sexta-feira, 7 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Governo erra ao vender arroz importado tabelado

O Globo

Desabastecimento, se houver, será consequência do controle de preços, pois 84% da safra gaúcha está colhida

Não se pode dizer que o governo federal não tenha agido em resposta às chuvas que arrasaram o Rio Grande do Sul. Entre outras iniciativas, anunciou a concessão de um vale-reconstrução para cerca de 200 mil famílias, um programa para compra de imóveis por meio do Minha Casa, Minha Vida e créditos para empresas atingidas. Mas o Planalto erra feio ao intervir no mercado com a desnecessária importação de arroz, sob pretexto de equilibrar os preços.

Depois de um vaivém de liminares, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) realizou nesta quinta-feira um leilão para comprar 263 mil toneladas de arroz importado, movimentando R$ 1,3 bilhão. Poderá haver outros. A Medida Provisória 1.217/2024 autoriza a compra de até 1 milhão de toneladas em 2024. O argumento do governo é que o Rio Grande do Sul produz quase 70% do arroz do Brasil, e os estragos causados pelas chuvas poderiam desestabilizar o mercado, favorecendo a especulação e encarecendo o produto.

Não é apenas a insistência na importação que causa estranheza, mas também a maneira estapafúrdia como o governo pretende distribuir o arroz estatal. Pelo que foi anunciado, o produto será vendido em embalagens de 5 quilos com os logotipos da Conab e da União, além da frase: “Produto adquirido pelo governo federal”. Não bastasse a bizarrice, o governo ainda tabelou o quilo em R$ 4. Depois de ressuscitar o tabelamento, só falta trazer de volta os “fiscais do Sarney”, que ficaram populares durante o Plano Cruzado tentando combater o desabastecimento, consequência inevitável de todo controle de preços. Mesmo no PT não faltam economistas competentes para explicar por que o tabelamento não tem como dar certo. Os brasileiros já viveram essa experiência e não têm saudades.

O pior é que nem havia necessidade de importar arroz. Quem diz isso é a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF contra a decisão do governo. A CNA argumenta que 84% da área plantada no Rio Grande do Sul já havia sido colhida antes do início das chuvas, por isso não há risco de faltar a mercadoria. Se houver desabastecimento, a única causa agora será o tabelamento. Nenhum produtor aceitará vender por um preço abaixo do que custa produzir e distribuir.

Além de considerar, com razão, a decisão do governo “uma medida abusiva” de intervenção na atividade econômica, restringindo a livre concorrência, a CNA diz que ela tem potencial para desestruturar a cadeia produtiva, criando instabilidade de preços e prejudicando os produtores locais. “O arroz produzido e colhido pelos produtores rurais gaúchos certamente sofrerá com a predatória concorrência de um arroz estrangeiro, subsidiado pelo governo federal e vendido no Brasil fora dos parâmetros econômicos de fixação natural de preços”, afirma.

Como já fez ao escolher o ex-ministro Paulo Pimenta — pré-candidato ao governo do Rio Grande do Sul — para coordenar os trabalhos de reconstrução no estado, mais uma vez o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva politiza uma questão técnica. Não tem cabimento levar às gôndolas dos supermercados arroz tabelado com preço inferior ao da concorrência, ainda mais estampado com a logomarca do governo. Sem disfarce, o Planalto aproveita os efeitos deletérios das chuvas para tentar faturar dividendos políticos.

Não faz sentido policiais e militares aposentados comprarem mais armas

O Globo

Portaria amplia quantidade que eles podem adquirir, abrindo brecha para alimentar arsenal que abastece crime

A decisão do Exército de ampliar de dois para quatro o número de armas que podem ser adquiridas por policiais e bombeiros militares inativos é um contrassenso. A portaria, publicada na terça-feira, autoriza também que policiais e bombeiros inativos mantenham um fuzil particular, desde que tenha sido comprado quando estavam na ativa. O afrouxamento das restrições aconteceu depois de pressões da bancada da segurança pública no Congresso. Como mostrou reportagem do GLOBO, é a terceira vez neste ano que o Exército altera normas sobre compra e porte de armas por agentes de segurança, ora reduzindo, ora aumentando os limites.

Não faz sentido ampliar o número de armas para agentes que não estão mais na ativa. Por mais que se trate de profissionais experientes, a decisão abre brecha para haver mais armas em circulação, além da quantidade excessiva já existente. O argumento de que o arsenal ficará bem guardado é frágil. Não se duvida das boas intenções de policiais e bombeiros, mas nem o Exército consegue impedir furtos e extravios, como têm mostrado episódios recentes. Tem sido cada vez mais frequente o uso de armas obtidas legalmente pelo crime organizado.

É verdade que um dos primeiros atos do atual governo foi revogar o conjunto de decretos da gestão anterior que facilitavam o acesso a armas e munições. Compra e porte de arma — especialmente as de uso restrito — ficaram mais difíceis. Mas até agora o Ministério da Justiça não apresentou um plano factível para reduzir o arsenal que já está em poder da população, ao alcance do crime. O recadastramento feito no ano passado, sob o então ministro Flávio Dino, revelou a existência de quase 1 milhão de armas. E isso é apenas parte do arsenal.

No Congresso, a bancada da segurança pública tem atuado para afrouxar as restrições. No fim do mês passado, a Câmara aprovou um projeto que derruba trechos do decreto sobre armas do governo Lula. Uma das principais alterações acaba com a exigência de que clubes de tiros fiquem a pelo menos 1 quilômetro de escolas. A proposta prevê mudanças também na rotina de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs), para os quais não haverá mais o requisito de um número mínimo de treinos e competições.

Um país onde se contam tiroteios aos montes e em que mortes de inocentes por balas perdidas se tornaram uma odiosa rotina deveria levar mais a sério o risco das armas. Quanto maior a quantidade, maiores as chances de tiros — afinal, para isso elas são feitas. Por isso seu uso deve ser restrito a situações onde são absolutamente necessárias. Não é o caso dos agentes inativos. Armas e munições legais, mesmo nas mãos de agentes de segurança, não são garantia de nada.

Taxação de importados é política mal debatida

Folha de S. Paulo

Tributação de compras pequenas é votada de modo sorrateiro; revisão ampla do entulho protecionista é deixada de lado

A taxação federal de compras internacionais de pequeno valor, aprovada na quarta-feira (5) pelo Senado, é um pequeno exemplo de como políticas públicas podem ser estabelecidas de forma opaca, sem maior debate de mérito nem identificação dos interesses envolvidos.

A medida, que ainda depende de novo exame pela Câmara dos Deputados e da sanção do presidente da República, foi incluída sorrateiramente num projeto que tratava de assunto diverso —os eternos subsídios à indústria automobilística nacional— e votada de maneira simbólica, sem a identificação nominal dos apoiadores.

Tudo isso porque parlamentares e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se omitiu, equilibravam-se entre o apoio à proposta e o temor de responderem pelo aumento de preços de artigos importados consumidos por estratos pobres e remediados da população.

Em tais circunstâncias, pode-se imaginar que o escrutínio técnico da taxação, se houve algum, passou longe da transparência.

O tema está em pauta pelo menos desde o governo Jair Bolsonaro (PL), impulsionado por queixas de empresários que apontam fraudes e concorrência desleal no varejo —o que é plausível e conta com o endosso da Receita Federal.

Na época, as discussões para uma medida provisória destinada a elevar a tributação foram publicamente desautorizadas pelo então presidente, provavelmente preocupado com sua popularidade.

Na administração petista, a tese foi encampada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como uma das providências para ampliar a arrecadação e cobrir parte do déficit provocado pela escalada de gastos públicos. Lula, no entanto, também fugiu do risco de desagradar eleitores e tirou suas digitais da iniciativa.

