Déficit crescente impõe nova reforma da Previdência
O Globo
Levantamento mostra que pagamento de
aposentadorias e pensões aumentou 60% entre 2015 e 2024
São eloquentes os sinais de que as contas da Previdência se tornam a cada dia mais insustentáveis. Um levantamento feito pelo Tesouro Nacional a pedido do jornal Valor Econômico mostra que o déficit com pagamento de aposentadorias e pensões da iniciativa privada, servidores federais e militares cresceu 60% nos últimos nove anos. Em 2024, foram pagos R$ 417 bilhões (3,45% do PIB ). Em 2015, eram R$ 261 bilhões, ou 2,64% do PIB (os dados foram corrigidos pela inflação).
A maior parte do déficit de 2024 ficou no
âmbito do INSS,
responsável pelas aposentadorias do setor privado. O resultado foi de R$ 305
bilhões negativos, ou 2,5% do PIB (em 2015, eram R$ 141 bilhões, ou 1,43%).
Causa fundamental do aumento é o reajuste do salário mínimo acima da inflação.
Quase dois terços (64%) dos benefícios pagos correspondem ao mínimo. No caso
dos servidores federais e militares, houve pequena redução no déficit, em razão
do aumento na receita com contribuições previdenciárias (para servidores
federais, de 0,67% para 0,50% do PIB; para militares, de 0,54% para 0,43%). A
reforma previdenciária de 2019 estabeleceu para os servidores da União a
cobrança de alíquotas progressivas de contribuição. No caso dos miliares, uma
nova legislação mudou o plano de carreira e criou contribuição para pensionistas.
Não há dúvida de que a reforma trouxe ganhos.
Mas eles se mostram insuficientes para suportar o aumento de gastos e o
envelhecimento da população. Pelas previsões, os efeitos positivos se esgotam
já em 2027. Isso torna urgente uma nova reforma para corrigir regras que
sofreram correções brandas ou nem foram mudadas. O peso crescente do déficit
exige alterações no cálculo das aposentadorias do INSS, dos servidores públicos
e na proteção social de militares. As mudanças precisam chegar também a estados
e municípios. Pouco mais de um terço das cidades (37%) e apenas 17 estados
seguem as regras previdenciárias mais rigorosas do governo federal.
Não dá mais para adiar decisões necessárias.
É preciso desvincular do salário mínimo a correção das aposentadorias (assim
como do Benefício de Prestação Continuada, voltado a idosos e deficientes de
baixa renda). O pente-fino que o governo tem feito para combater fraudes é
medida paliativa, insuficiente para resolver o problema estrutural. É razoável
que o mínimo obtenha ganho real à medida que país cresça, mas a regra não
deveria ser aplicada às aposentadorias ou ao BPC, cujo poder de compra
continuaria garantido pela correção de acordo com a inflação. Tratar situações
diferentes da mesma forma é a principal causa da disparada do déficit.
O país tem envelhecido em ritmo mais rápido
que o esperado, como constatou o último Censo. Nos próximos anos, a tendência é
os beneficiados aumentarem e os contribuintes diminuírem. Não é difícil prever
que a conta não fechará, uma vez que hão haverá gente suficiente para sustentar
os pagamentos. Já seria uma situação que mereceria ajustes se os números fossem
confortáveis. Não é o caso — e eles e só devem piorar. O déficit contamina todo
o governo, que deveria gastar em outras prioridades além de pagar aposentadorias
e benefícios. Pode parecer prematuro falar em nova reforma da Previdência cinco
anos depois da última, mas basta olhar o rombo crescente para perceber que a
hora já chegou.
Vitória de Merz na Alemanha embute alerta
sobre avanço de partidos radicais
O Globo
Legendas de centro ganham chance de aliviar
angústias econômica e migratória, mas pode ser a última
Com previsão de obter 208 entre 630 cadeiras
no Parlamento, a União Democrata-Cristã (CDU) venceu as eleições de domingo
na Alemanha.
