O Globo
A economia é só um dos motivos do avanço da
extrema direita na Alemanha. Já no Brasil, ela está nas cordas, mas de olho nos
erros do governo
A relação entre economia e política sempre existirá, ainda que os determinantes do voto sejam cada vez mais múltiplos e complexos. O que leva a Alemanha a dar 20% dos votos a um partido de extrema direita? Isso nunca terá uma resposta simples. Desde o início da guerra da Rússia contra a Ucrânia, o país enfrenta duas pressões de preços: o gás que vinha da Rússia e que teve que ser substituído por outras fontes mais caras, e os grãos que vinham da Ucrânia. Como consequência, energia e pão encareceram na Alemanha.
O impacto da inflação no humor dos eleitores
é um fenômeno global. A pandemia elevou o custo de vida, depois houve redução,
mas muitos preços ficaram em patamar alto. No Brasil, a queda da popularidade
do presidente Lula tem sido atribuída à inflação, mas, como tenho dito aqui, em
2025 a inflação de alimentos não será tão alta quanto em 2024. O grande choque
de preços aconteceu no governo anterior. A queda da popularidade tem várias
explicações e ainda há o desgaste natural de quem governa.
Na Alemanha, como em outros países europeus,
a xenofobia e o nacionalismo têm sido sentimentos explorados por extremistas.
Segundo uma brasileira que mora na Alemanha, o que os alemães têm dito é que
aumentou a sensação de insegurança pelo maior número de imigrantes muçulmanos
nas ruas. Em geral, homens. O sentimento anti-imigrante, como se sabe, é
explorado por líderes como Donald Trump.
Curiosamente, a líder da Alternativa para a
Alemanha (AfD), Alice Weidel, é casada com uma imigrante do Sri Lanka. A mulher
de Weidel mora na Suíça, onde são criados os dois filhos do casal. Nada disso
tem qualquer demérito aos olhos de quem tem uma visão contemporânea das
relações familiares. O problema é o ultraconservadorismo que essa corrente
política defende nas relações de gênero e a política de ódio ao imigrante. Fica
hipócrita, para dizer o mínimo. Mas isso nunca é levado em consideração pelos eleitores.
A lúcida e sempre bem informada jornalista
Dorrit Harazim, ao escrever neste fim de semana em O GLOBO sobre o que já
aconteceu no primeiro mês de Donald Trump na Casa Branca, encerrou o artigo com
uma frase definitiva. “Não percebe o precipício quem não quer.” O abismo já
vivido pela humanidade está diante de nós diariamente. No autoritarismo de
Trump, por exemplo. Ele mostrou estar disposto a atacar a ordem geopolítica
organizada após a segunda guerra mundial, não para aperfeiçoá-la, mas para
implodi-la, colocando no lugar seu unilateralismo e o imperialismo próximo do
da guerra fria. A visita e as palavras do vice-presidente J.D.Vance na Europa
chocaram não apenas os europeus.
A Alemanha vai construir uma coalizão de
governo juntando os conservadores do CDU-CSU com a social democracia (SPD), que
acaba de ter um enorme retrocesso, perdendo mais de 9 pontos percentuais de
votos, mas ainda tem 16,4%, e o partido Verde que ficou com 12,2%. O problema
não é o governo a ser liderado por Friedrich Merz, apesar de, com ele, a
democracia cristã de Angela Merkel ter ido mais para a direita. O problema é o
que tem levado o mundo a desprezar valores que foram consolidados no século
passado, após as duas trágicas guerras mundiais, e ameaçar todos os outros
avanços que foram sendo agregados nas últimas décadas.
No Brasil, a inflação tem sido apontada como
uma das razões da queda de popularidade de Lula. Neste fevereiro, o número virá
horroroso. As projeções são de 1,37% para o IPCA cheio do mês. Hoje sairá o
IPCA-15, e há projeção de 1,3% até 1,5%, nessa primeira prévia. Uma das
explicações é que a queda da energia no mês passado, pelo bônus de Itaipu, tem
efeito rebote agora, porque inflação se calcula pela média de um mês contra a
média do outro mês. O alívio custará caro, piorando os números.
O governo deve evitar brigas internas,
anúncios impensados e qualquer tipo de intervenção. A busca da queda da
inflação se dá por medidas fiscais e monetárias. O problema é que o fogo amigo
contra a equipe econômica enfraquece o próprio governo ao ficar procurando
deslizes e supostos erros e alimentar as críticas.
A extrema direita no Brasil está neste
momento nas cordas, e vai reagir usando as armas que domina, como a manipulação
de fatos para o bombardeio digital. Brigas de tendências políticas sempre foram
comuns nas democracias. O risco agora é uma ala que, ao assumir o poder, ameaça
valores, direitos fundamentais e a democracia.
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