O pleito empresarial acabou tendo acolhida no Congresso, que até aqui fixou tarifa de importação de 20% sobre as compras até US$ 50 —sabe-se lá com que critérios. As operações já estão sujeitas ao ICMS, estadual, de 17%.

Há questões mais amplas em torno da medida. Boa parte da indústria de fato sofre com a tributação excessiva e caótica sobre o consumo no país. Essa distorção deve ser enfrentada por meio da reforma dos impostos hoje em tramitação.

De outro lado, o Brasil é um dos países mais fechados do mundo às importações, em nome de uma alegada proteção à produção nacional que gera ineficiência econômica e prejudica consumidores. A revisão do entulho protecionista tem sido historicamente ignorada por governo e Congresso.

Arejar a caserna

Folha de S. Paulo

Abertura para mulheres voluntárias é bem-vinda; falta rever serviço obrigatório

"Queremos mulheres armadas até os dentes", foi a frase de gosto duvidoso que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, escolheu para o anúncio de um acordo com os comandantes militares para ampliar a presença feminina nas Forças Armadas. "Queremos o fim da discriminação contra mulheres na caserna" seria mais apropriado.

Pelo que ficou acertado entre o ministro e os oficiais-generais, mulheres que completarem 18 anos em 2025 poderão participar, em caráter voluntário, do sistema de alistamento militar, que seleciona recrutas para servir a partir de 2026.

Pode-se celebrar o acordo como mais um passo no tortuoso processo de reduzir as resistências dos militares à presença feminina, mas a escolha do alistamento como forma de acesso parece equivocada.

Tal sistema, obrigatório para os homens, não é exatamente uma porta de entrada na carreira militar. Os conscritos permanecem na Força por 12 meses, prorrogáveis até o limite de 96. O jovem ingressa como soldado e, com o tempo máximo permitido, pode deixar as fileiras como 3º sargento.

Essa fórmula representa mais um hiato na trajetória de vida dos jovens do que um atrativo. Em grande parte dos países desenvolvidos e democráticos, entre eles EUA, Reino UnidoAlemanha e França, o alistamento já foi há décadas substituído pelo serviço voluntário com possibilidade de transformar-se numa carreira.

No Brasil, os contingentes recrutados têm diminuído, mas há grande resistência do generalato em acabar com o serviço obrigatório —o caminho mais correto a seguir, gradualmente que seja.

Mulheres já chegam às Forças Armadas, predominantemente por escolas de oficiais, mas sua participação em unidades de combate ou de elite ainda é bastante limitada. A exceção é a Marinha, que as aceita como fuzileiras navais.

O que a experiência internacional ensina é que mulheres são perfeitamente capazes de atuar em todas as posições militares, tanto em situações de treinamento como de guerra real. Se há requisitos de capacidade física para determinadas funções, candidatas a esses postos devem ser submetidas a testes de aptidão individual.

O que não faz sentido é o veto ao gênero, que parece ainda inscrito na mentalidade de alguns generais.

As blusinhas e a República de Alagoas

O Estado de S. Paulo

No jogo temerário para recuperar popularidade, governo não quis assumir sua posição e por pouco não sofreu derrota numa pauta da agenda econômica, até então poupada pelo Congresso

Após muita polêmica, o Senado aprovou um projeto que restabelece a incidência de Imposto de Importação sobre as compras internacionais de até US$ 50. A taxação havia sido incluída no projeto de lei que criava o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), e por pouco não saiu do texto final.

Relator do projeto no Senado, Rodrigo Cunha (Podemos-AL) fez da proposta uma plataforma política para promoção de si mesmo – e, há que reconhecer, foi muito bem-sucedido em seu objetivo. Não que o aumento dos preços das blusinhas realmente fosse o foco da preocupação do senador alagoano. O irônico é que, de fato, Cunha tinha um bom ponto.

