O Globo
Faz poucos dias, o IBGE apresentou
ao país as projeções atualizadas da população. Território inteiro, grandes
regiões, todas as 27 unidades da Federação, 100% dos 5.570 municípios. São
números importantes para diagnósticos socioeconômicos, formulação de políticas
públicas, repartição de recurso orçamentários. O Brasil é um país profundamente
assimétrico, capaz de comportar, na maior cidade, São Paulo, 11,9 milhões de
habitantes; e na menor, Serra da
Saudade (MG), 854. Cada uma delas elegerá prefeito e vereadores em
um mês.
Um em cada cinco brasileiros vive em metrópoles com mais de 1 milhão de habitantes. São 15 municípios nessa faixa, 13 deles capitais. No Rio, aglomeram-se 6,7 milhões. Quase um terço da população total de 212,6 milhões, segundo o IBGE, mora em 48 localidades com mais de 500 mil habitantes. São cidades médias, para onde famílias inteiras costumam migrar em busca de vida mais tranquila, sem a hostilidade comum aos centros urbanos.
O Rio de Janeiro tem praia e parques,
Redentor e Valongo, escola de samba e bossa nova, floresta e céu azul. Não tem
Leste, mas a Zona Oeste ferve. E a Norte. Na madrugada do último sábado,
criminosos da Serrinha passaram atirando numa esquina de acesso ao Morro
Buriti/Congonha, ali entre Madureira e Turiaçu.
Mataram cinco pessoas, entre as quais Lucas, dono do bar alvejado. A principal
hipótese da investigação é um ataque de traficantes da comunidade dominada pela
facção TCP contra rivais do CV.
Policiais veem semelhança entre essa chacina
e outra ocorrida no domingo 18 de agosto, quando integrantes do CV do Morro São
João, no Engenho Novo,
dispararam contra uma celebração na Praça Barão de Drummond, área próxima ao
Morro dos Macacos, em Vila Isabel,
território do TCP. Cinco morreram. Desde 2017, Madureira está entre os dez
bairros do Grande Rio com maior incidência de conflitos à bala, segundo
levantamento de Gife/UFF e Instituto Fogo Cruzado.
— Em todos esses anos, Madureira está nesse
ranking porque os conflitos foram frequentes, regulares e intensos — explica
Daniel Hirata, pesquisador no Gife/UFF.
O Fogo Cruzado contou 28 tiroteios com 18
baleados de janeiro a agosto deste ano na região. Dez pessoas morreram. Nos
oito primeiros meses de 2023, foram 36 trocas de tiros, com 18 mortos.
O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
(CESeC) publicou nota de repúdio à violência persistente no conjunto de favelas
da Maré.
Na última terça-feira, uma operação policial, a 37ª deste ano, pôs fim a uma
trégua de dois dias em 14 seguidos de entrada de agentes do Estado no
território. A ação deixou três mortos, 43 escolas fechadas e três unidades de
saúde com atendimento interrompido total ou parcialmente.
O governador Cláudio
Castro substituiu o secretário de Polícia Civil,
quarto titular da pasta em seis anos, sob alegação de “aumento gigantesco da
violência”. De janeiro a julho (dados do ISP-RJ), só na capital, houve mais de
20 mil roubos de rua; de celular, 25 mil roubos e furtos. Em agosto, 31 pessoas
foram baleadas em assaltos na Região Metropolitana; recorde no ano, segundo o
Fogo Cruzado.
A metrópole hiperpovoada, onde a violência
impera, e qualquer pessoa — umas mais que outras — pode ser alvejada e morta a
todo momento, guarda semelhanças com certa rede social recém-inoperante. No
ex-Twitter, hoje X, o soberano manda e desmanda, interrompe operações,
desobedece à Justiça. Tudo em nome dos que se acham no direito absoluto de
atacar, ofender, desqualificar sem moderação. Pela liberdade também de ser
racista, misógino, intolerante, LGBTfóbico, sem perturbação.
No fim de semana passado, por ordem do
ministro Alexandre de
Moraes, do STF,
operadoras da telefonia bloquearam o acesso ao X. Foi medida em reação à recusa
do bilionário Elon Musk de
cumprir determinação de bloqueio de contas de investigados e até de indicar um
representante local, obrigação de toda empresa estrangeira com negócios no
país.
Nos primeiros dias sem X, milhões de
brasileiros inscreveram-se em plataformas concorrentes. A Blue Sky reportou ter
recebido quase 2 milhões de novos usuários em 72 horas. Há relatos de luto,
crise de abstinência, prejuízos financeiros de quem tinha no X diversão e
ganha-pão. Há quem veja na migração forçada a experiência rara de abandonar a
metrópole violentíssima rumo a uma acolhedora cidade média. A gente anota o
endereço, ocupa a casa, traz a mobília. E se põe a passear. Encontra o primeiro
vizinho, um velho conhecido, alguém que não é estranho. E outro. E outra. E
assim se vai desapegando da vida sem ratazanas e rajadas no ambiente populoso,
viciante, algo encantador. Mas que, faz tempo, é muito mais dor que delícia.
Do Rio, eu não saio. Ao X, não sei se volto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário