mandatos de Lula, com resultados positivos, e voltaram a preocupar agora.

O que parecia inimaginável, os rios amazônicos transformados em fios de água, pode se tornar desoladora rotina com o aquecimento global. A ameaça imediata é de isolamento de toda a população amazonense, que se comunica, vive, comercia e se locomove por vias fluviais. O virtual isolamento de Manaus e das comunidades ribeirinhas é um infernal desafio humano e logístico. Centros de abastecimento começaram a ser montados a alguma distância da capital. A partir deles, embarcações menores, que não enfrentam as barreiras das maiores, detidas pela profundidade reduzida dos rios, poderiam cumprir sua função de distribuição com algum sucesso. A empreitada enfrentará o obstáculo da pirataria fluvial, praga que se espalhou na região.

A repetição de secas e queimadas exige padrões de enfrentamento regulares e automáticos. O Brasil não está preparado para isso, mas precisa estar. É uma questão de vida e morte para as comunidades ribeirinhas, às quais se junta agora a capital do Estado. A dificuldade de locomoção dos barcos - 70% do volume de cargas que entra e sai de Manaus são feitos via cabotagem - torna difícil a distribuição de alimentos e combustíveis, além do escoamento da produção da ZFM. Para a população do interior do Estado, não apenas novos suprimentos de comida serão escassos, mas, sem energia, mesmo os que foram estocados por precaução se perderão por falta de refrigeração.

Atacar o desmatamento ilegal, adaptar-se e combater as mudanças climáticas deveriam fazer parte do mesmo conjunto integrado de ações. Elas hoje, segundo especialistas, são atomizadas, de alcance pontual e com pouca escala. O acordo entre os três Poderes recém-concluído pode facilitar as próximas ações. É prioritário criar um mercado de compra e venda de emissões de carbono, forma mais direta de obter recursos volumosos, suficientes para manter a floresta em pé, evitar o desmatamento e custear a recuperação das áreas degradadas. O projeto de lei 182/2024 continua preocupantemente parado no Senado.

O governo tem vários planos no forno, como o Plano Clima de Adaptação e o Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, que deveriam sair do papel logo. Assim como foi possível agregar obras de infraestrutura em um PAC, seria possível unir os programas ecológicos sob o guarda-chuva de uma comissão executiva ambiental. Como os eventos climáticos vieram para ficar, e deixaram de ser exceção para se tornar regra, criar padrões para sobreviver a eles tornou-se urgente.

Impactos de uma seca recorde que não é de hoje

Folha de S. Paulo

Estiagem, a mais intensa desde 1950, já dava sinais anteriores de agravamento; mudança climática afeta economia e saúde

O Brasil enfrenta a pior seca desde o longínquo 1950, início da série histórica do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. A estiagem não surgiu do nada. Ela dá sinais de agravamento há muitos anos.

Quase foi necessário fazer racionamento de água em diversas regiões em 2014, 2017 e 2021. Em 2023, cidades da Amazônia ficaram encobertas por fumaça de queimadas, e o Rio Negro atingiu o menor nível em 120 anos.

Diretamente imbricada com com o meio ambiente, a agropecuária por óbvio é afetada. Segundo estimativas do Ipea, apresentados em coluna do economista Bráulio Borges na Folha, a produtividade do setor cresceu 4% ao ano entre 1970 e 2011, mas só 1,5% ao ano de 2012 a 2021.

De acordo com o IBGE, no segundo trimestre de 2024, o Produto Interno Bruto da agropecuária recuou 2,3% ante os três meses anteriores. Em relação ao período correspondente do ano passado, a queda foi de 2,9%.

Decerto se deve considerar que em 2023 colheu-se uma safra de grãos excepcional de 315,4 milhões de toneladas, que impulsionou uma alta do PIB agrícola de 15,1% ante 2022. Por isso uma queda neste ano já era esperada.

Além da base de comparação atípica, a Confederação da Agricultura e Pecuária dá ênfase à sazonalidade típica do setor e ao fenômeno climático El Niño como motivos para a queda. Há mais.

A própria intensidade do El Niño e eventos extremos como as enchentes no Rio Grande do Sul se relacionam aos impactos do aquecimento global —para o qual o país e particularmente o agronegócio contribuem com o avanço do desmatamento, sobretudo na região amazônica.

Com a energia adicionada à atmosfera, há mais evaporação e formação de nuvens que despejam tempestades mais volumosas em períodos curtos.

O início da estação de chuvas também se desloca no calendário, prejudicando a semeadura. Para nada dizer das estiagens prolongadas, como a do presente, e dos ventos secos que propagam queimadas e incêndios florestais.

Como ao poder público e à sociedade em geral, cabe ao agronegócio reconhecer que uma transformação mais ampla do clima está em curso —em não poucos casos superando a propaganda anticientífica que grassa em seu ambiente político e ideológico.

A intensidade atípica do calor e das chuvas no verão deste 2023, por exemplo, já era prevista por pesquisadores brasileiros e organismos internacionais desde o começo do ano passado.

Mesmo assim, governo federal, estados e municípios não se mostraram capazes de enfrentar a contento os efeitos dessas mudanças, que incluíram até a explosão dos casos de dengue.

Com a estiagem, que não é de agora, são afetadas a oferta de alimentos, a produção de eletricidade, a saúde pública, a qualidade do ar, o poder aquisitivo da população. Nada há de abstrato nem de imprevisível nisso.

Escalada de ações contra o erário demanda investigação

Folha de S. Paulo

Alta em processos contra Minha Casa, Minha Vida deve ser diagnosticada desde já para que precatórios caibam no Orçamento

O poder público brasileiro acordou tardiamente para o dramático aumento do peso orçamentário dos precatórios —as despesas provocadas por decisões judiciais definitivas e desfavoráveis ao erário.

É verdade que o tema já fazia parte das atribulações de estados e municípios havia décadas, mas era tratado mais como sintoma da crônica desorganização das finanças regionais. As derrotas judiciais só receberam a devida atenção quando travaram as contas do governo federal, com um valor exorbitante de R$ 90 bilhões a ser pago em 2022.

A providência mais imediata, infelizmente, foi recorrer à contabilidade criativa: o governo Jair Bolsonaro (PL) patrocinou uma emenda constitucional que autorizou um calote em parte dos compromissos, transferindo-os para os anos seguintes.

De mais produtivo, setores do Executivo e do Judiciário começaram a investigar as causas dos números aberrantes. De acordo com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, não se sabe de outro país que tenha gastos com precatórios como os do Brasil.

Entre outras possibilidades, cumpre averiguar se o Estado tem falhado sistematicamente em pagamentos e serviços; se há falhas da defesa judicial dos governos; se há um viés da Justiça ou mesmo esquemas fraudulentos contra o erário.

Nesse sentido, reportagem da Folha revelou que já chama a atenção das autoridades um novo alvo de ações em busca de indenizações dos cofres públicos: o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

Segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), o número de novas ações impetradas por supostos vícios na construção de moradias saltou de cerca de 3.300 em 2018 para 28,4 mil em 2021. Em março do ano passado, já se contavam 126 mil delas em curso.

O Conselho Nacional de Justiça, segundo Barroso, avalia o caso em meio a estudos para conter a litigância predatória ou abusiva contra o poder público. É crucial que movimentos do tipo sejam desmontados no nascedouro.

No Executivo, por exemplo, detectou-se que pagamentos de precatórios de pequeno valor na Previdência Social saltaram de R$ 5,4 bilhões em 2014 para R$ 19,5 bilhões no ano passado.

Inexiste solução imediata para essa escalada. O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está regularizando pagamentos, mas com descontos nas metas fiscais. Para que a conta caiba futuramente no Orçamento, as medidas têm de ser tomadas desde já.

Irresponsabilidade fiscal nunca é solução

O Estado de S. Paulo

Se a ‘emergência climática’ é ‘permanente’, como disse Marina, então seu enfrentamento também é, razão pela qual deve ter previsão orçamentária, ao contrário do que propôs a ministra

Em entrevista após uma audiência no Senado para tratar das queimadas e da seca, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendeu a criação de uma nova legislação que permita decretar “emergência climática permanente” em municípios mais vulneráveis a eventos climáticos extremos. O objetivo seria garantir recursos a serem investidos de maneira preventiva, e não só reativa após as tragédias.

Como diz a sabedoria popular, é melhor prevenir do que remediar. Mas, como também adverte essa mesma sabedoria, de boas intenções o inferno está cheio, e o diabo mora nos detalhes. O detalhe na proposta de Marina Silva é que ela seria viabilizada com um drible nas regras fiscais – mais um. “Quando é decretada emergência, como no Rio Grande do Sul, a gente tem a possibilidade que isso não seja contingenciado no teto de gastos. Se eu tenho que agir preventivamente”, disse aos senadores, “eu tenho que ter a cobertura legal para poder fazer isso.”

Ora, mas é precisamente o contrário: se a “emergência” é, como diz a ministra, “permanente”, então os custos de prevenção e adaptação devem ser permanentemente incluídos nos orçamentos públicos. A questão precisa ser introduzida no planejamento orçamentário das três esferas da Federação.

O estratagema não é novo. A pretexto de promover programas perfeitamente meritórios – como bolsas para estudantes ou subsídios a consumidores de gás de baixa renda –, o governo lulopetista recicla métodos de contabilidade criativa para gastar mais sem que a despesa apareça na peça orçamentária – e sem que, portanto, tenha que submeter seus projetos ao debate público para que os representantes dos contribuintes possam decidir o que deve ser cortado para financiá-los.

E se trata de uma questão urgente. De fato, já não se pode dizer que os extremos climáticos sejam o “novo normal”, são simplesmente o normal, e os ambientalistas alertam que serão cada vez mais intensos e recorrentes. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, as temperaturas e chuvas extremas no Brasil aumentaram continuamente nos últimos 90 anos. Em São Paulo, por exemplo, os temporais quase duplicaram nas últimas três décadas.

A mitigação das mudanças climáticas por meio da redução de emissões de dióxido de carbono é um trabalho de longo prazo que exige uma complexa coordenação global. Mas as consequências dessas mudanças devem ser enfrentadas imediatamente por governos locais com medidas de prevenção e adaptação. A humanidade tem capacidades notáveis de adaptação. Há milênios pessoas vivem em extremos glaciais ou desérticos. Mesmo com o aumento de temperaturas, enchentes ou queimadas, medidas adaptativas fizeram com que hoje, segundo o International Disaster Database, o número de mortes por catástrofes naturais seja 98% menor do que há um século.

No caso do Brasil, as medidas para prevenir a principal causa de danos e mortes por desastres naturais, as enchentes e deslizamentos, são conhecidas, desde as mais simples e imediatas às mais complexas e de longo prazo: aprimorar os sistemas de monitoramento, alertas, evacuações e abrigos; fortalecer infraestruturas como sistemas de drenagem, abastecimento de água, coletas de esgoto ou redes de energia; ampliar a cobertura vegetal das cidades; e encampar reformas urbanas que promovam desocupações de áreas de risco e regularizações imobiliárias aptas a garantir infraestrutura a áreas vulneráveis.

Tudo isso tem custos, mas, se bem alocados, os benefícios os superam em muito. O estudo Adaptation Gap Report 2020, da ONU, por exemplo, estimou que um investimento de US$ 1,8 bilhão em sistemas de alerta, infraestrutura resiliente, melhoria da agricultura em zonas áridas e proteção dos mangues pode gerar US$ 7,1 bilhões entre danos evitados e benefícios ambientais e sociais.

Nesse contexto, a ministra Marina Silva tem razão quando alerta para a necessidade de viabilizar soluções para um problema que veio para ficar. E a natureza permanente das mudanças climáticas demanda que essas soluções não sejam episódicas nem voluntaristas, mas planejadas de acordo com os recursos disponíveis e com o aval democrático dos cidadãos.

O enquadramento político do Supremo

O Estado de S. Paulo

Pesquisa revela que as afinidades políticas dos cidadãos afetam sua confiança no STF. A própria Corte alimenta essa percepção enviesada e precisa se afastar, de fato, da política

A ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para suspender o X no Brasil foi percebida pela maioria da população como uma decisão politicamente motivada. De acordo com uma pesquisa realizada pela Atlas entre os dias 3 e 4 deste mês, 56,5% dos brasileiros consideram que Moraes tomou uma decisão política ao retirar a rede social do ar, enquanto 41,7% dos entrevistados avaliam que o ministro agiu de forma correta do ponto de vista técnico-jurídico.

Sob a perspectiva estritamente legal, o “erro” ou o “acerto” de uma decisão judicial, por óbvio, não pode ser medido por meio de pesquisas de opinião, mas sim por sua coadunação com o ordenamento jurídico e com a jurisprudência dos tribunais – além, é claro, da observância aos imperativos éticos, legais e morais que devem orientar a judicatura.

Contudo, o levantamento da Atlas tem grande valor analítico por revelar outro dado. O grau de confiança dos cidadãos no STF é enorme entre os que votaram em Lula da Silva no segundo turno da eleição presidencial de 2022. Nada menos que 87,9% dos eleitores do petista disseram confiar no Supremo. Em contrapartida, o porcentual de desconfiança na atuação da Corte entre os eleitores de Jair Bolsonaro naquele mesmo pleito atinge um patamar igualmente avassalador: 92,4% dos bolsonaristas não confiam nas decisões tomadas pela instância máxima do Poder Judiciário.

Ou seja, os cidadãos têm olhado para o STF de uns anos para cá através das lentes da política – mais especificamente da polarização política. Se a Corte toma uma decisão que atinge em cheio os interesses dos bolsonaristas, é percebida como correta e confiável pelos apoiadores do presidente Lula da Silva. Se a decisão afeta o próprio petista, seus aliados ou políticas do governo federal, é tomada com desconfiança pelo segmento dito progressista da sociedade e aprovada pelos partidários de Bolsonaro. E essas posições, como indicam os números acima, são afirmadas no calor das paixões, sem deixar o mínimo espaço para reavaliações por concessão a argumentos contrários mais sólidos.

Lula e Bolsonaro fizeram essa leitura acerca do enquadramento político do STF muito antes de quaisquer números virem a público. Não custa lembrar que, quando indicou o ministro Nunes Marques para a Corte, Bolsonaro jactou-se por passar a ter “10% de mim dentro do Supremo”. Lula, por sua vez, deixou bem claro que enxerga o STF como uma arena de disputas políticas ao indicar o ministro Flávio Dino. À época da indicação, o petista chegou a verbalizar que “sonhava com uma cabeça política” na Corte.

Está dado um quadro terrível para a saúde da democracia no País. Resta claro, a partir desses números trazidos pela Atlas, que as decisões emanadas do STF são percebidas de antemão pelos brasileiros a partir desse enquadramento político-partidário. Enviesadas, portanto. Em um cenário mais avançado de maturidade política da sociedade, em que pese o fato de que sempre haverá quem sobreponha suas afinidades ideológicas e vieses aos fatos, as decisões judiciais, sobretudo as exaradas pelo STF, seriam avaliadas, majoritariamente, por sua acuidade jurídica, vale dizer, se foram tomadas de acordo com o que determinam as leis e a Constituição.

Mas não é de hoje que o próprio STF tem ampliado o desgaste de sua legitimidade por agir não poucas vezes como uma instância decisória que dá menos valor àqueles critérios do que a interesses pouco transparentes. Isso se manifesta quando a Corte se imiscui em questões que não lhe são afeitas, quando retorce sua própria jurisprudência para acomodá-la aos ventos políticos de ocasião ou quando alimenta conflitos de interesses participando de convescotes custeados por partes interessadas em seus julgamentos. Pululam exemplos desse comportamento daninho para a própria Corte Constitucional.

Ainda que lento, é fundamental o recobro da vocação do STF de ser a ermida da Constituição. A Corte precisa se afastar, de fato, da política. Só assim não será percebida, ora vejam, como um tribunal político. É tão simples quanto isso. Encerrar os inquéritos longevos, amplos e sigilosos relatados por Moraes, por exemplo, seria um bom começo para esse movimento auspicioso.

Margem Equatorial a conta-gotas

O Estado de S. Paulo

Parecer da AGU favorável à Petrobras em Foz do Amazonas é mais um passo para minar Ibama

O novo parecer do advogado-geral da União, Jorge Messias, favorável à exploração de petróleo pela Petrobras no bloco marítimo de Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, revela a estratégia de minar nos detalhes os argumentos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para impedir a exploração do poço. Em avaliação recente, a AGU concluiu que o Ibama não tem atribuição para reavaliar o licenciamento ambiental do Aeroporto de Oiapoque, no Amapá.

Em março do ano passado, o Ibama incluiu no Estudo de Impacto Ambiental a questão dos sobrevoos de helicóptero do aeródromo municipal até a plataforma que a Petrobras pretende instalar no bloco exploratório, cobrando medidas mitigadoras dos impactos para as comunidades indígenas. Pediu também o encaminhamento de manifestação à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). As novas exigências do Ibama levaram ao indeferimento do pedido feito pela Petrobras para perfurar o primeiro poço no bloco, adquirido em 2013, em leilão feito pelo governo.

O parecer jurídico da AGU ao mesmo tempo desmonta um dos principais motivos apresentados pelo Ibama para recusar a licença e impede que o processo retorne à etapa inicial de discussão, como pede a Funai. Em 2017, o aeródromo recebeu licença de operação do órgão ambiental do Amapá e a AGU argumenta que a lei prevê que a competência para licenciar um empreendimento deve ficar concentrada em um único ente federado. No caso, o Estado do Amapá.