Por mais correta que seja a tributação das compras em plataformas internacionais, como já defendemos neste espaço, o tema jamais deveria ter sido proposto da forma como foi, por meio de um “jabuti” no projeto de lei que cria o Mover, destinado à indústria automotiva.

Ao se colocar contra a taxação e retirar o trecho do projeto de lei, Cunha angariou uma atenção que nunca havia recebido desde que chegou ao Senado, em 2019. Agora, todo o País conhece o senador do baixo clero que será vice-prefeito na chapa de João Henrique Caldas (JHC). Se tudo der certo para o clã, JHC será reeleito prefeito de Maceió neste ano, renunciará ao cargo em 2026 para disputar o Senado e deixará a capital alagoana aos cuidados de Cunha – eis o verdadeiro interesse do senador.

A disputa política em Alagoas só ganhou visibilidade nacional porque o movimento vai de encontro aos planos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que também pretende concorrer a uma vaga no Senado daqui a dois anos. Na disputa por votos, Cunha e JHC seriam os políticos que lutam contra o aumento de impostos, enquanto Lira ficaria com a pecha de vilão. Lira, afinal, foi o fiador de um acordo entre o governo federal e a Câmara para viabilizar a cobrança de 20% de Imposto de Importação sobre as compras em plataformas estrangeiras.

A promessa de Lula da Silva de que vetaria a taxação das bugigangas era, evidentemente, conversa fiada. Tudo que o presidente queria era se livrar do ônus político da decisão. O Ministério da Fazenda já pretendia estabelecer o Imposto de Importação sobre as compras desde o ano passado e só recuou depois que até a primeira-dama Rosângela Lula da Silva se meteu no debate.

Ao fim dessa novela, o Senado aprovou o texto-base do projeto que criava o Mover por 67 votos favoráveis e nenhum contrário. A impopular emenda jabuti das blusinhas, por sua vez, foi apreciada em seguida, em votação simbólica, na qual nenhum senador precisou carimbar suas digitais.

O texto, agora, volta à Câmara. Até a próxima semana, o governo terá o desafio de esfriar os ânimos de Lira, que julga ter havido quebra de acordo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estava em Roma, em encontro com o papa Francisco para defender a taxação dos super-ricos, mas foi cobrado por Lira por telefone, que ameaçou, inclusive, derrubar todo o projeto do Mover caso o problema não fosse resolvido no Senado.

As blusinhas foram mais um episódio de desarticulação política com o Legislativo. Da forma como o debate evoluiu nesta semana, ficou parecendo que tudo foi culpa do senador Rodrigo Cunha, e seria muito cômodo para o governo acreditar nessa versão.

Na verdade, Cunha apenas se aproveitou da atitude pusilânime do governo para atrair holofotes para si mesmo. Tivesse o governo sido firme a respeito da importância da medida para trazer isonomia à indústria e ao varejo locais, como defende o vice-presidente Geraldo Alckmin, e para reforçar a arrecadação, tema prioritário para o ministro Fernando Haddad, nada disso teria acontecido.

Nesse jogo temerário para recuperar a popularidade de maneira populista, o governo Lula da Silva quase sofreu uma derrota em uma pauta da agenda econômica, até então poupada pelo Congresso, porque foi incapaz de unificar e assumir um discurso sobre o assunto. A continuar dessa forma, não tardará para que isso venha a ocorrer.

A ética dos arruaceiros

O Estado de S. Paulo

Cenas vergonhosas protagonizadas por desordeiros no Conselho de Ética mostram que essa ralé não respeita nem os adversários nem o voto que recebeu. Ou seja, não respeita a democracia

Diz muito sobre o atual DNA do Congresso Nacional a vergonhosa baderna que transformou o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados em uma espécie de “conselho de ética dos arruaceiros”. Na sessão que livrou o deputado André Janones (Avante-MG) da cassação pela prática de “rachadinha” – quando parte do salário de funcionários do gabinete é repassada ao parlamentar –, assistiu-se a muito mais do que a repetição da hipocrisia e da indulgência, às quais congressistas recorrem para encobrir malfeitos de colegas. Antes fosse algo extraordinário, a entrar no anedotário de uma casa de baixo prestígio. O que se viu, ao contrário, foi a realidade exposta de um desvio permanente: o Congresso Nacional, a instituição que deveria ser a sede da democracia, isto é, do respeito ao dissenso, vem sendo vilipendiado por uma ralé que não honra o voto que recebeu.

Além do insulto à inteligência alheia, com a impunidade de um parlamentar sobre quem pairavam todas as evidências, houve empurrões, xingamentos e palavras de baixo calão, e só não se chegou às vias de fato porque os valentões foram contidos.

A molecagem envolveu, primeiro, os deputados Nikolas Ferreira (PLMG) e o próprio André Janones, depois este contra o deputado Zé do Trovão (PL-SC). Já Guilherme Boulos (PSOL-SP) – que, como relator do caso, parece ter concluído que há “rachadinhas do bem” (cometidas por aliados, como Janones) e “rachadinhas do mal” (a de seus opositores) e recomendou o arquivamento do caso – bateu boca com Pablo Marçal, dublê de coach e picareta bolsonarista que, como muitos ali, ganhou notoriedade na base do ultraje.

Marçal, a propósito, nem deputado é, mas foi levado à sessão por aliados, mesmo com a ordem do presidente da comissão de permitir a presença apenas de parlamentares. Para completar o deboche, Marçal – que, como Boulos, é pré-candidato à Prefeitura de São Paulo – usava um broche de parlamentar, que somente os 513 deputados têm. Toda essa turma converteu a sessão num circo grotesco, ambiente no qual muitos deles se sentem em casa.

É isto um Parlamento? Nem remotamente. É evidente que o Congresso deve ser lugar de debates muitas vezes acirrados sobre os rumos do País, mas há limites para o acirramento, determinados pelo decoro. E o decoro não é uma escolha, mas uma obrigação daqueles que pretendem representar o povo nesse debate: não se trata apenas de respeitar aquele com quem há divergências, mas, sobretudo, de respeitar os votos recebidos pelo adversário. Todos têm legitimidade popular para estar ali e por isso mesmo devem ao menos tolerar uns aos outros.

Nos últimos tempos, porém, o Congresso Nacional parece funcionar movido pelos algoritmos das redes sociais. A transformação digital da discussão política mudou representantes que antes acreditavam em divergência com civilidade, e a tribalização da vida pública deu incentivos para a radicalização e a intolerância, que se tornaram ativos eleitorais. Não raro, usa-se a política como trampolim para a lacração, como se a prática parlamentar requeresse ser modulada pelos padrões de engajamento que se veem nas redes sociais. E o mais grave: agem de maneira a proteger colegas envolvidos em atos duvidosos, como pareceu o caso envolvendo Janones.

E assim o Congresso segue descendo a ladeira da popularidade. Num levantamento do Datafolha de março deste ano, o Congresso só perdeu para redes sociais e partidos políticos na lanterna do ranking de confiança da população, ficando atrás das Forças Armadas, grandes empresas, Poder Judiciário, Ministério Público, Presidência da República, Supremo Tribunal Federal (STF) e imprensa. Consequência inevitável de um Parlamento formado em parte por quem não pretende representar ninguém senão a si mesmo, gente que reduziu a atividade política a uma live contínua, feita para gerar cliques e insultos, sem nada a propor de bom para o País.

Chegou o pós-Mandela

O Estado de S. Paulo

Partido de Nelson Mandela sofre derrota inédita em 30 anos e terá de fazer concessões

Após liderar o fim do apartheid, conduzir a transição democrática e governar a África do Sul por 30 anos, o partido de Nelson Mandela, o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), sofreu um choque de realidade. Na sétima eleição desde a democratização, perdeu pela primeira vez a maioria: os votos despencaram de 57%, em 2019, para 40%. O ANC ainda é o maior partido, mas precisará de coalizões para governar. Suas escolhas determinarão o destino do país por muito tempo.

