terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Entrar ou não entrar na OCDE - Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo

Contrariando a política de governos anteriores, inclusive do PT, a atual gestão decidiu congelar as negociações

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um dos principais centros de discussão e definição das agendas econômica, comercial, financeira, social e ambiental global, é integrada por 38 países, inclusive Chile, México, Colômbia (governos de esquerda) e Costa Rica. A Argentina busca acelerar seu ingresso na organização.

Ao Brasil, seria importante ingressar na OCDE para poder influir no exame de questões que afetam os interesses nacionais e que serão reguladas internacionalmente neste ou em outros fóruns. Iniciadas na década de 1990, as relações do Brasil com a OCDE foram intensificadas gradualmente nos governos Cardoso, Lula e Rousseff. Em 2007, junto com outros cinco países, o Brasil virou “parceiro prioritário” da organização. Em 2015, o então chanceler Mauro Vieira assinou acordo de cooperação com a organização. Em 2017, o Brasil submeteu pedido de adesão à OCDE, mas o seu processo de acessão só foi iniciado em 2022, no governo Bolsonaro, juntamente com Argentina, Peru, Indonésia, Tailândia, Croácia, Romênia e Bulgária.

Depois de o conselho da organização aceitar um país como candidato, os membros definem o trajeto a ser seguido para a acessão. O passo inicial – que o Brasil já cumpriu – é a apresentação de memorando, pelo país candidato, contendo sua posição em relação aos instrumentos da OCDE (252 declarações, recomendações e decisões), com a possibilidade de estabelecimento de prazos e condições para a adesão. O Brasil já participa de todos os comitês técnicos da organização e contribui para as discussões e formulações de políticas internacionais, um dos aspectos mais relevantes quando se analisa a conveniência do ingresso brasileiro.

Contrariando a política de governos anteriores, inclusive do PT, a atual gestão decidiu congelar as negociações. No governo Lula 3, um grupo de trabalho foi criado, em agosto de 2023, para tratar do assunto, mas ele não se reúne com frequência. A primeira reunião de 2025 ocorreria no final de janeiro, mas foi adiada. O motivo foi que apenas 40% dos ministérios responderam, até agora, ao Itamaraty sobre as avaliações de impacto das medidas. Surge, agora, a notícia de que o governo Lula reavalia o memorando com os termos da adesão do Brasil à OCDE.

A organização é parte integrante do G-7 e do G-20 e subsidia os países-membros com dados e elementos de análise para as discussões. Mas, em 2024, pela primeira vez na história do G20, o governo brasileiro resolveu rebaixar a OCDE como uma das organizações centrais na preparação para a Cúpula do Rio de Janeiro e inclui-la apenas como “convidada” em vários dos trabalhos do grupo.

A resistência do governo Lula em concluir os procedimentos de entrada na OCDE tem, principalmente, motivações ideológicas e políticas. Primeiro, uma premissa de que o “clube” tem um viés neocolonialista, pois é liderado por potências ocidentais que defendem a adesão dos demais países a uma série de regras. Isso num contexto em que esses setores do governo têm preferência por uma ordem mundial na qual o Sul Global e organismos como os Brics sejam priorizados. Segundo, há uma visão de que a OCDE vem se tornando um bloco com um viés mais político do que econômico. A organização, por exemplo, condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2023, o que gerou críticas da diplomacia brasileira por não ser uma instância diplomática. Politicamente, a resistência serve ainda como contraponto aos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, que tiveram como uma das prioridades em política externa a adesão ao bloco. Bolsonaro, inclusive, tratou diretamente do assunto com Donald Trump, em 2019, e ganhou o apoio público dele à reivindicação. A assessoria especial para assuntos internacionais da Presidência da República lidera a oposição ao ingresso na OCDE, com o apoio da Casa Civil, do PT e de parte do Itamaraty.

Dentro do próprio governo Lula, apesar da oposição do Palácio do Planalto, há setores favoráveis à adesão, como o Ministério da Fazenda, o do Planejamento e Orçamento, o do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e a Controladoria-Geral da União.

Apesar de a resistência ideológica ter atrasado o processo, o Brasil continua a ter uma relação próxima com a OCDE. O chanceler Mauro Vieira já esteve, por duas vezes, na sede da organização em Paris. Em dezembro, houve a assinatura de um termo na área de integridade da informação, um setor que o governo Lula, em geral, prioriza. Além disso, muitas instituições, como agências reguladoras (CVM e Cade), TCU e STF, além de governos estaduais, têm contato direto com a organização.

O momento para discutir a entrada ou não do Brasil na OCDE não poderia ser mais oportuno. A mudança a favor do acesso ajudaria a desfazer a percepção no exterior de que Brasília está deixando de ter uma atitude de equidistância nas disputas e tensões entre os EUA e a China/Rússia para se alinhar a um dos lados. O ingresso na OCDE mostraria a independência do Brasil, país ocidental, mas com crescentes interesses na Ásia, em especial no mercado chinês, e indicaria que o assunto é tratado como uma estratégia de Estado, com menos ideologia e mais pragmatismo. •

Nenhum comentário: