O Estado de S. Paulo
Contrariando a política de governos anteriores, inclusive do PT, a atual gestão decidiu congelar as negociações
A Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), um dos principais centros de discussão e
definição das agendas econômica, comercial, financeira, social e ambiental
global, é integrada por 38 países, inclusive Chile, México, Colômbia (governos
de esquerda) e Costa Rica. A Argentina busca acelerar seu ingresso na
organização.
Ao Brasil, seria importante ingressar na OCDE para poder influir no exame de questões que afetam os interesses nacionais e que serão reguladas internacionalmente neste ou em outros fóruns. Iniciadas na década de 1990, as relações do Brasil com a OCDE foram intensificadas gradualmente nos governos Cardoso, Lula e Rousseff. Em 2007, junto com outros cinco países, o Brasil virou “parceiro prioritário” da organização. Em 2015, o então chanceler Mauro Vieira assinou acordo de cooperação com a organização. Em 2017, o Brasil submeteu pedido de adesão à OCDE, mas o seu processo de acessão só foi iniciado em 2022, no governo Bolsonaro, juntamente com Argentina, Peru, Indonésia, Tailândia, Croácia, Romênia e Bulgária.
Depois de o conselho da organização aceitar
um país como candidato, os membros definem o trajeto a ser seguido para a
acessão. O passo inicial – que o Brasil já cumpriu – é a apresentação de
memorando, pelo país candidato, contendo sua posição em relação aos
instrumentos da OCDE (252 declarações, recomendações e decisões), com a
possibilidade de estabelecimento de prazos e condições para a adesão. O Brasil
já participa de todos os comitês técnicos da organização e contribui para as
discussões e formulações de políticas internacionais, um dos aspectos mais
relevantes quando se analisa a conveniência do ingresso brasileiro.
Contrariando a política de governos
anteriores, inclusive do PT, a atual gestão decidiu congelar as negociações. No
governo Lula 3, um grupo de trabalho foi criado, em agosto de 2023, para tratar
do assunto, mas ele não se reúne com frequência. A primeira reunião de 2025
ocorreria no final de janeiro, mas foi adiada. O motivo foi que apenas 40% dos
ministérios responderam, até agora, ao Itamaraty sobre as avaliações de impacto
das medidas. Surge, agora, a notícia de que o governo Lula reavalia o memorando
com os termos da adesão do Brasil à OCDE.
A organização é parte integrante do G-7 e do
G-20 e subsidia os países-membros com dados e elementos de análise para as
discussões. Mas, em 2024, pela primeira vez na história do G20, o governo
brasileiro resolveu rebaixar a OCDE como uma das organizações centrais na
preparação para a Cúpula do Rio de Janeiro e inclui-la apenas como “convidada”
em vários dos trabalhos do grupo.
A resistência do governo Lula em concluir os
procedimentos de entrada na OCDE tem, principalmente, motivações ideológicas e
políticas. Primeiro, uma premissa de que o “clube” tem um viés neocolonialista,
pois é liderado por potências ocidentais que defendem a adesão dos demais
países a uma série de regras. Isso num contexto em que esses setores do governo
têm preferência por uma ordem mundial na qual o Sul Global e organismos como os
Brics sejam priorizados. Segundo, há uma visão de que a OCDE vem se tornando um
bloco com um viés mais político do que econômico. A organização, por exemplo,
condenou a invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2023, o que gerou
críticas da diplomacia brasileira por não ser uma instância diplomática.
Politicamente, a resistência serve ainda como contraponto aos governos de
Michel Temer e Jair Bolsonaro, que tiveram como uma das prioridades em política
externa a adesão ao bloco. Bolsonaro, inclusive, tratou diretamente do assunto
com Donald Trump, em 2019, e ganhou o apoio público dele à reivindicação. A
assessoria especial para assuntos internacionais da Presidência da República
lidera a oposição ao ingresso na OCDE, com o apoio da Casa Civil, do PT e de
parte do Itamaraty.
Dentro do próprio governo Lula, apesar da
oposição do Palácio do Planalto, há setores favoráveis à adesão, como o
Ministério da Fazenda, o do Planejamento e Orçamento, o do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços e a Controladoria-Geral da União.
Apesar de a resistência ideológica ter
atrasado o processo, o Brasil continua a ter uma relação próxima com a OCDE. O
chanceler Mauro Vieira já esteve, por duas vezes, na sede da organização em
Paris. Em dezembro, houve a assinatura de um termo na área de integridade da
informação, um setor que o governo Lula, em geral, prioriza. Além disso, muitas
instituições, como agências reguladoras (CVM e Cade), TCU e STF, além de
governos estaduais, têm contato direto com a organização.
O momento para discutir a entrada ou não do
Brasil na OCDE não poderia ser mais oportuno. A mudança a favor do acesso
ajudaria a desfazer a percepção no exterior de que Brasília está deixando de
ter uma atitude de equidistância nas disputas e tensões entre os EUA e a
China/Rússia para se alinhar a um dos lados. O ingresso na OCDE mostraria a
independência do Brasil, país ocidental, mas com crescentes interesses na Ásia,
em especial no mercado chinês, e indicaria que o assunto é tratado como uma
estratégia de Estado, com menos ideologia e mais pragmatismo. •
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