A primeira parte da missão do ANC foi cumprida com relativo sucesso. Nos anos 90, ele evitou a guerra civil. Até 2009, a economia cresceu em média 3,3% ao ano. Direitos socioeconômicos foram estendidos. Liberdades fundamentais foram consolidadas. As eleições são livres, justas e competitivas. Sua hegemonia nacional não se traduziu em repressão aos partidos de oposição, que conquistaram governos nas províncias. Apesar da humilhação nas urnas agora, o ANC não contestou os resultados.

Mas o partido não conseguiu evitar a trajetória de degradação comum aos movimentos de liberação. O poder corrompe, e o poder longo corrompe longamente. No governo de Jacob Zuma (2009-2018), cargos foram distribuídos não por mérito, mas lealdade, a governança foi depredada, a corrupção se proliferou e a economia se estagnou. O atual presidente, Cyril Ramaphosa, tentou conter a hemorragia com reformas sensatas, mas pouco profundas. Muitos sul-africanos estão frustrados com a democracia e creem que ela apenas acoplou às elites brancas as elites negras, relegando o resto à pobreza.

Uma das opções do ANC é se aliar a dissidentes radicais, como o novo partido de Zuma, uMkhonto we Sizwe (MK, 14,6% dos votos), ou os revolucionários socialistas Combatentes da Liberdade Econômica (EFF, 9,5%). O primeiro quer abolir o sistema judicial “ocidental” e reescrever a Constituição para dar mais poder a chefes regionais. O segundo tem uma plataforma radical de desapropriação e estatização. Nesse cenário, o país entrará em processo acelerado de “venezuelização”.

A alternativa envolve compromissos com o partido centrista de oposição, a Aliança Democrática (DA, 22% dos votos). A DA é favorável ao livre mercado e governa com sucesso suas províncias, mas é vista com desconfiança como o partido “dos brancos”. O ANC teria de ceder à DA a presidência do Parlamento. O controle da pauta legislativa daria à DA uma oportunidade de implementar seus padrões de governança. Mas, se quiser vencer seu teto de votos, terá de incluir mais lideranças negras. Ambos correriam riscos de perder apoio de suas alas radicais. Mas, para o bem do país, as perdas podem ser compensadas com um governo de unidade nacional, que reúna partidos menores, exceto o MK e o EFF.

O segundo capítulo da África do Sul pós-apartheid, o pós-Mandela, está começando. É um momento de enorme perigo, mas também de oportunidades. O ANC salvou a África do Sul da destruição e pode salvá-la de novo. Para isso, precisa salvar a si mesmo, renunciando ao canto da sereia dos radicais e fazendo concessões ao centro.

BCE abre ciclo de corte de juros nos países desenvolvidos

Valor Econômico

BCE reduz taxas mesmo com avanço da inflação mensal e dos salários

O Banco Central Europeu (BCE) deu início à era da redução dos juros nos países desenvolvidos, ao lado do Banco do Canadá. Ela não terá ritmo definido a priori e dependerá da evolução da economia, explicou a presidente do BCE, Christine Lagarde. Não foi um passo isento de riscos: a inflação subiu um pouco na zona do euro em maio, para 2,6%, e o próprio BCE reconhece que continuará sem chegar perto da meta de 2% em boa parte de 2024 e de 2025. A ação do BCE e seus motivos dão uma ideia do horizonte de possibilidades para a desmontagem das políticas monetárias restritivas em outros países no curto prazo.