Em parceria com a bávara União Social-Cristã (CSU), os conservadores liderados
por Friedrich Merz receberam a maior fatia dos votos (28,5%) e têm agora a
missão de costurar uma coalizão para assumir o governo. Desde a saída de Angela
Merkel do poder, a legenda de centro-direita estava na oposição. Agora, o
cenário mais provável é uma aliança com o Partido Social-Democrata (SPD), do
impopular chanceler Olaf Scholz,
que obteve 16,4% dos votos e 120 cadeiras. Apesar de representar um alívio por
manter o poder nas mãos dos mais tradicionais partidos alemães, a vitória
também representa um alerta.
O resultado é o segundo pior da história da
CDU desde a Segunda Guerra, apenas quatro pontos percentuais acima do pior
desempenho, registrado em 2021. O SPD, principal sigla de centro-esquerda,
perdeu 9 pontos percentuais desde a eleição anterior e, pela primeira vez,
ficou em terceiro lugar. As duas grandes forças políticas do Pós-Guerra
sofreram erosão. Se não derem resposta à altura da demanda do eleitorado,
estará pavimentado o caminho para os extremistas, que alcançaram resultado
inédito nas eleições.
A Alternativa para a Alemanha (AfD), legenda
de ultradireita, foi a que mais avançou. Com a adesão de jovens e eleitores que
não costumam votar, dobrou sua fatia do eleitorado para 20,8% e conquistou 152
cadeiras. O discurso contra imigrantes lhe rendeu o melhor resultado de um
partido radical na política alemã desde a vitória nazista em 1933. Não fará
parte da coalizão governista porque os partidos de centro se recusam. O partido
A Esquerda, outra legenda radical que nem sequer ultrapassara a cláusula de desempenho
de 5% em 2021, recebeu 8,8% dos votos e conquistou 64 cadeiras.
A razão para o crescimento da votação entre
os extremistas é conhecida. A economia alemã está em recessão há dois anos,
enquanto os países ricos cresceram em média 1,7% ao ano. O setor automotivo,
símbolo da pujança industrial, ficou para trás na corrida da eletrificação. O
investimento menor em infraestrutura e educação teve impacto na produtividade.
Digitalização lenta e inovação deficiente também preocupam. Para o eleitor,
está claro que o país já viveu tempos melhores.
Tal conjuntura é terreno fértil para a
xenofobia, explorada por radicais. Em 2015, Merkel permitiu a entrada de
centenas de milhares de estrangeiros em busca de trabalho e asilo. Apesar de os
refugiados não serem, segundo estudos, mais propensos a cometer crimes,
atentados terroristas têm sido mais frequentes e contribuído para ampliar
temores. Para atender à preocupação dos eleitores, Merz tem prometido medidas
mais duras, como dificultar os pedidos de asilo. A sensação é que, com o
resultado das urnas, os partidos de centro ganharam uma chance de tentar
aliviar as angústias do eleitor nas políticas econômica e migratória. Se não
der certo, pode ser a última — e os extremistas estão à espreita.
Moderados resistem à aliança de Trump e à
direita na Alemanha
Valor Econômico
As extravagâncias do presidente americano
podem unir a Europa e dela reaproximar o Reino Unido, que se retirou da UE
A eleição para o parlamento alemão confirmou
expectativas ruins para a maior economia da Europa. As duas maiores legendas
tradicionais, a União Democrata Cristã (CDU) e sua aliada União Social Cristã
(CSU), com 28,5% dos sufrágios, venceram o pleito, mas tiveram seu segundo pior
desempenho nas urnas desde 1949. O SPD, a social-democracia alemã, foi pior.
Depois do fraco governo de Olaf Scholz, obteve 16,4% dos votos, o menor apoio
desde 1887. Avançaram a extrema-direita da Alternativa para a Alemanha (AfD),
com 20,8%, e a Esquerda (Die Linke), com 8,5%, que conquistou votos dos jovens
entre 18 e 24 anos. Friedrich Merz, líder do CDU, poderá ´formar governo com os
social-democratas, com maioria tênue de 13 cadeiras nas 630 do Bundestag.
Poderia parecer mais um governo de coalizão dos contrários no estilo alemão,
mas nada está tão distante disso. O mapa geopolítico está mudando e colocou
sérios desafios para a segunda maior economia da região, a Franca, onde
Emmanuel Macron sofre o cerco da esquerda e da extrema-direita. O eixo da
estabilidade europeia, a aliança França-Alemanha, está abalado.
A eleição foi mais disputada que as demais -
teve um dos maiores engajamentos da história, com 82,5% de comparecimento -,
por fatores internos e externos. Entre os primeiros, estão a forte onda de
apoio ao AfD, partido que abriga neonazistas, com alguns membros hoje na prisão
por tentativa de golpe de Estado, e uma crise econômica que levou o país à
beira da estagnação econômica. Mas os fatores externos são tão ou mais
importantes quanto os domésticos para sinalizar o futuro. Nunca se viu o
governo americano fazer propaganda eleitoral aberta a favor da extrema-direita,
e interferir diretamente nos assuntos internos de um país desenvolvido, ainda
por cima um aliado dos EUA de longa data.
Elon Musk, o bilionário com funções no
governo de Donald Trump, participou por vídeo de solenidades da AfD. O
vice-presidente J. D. Vance foi mais agressivo. Ele disse na Conferência de
Segurança Europeia que o maior desafio da Europa não era a Rússia, que deixou o
continente sem gás, mas o “afastamento da Europa de seus valores democráticos
mais fundamentais”. Criticou o cordão de isolamento, criado desde o fim da
Segunda Guerra, pelos partidos democráticos para separar as legendas
extremistas, para em seguida encontrar-se com Alice Weidel, colíder da AfD.
O progresso da extrema-direita não é uma
fatalidade nem tampouco inexorável no futuro. Ele alimentou-se do
descontentamento geral com o fraco e indeciso governo tripartite de Olaf
Scholz, da paralisia da outrora poderosa máquina econômica alemã e de atentados
recentes realizados por imigrantes no país. Há décadas seu congênere francês, o
RPR, hoje chefiado por Marine Le Pen, tenta, sem sucesso, chegar a presidir a
França. Já os trabalhistas ingleses deram uma surra na direita radical de Nigel
Farage, o Reform UK. Partidos ultraconservadores na Espanha e Portugal
cresceram, mas têm sido derrotados.
A tarefa do novo governo alemão foi em parte
facilitada porque o prognóstico de uma maior fragmentação da representação
partidária no parlamento não se confirmou. Os liberais do FDP e os stalinistas
do BSW não ultrapassaram a barreira dos 5%, desobrigando Merz da penosa tarefa
de formar uma coalizão com três ou mais partidos. Com os social-democratas, é
possível ter a maioria, menos para um ponto vital do programa da CDU do qual
Scholz discordou e derrubou a aliança na gestão passada, abrindo caminho a novas
eleições: o freio da dívida.
A Constituição alemã obriga o governo federal
e os Estados ao equilíbrio orçamentário e não permite que endividamento via
crédito conte como receitas para fechar as contas. O governo federal tem um
atenuante de 0,35% do PIB de US$ 4,2 trilhões (ou US$ 15 bilhões) para gastos
em situações extraordinárias. O objetivo da CDU é aumentar as despesas com
armamentos, o que os governos europeus estão fazendo depois que os “EUA se
tornaram amplamente indiferentes ao destino da Europa”, nas palavras de Merz.
As ações de Trump apontam na direção de uma
nova ordem em que ditarão as regras os EUA, a China, a Rússia e quem mais as
idiossincrasias do presidente americano julgarem digno de negociação. Ao alijar
os europeus na negociação da paz na Ucrânia, não considerar a invasão russa
como agressão e extorquir a Ucrânia para que pague pelo auxílio militar, Trump
deu uma amostra do que será a lei dos mais fortes no mapa de poder global.