A contestação da AGU marca mais um round na disputa interna travada no governo sobre autorizar ou não a perfuração de poços de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas, uma das cinco que formam a nova fronteira da Margem Equatorial. Mas já restou comprovado que, a despeito da batalha jurídica, a opção pela prospecção marítima na região é uma decisão eminentemente política que o governo vem se furtando a tomar, apesar das repetidas declarações do presidente Lula da Silva favoráveis à Petrobras.

Ao que parece, o presidente tem esticado o quanto pode a corda à espera da rendição de Marina Silva, mas a expectativa é de que haja uma resistência obstinada da ministra do Meio Ambiente. Portanto, Lula precisa decidir se autoriza a Petrobras a perfurar, mesmo contrariando seu estafe ambiental e correndo o risco de ver Marina Silva ficar de cara amarrada às vésperas do encontro de cúpula do clima no Brasil no ano que vem.

Pelos sinais que têm sido emitidos, especialmente as avaliações que a AGU tem divulgado desde o ano passado a favor da Petrobras, o terreno está sendo preparado para autorizar a perfuração do poço-teste que dirá, enfim, se há ou não petróleo no bloco 59 da Foz do Amazonas. A decisão é urgente, pois, se de fato for descoberta uma nova jazida, como as reservas gigantes da vizinha Guiana – que encontrou na Margem Equatorial 11 bilhões de barris de petróleo –, serão necessários mais de cinco anos para o início da produção. É uma oportunidade que o Brasil não está em condições de desperdiçar.

Avanço de internação por ansiedade preocupa

Correio Braziliense

Privação do sono, fragmentação da atenção com a nova onda de diagnósticos de TDAH, solidão, dependência e perfeccionismo são alguns dos transtornos que levam essa geração a quadros de ansiedade e a hospitalizações

Os adolescentes brasileiros não estão somente ansiosos. A ansiedade está levando os jovens aos hospitais. Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou um levantamento em que mostra um crescimento de 136% nos últimos 10 anos (2013-2023) de internações por ansiedade e estresse envolvendo essa parcela da população. Somente no ano passado, foram mais de 1,6 mil suportes do tipo realizados em pessoas com 13 a 29 anos.

O Brasil vem seguidamente sendo considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o país com o maior número de pessoas ansiosas do mundo — um contingente de 9,3% de brasileiros. É de se esperar que esse fenômeno se estenderia também aos mais novos. No entanto, as hospitalizações preocupam especialistas, já que essa é uma medida que costuma ser adotada em casos mais críticos — quando, por exemplo, outras opções de tratamento não surtem efeito. 

 Esse aumento se traduz em um alerta para a emergência de políticas públicas voltadas à promoção da saúde mental entre jovens e adolescentes, além de um suporte mais acessível e eficaz para as famílias que enfrentam o problema diariamente, dentro de casa. 

Especialistas atribuem essas estatísticas a uma série de fatores, e quase  todos chamam a atenção para o crescimento do transtorno devido ao papel cada vez maior do uso de telas e, consequentemente, de acesso às  redes sociais. O psicólogo social Jonathan Haidt, autor do livro A geração ansiosa — um guia para se manter em atividade em um mundo invisível, faz severas críticas aos smartphones e ao que ele chama de "colapso da saúde mental dos jovens", apontando as altas taxas depressão, ansiedade, automutilação e suicídio que definem os tempos atuais. 

Privação do sono, fragmentação da atenção com a nova onda de diagnósticos de transtorno do deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), solidão, dependência, comparação social e perfeccionismo são alguns dos transtornos que levam essa geração a quadros de ansiedade e a hospitalizações, sendo que essas últimas demonstram a inoperância de pais, professores, profissionais de saúde, da sociedade como um todo, no sentido de intervir precocemente de forma a evitar que esses distúrbios sejam tratados apenas quando já agravados. 

Mudanças de comportamento, irritabilidade, isolamento social, queda no rendimento escolar. Enfim, os sinais precisam ser notados de alguma maneira. Quanto mais cedo esses aspectos forem identificados e enfrentados, é cada vez menor o risco de evolução para um quadro mental que necessite de internação. 

É fundamental também que, diante da alta hospitalar, esse jovem tenha uma rede de apoio criteriosa, dando início a um atendimento contínuo, seja por profissionais especializados ou pela própria família e amigos. Suporte psicológico, acompanhamento médico e um programa de atividades que façam com que esse jovem lide melhor com os picos de ansiedade estão entre as principais medidas recomendadas. Além disso, diálogo. Evitar debater sobre o problema não faz com que ele desapareça.

 


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