Ainda que a inflação mensal tenha avançado, o BCE mesmo assim cortou juros porque houve “estabilidade nas previsões inflacionárias”, afirmou Lagarde. Isso quer dizer que as expectativas estão ancoradas e os riscos de novo afastamento dos preços em relação à meta não existem, ou são desprezíveis. O Federal Reserve americano não tem ainda essa certeza, e, no caso do Banco Central do Brasil, há a suspeita de que a inflação futura esperada pode se distanciar do objetivo.

O BCE, com sua decisão, sublinhou outro ponto. As perspectivas econômicas melhoraram e as previsões de crescimento para o atual exercício e anos seguintes foram elevadas. Em 2024, o PIB da zona do euro deve crescer 0,9% e não mais 0,6%, avançando para 1,4% em 2025 e 1,6% em 2026. A redução do aperto monetário começará então em um ciclo ascendente da atividade econômica que, em tese, seria desfavorável à queda rápida do nível de preços. A lógica do BCE, no caso, é que se os maiores juros desde a criação da zona do euro fossem mantidos e se esperasse até que a inflação atingisse a meta para diminuí-los, a economia poderia não se recuperar ou até mesmo correr o risco de mergulhar em uma recessão. Ou seja, é possível reduzir juros com a economia em crescimento. Ao fazê-lo nessa circunstância, o BC ganha maior liberdade para dosar os próximos passos, já que não tem sobre si a urgência de uma economia à beira da contração.

Dadas as condições específicas da economia europeia, o BCE não esperou uma retração maior das atividades - na verdade, a zona do euro está estagnada há 18 meses. Essa premissa é bem diferente daquela que o Fed americano tem de considerar. A economia americana mal reduziu sua velocidade, apesar da maior taxa de juros em 40 anos, e, enquanto não desaquecer, não há a garantia de que o índice de preços seja domesticável. No caso brasileiro, dúvidas parecidas rondam o Banco Central. A economia brasileira caminha para percorrer seu terceiro ano consecutivo acima do potencial, o que amplia a resistência a uma queda mais rápida de preços, apesar do nível alto dos juros - 6% acima da inflação - ou até mesmo criaria um ambiente favorável a uma nova escalada do IPCA.

O BCE resolveu reduzir os juros mesmo enfrentando sinais desfavoráveis de indicadores que têm preocupado as autoridades monetárias dos dois lados do Atlântico. Um deles é o avanço dos salários acima do ritmo corrente da inflação. Na zona do euro, eles subiram 4,7% nos 12 meses encerrados em março. O mercado de trabalho apertado favorece a pressão salarial. Em abril, a desocupação teve nova baixa a nível recorde no bloco, de 6,4%. Nos EUA, a situação é semelhante, com a oferta de vagas ainda superior à de trabalhadores dispostos a preenchê-las e salários avançando ao redor de 4% ao ano. No Brasil, o reajuste dos salários tem pique idêntico, perto do pleno emprego (7,5% no primeiro trimestre do ano).

O problema da pressão dos salários é se eles estão correndo agora à frente dos preços para alcançá-los porque ficaram para trás antes ou se adquiriram uma dinâmica própria à frente da inflação, por inércia. O BCE acredita que se trata do primeiro caso. Como a inflação avançou muito - atingiu 10% em 2022 -, os salários estão compensando a defasagem, em um processo que, com a queda dos índices de preços, tende a se acomodar. “Ainda que elevados, os salários estão a caminho do declínio”, disse Lagarde. É bastante provável que o mesmo possa ser dito a respeito das pressões salariais, mencionadas como objeto de preocupação, pelos BCs do Brasil e dos EUA.

Como reflexo de salários e mercado de trabalho apertado, a inflação de serviços intensivos em mão de obra é um fator preocupante para a inflação também na zona do euro. Mas o BCE acha que a inflação está ancorada, o que lhe dá um impulso para começar a cortar os juros. O Fed americano não está seguro disso ainda, embora as expectativas de longo prazo dos preços nunca tenham ficado desancoradas. O BC brasileiro desconfia de que nos serviços residem surpresas desagradáveis e voltou a apontar que as perspectivas para a inflação saíram de prumo.

O BCE advertiu que será cauteloso e que seus próximos atos dependerão do comportamento dos indicadores econômicos, mantra que o Fed e o Banco Central também seguem. Apesar dos impulsos fiscais, que impedem a inflação de cair rapidamente, os juros serão reduzidos com o tempo. A dúvida é mais forte sobre o Brasil. Ainda assim, outra questão, bem diferente, é em que nível os juros irão estacionar. Eles devem ser maiores do que antes da pandemia nos países desenvolvidos e, se o Banco Central seguir na atual toada, bem maiores no Brasil.

Doses a mais e adesões a menos

Correio Braziliense

Especialistas brasileiros alertam para a tendência de queda em outras coberturas, não somente no que se refere ao HPV, mas também de vacinas que integram o calendário do Programa Nacional de Imunizações, como sarampo e poliomielite

Pouco mais de um mês após o início da vacinação, em dose única, contra o papiloma vírus humano (HPV), a cobertura vacinal ainda patina em grande parte dos estados brasileiros. A decisão do Ministério da Saúde de reduzir a aplicação de duas para uma única dose via Sistema Único de Saúde (SUS) para as crianças e adolescentes de 9 a 14 anos foi justamente uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que concluiu que uma dose da vacina já oferece uma proteção significativa contra o vírus.

O grupo prioritário também inclui pessoas com imunocomprometimento, vítimas de violência sexual e outras condições específicas, conforme disposição do Programa Nacional de Imunizações (PNI), podendo receber a vacina até os 45 anos. É importante lembrar que o HPV é associado a mais de 90% dos casos de câncer de colo do útero.

À época, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, chegou a convocar agentes de saúde dos estados e municípios para que fizessem uma busca ativa por adolescentes e jovens de até 19 anos que não haviam recebido nenhuma dose do imunizante para que pudessem atualizar a carteira de vacinas.

Fato é que os índices de cobertura seguem baixos, embora melhores que em anos anteriores. De acordo com os dados mais recentes, em 2023, foram aplicadas mais de 6,1 milhões de doses da vacina contra o HPV — o maior contingente de vacinados desde 2018. Neste ano, a cobertura vacinal chegou a 5,1 milhões de pessoas, o que corresponde a uma elevação de 42% em relação a 2022, quando foram aplicadas pouco mais de 4 milhões de doses.

O esquema de dose única é adotado em outros 37 países, seguindo recomendações de autoridades médicas internacionais. Já os especialistas brasileiros alertam para a tendência de queda em outras coberturas, não somente no que se refere ao HPV, mas também de imunizantes que já integram o calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que combatem doenças como sarampo e poliomielite, sendo que a primeira deixou de ser considerada erradicada no Brasil em 2018, época em que foi registrado um surto da doença, com mais de 10 mil casos e 12 óbitos.

O esforço do Ministério da Saúde envolve o Movimento Nacional pela Vacinação, que inclui ainda as vacinas contra a covid-19 e uma valorização maior dos serviços prestados pelo SUS. Vale lembrar que até abril deste ano apenas 22% do público-alvo havia se vacinado contra a gripe na rede pública, ou seja, 14,4 milhões de pessoas de um total de 75,8 milhões de doses reservadas para 2024. As unidades da Federação com as menores porcentagens da população vacinada contra o vírus influenza são: Distrito Federal (13,78%), Mato Grosso do Sul (14,18%), Mato Grosso (14,36%), Bahia (14,92%) e Rio de Janeiro (17,76%).

Iniciada oficialmente em 25 de março, a campanha se estende até o fim do primeiro semestre nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. No Norte, começa no segundo semestre, em decorrência de características climáticas da região. Agora é torcer para que a baixa cobertura do primeiro semestre (pelo menos por enquanto), não se repita no segundo.

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