A Europa, por sua força militar e econômica -
maior bloco comercial do mundo e maior exportador de bens e serviços -, pode
firmar-se como uma alternativa em um mundo multipolar, se conseguir achar seu
centro. As extravagâncias de Trump podem unir a Europa e dela reaproximar o
Reino Unido, que se retirou da UE. Espaços comerciais e políticos abertos serão
importantes para potências médias como o Brasil, que até hoje evitaram
alinhar-se em disputas de blocos hegemônicos. Ao afirmar sua independência, a
Europa pode tornar-se um anteparo às tendências autoritárias que Trump tenta
hoje galvanizar.
Ascensão da extrema direita na Alemanha desafia a Europa
Folha de S. Paulo
Democratas-cristãos vencem eleições, seguidos
por partido radical; economia, Trump e Guerra da Ucrânia serão desafios
Um número recorde de alemães, 83% do
eleitorado, foi às urnas neste domingo (23) para escolher o novo governo do
país mais importante da União
Europeia. A mensagem deixada por eles é inquietante e lança sombras sobre o
futuro político do continente.
Primeiro, as boas notícias. A saída de Olaf Scholz do
comando da principal nação europeia abre a possibilidade do rompimento da
inércia que marcou sua tíbia, e breve, passagem pelo poder.
O social-democrata preside a maior estagnação
econômica alemã do pós-guerra, com a previsão de um crescimento nulo em 2025.
No campo externo, ficou a reboque dos Estados
Unidos no trato da Guerra da Ucrânia e
se debatia atordoado ante o alinhamento
recente proposto por Donald Trump com Vladimir Putin.
Se é incerta a capacidade do provável futuro
premiê Friedrich Merz, líder dos democratas-cristãos, em mudar o cenário, ao
menos seu diagnóstico do estado das coisas soa lúcido.
Nesta segunda (24), ele listou suas três
prioridades imediatas: reorganizar o papel da Europa na
guerra, abordar o espinhoso tema da imigração e buscar o estímulo da economia.
Merz ainda fez uma clara advertência acerca do principal recado das urnas.
De acordo com ele, a
expressiva votação na agremiação de extrema direita Alternativa para
a Alemanha (AfD)
representa "o último sinal de alerta para que os partidos políticos do
centro democrático da Alemanha encontrem consenso".
A AfD teve 20,8% dos votos, tornando-se a
segunda maior força do país, atrás da direita tradicional dos
democratas-cristãos, que amealharam 28,6%. Com isso, o partido radical terá 152
deputados no novo Parlamento.
Quando surgiu, em 2013, a sigla não chegou a
romper os 5% mínimos para ingressar no Legislativo federal. Não chega a ser uma
ascensão tão fulminante quanto a de seus antepassados liderados por Adolf Hitler,
que foram de 2,64% em 1928 para 43,91% cinco anos depois, e a AfD já registrou
refluxos antes: chegou a ser a terceira força em 2017, caindo para o quinto
lugar em 2021.
De lá para cá, o clima político mudou na
Europa. Se não chegou a beijar a cruz do centrismo como Marine Le Pen na França ou a
já vitoriosa Giorgia
Meloni na Itália, a AfD
tem buscado se afastar de suas origens mais extremas.
Por outro lado, seu DNA tem sido reforçado
com a volta de Trump. O americano celebrou o "grande dia para a
Alemanha" elogiando Merz, mas seu escudeiro Elon Musk foi
apoiador e financiador da AfD na eleição.
Isso pressionará Merz, sobretudo na área da
imigração, na qual ele já cedera de forma polêmica ao aceitar apoio da AfD em
uma votação. Agora, diz querer formar coalizão com os sociais-democratas e,
talvez, os verdes.
A AfD reclama poder, mas por ora deverá ficar
à margem, observando o desempenho do rival conservador. Assim como o resto da
Europa e do mundo.
É preciso delimitar o poder das guardas
municipais
Folha de S. Paulo
Supremo autoriza que as corporações atuem
como polícia, mas falta clareza sobre como serão integradas a outras forças
Guardas municipais podem atuar como polícia, decidiu
na quinta-feira (20) o Supremo Tribunal Federal, entretanto o debate
sobre o tema ainda não está encerrado.
Como a corte demarcou limites ainda
nebulosos, cabe aos demais poderes regular na prática a atribuição de
policiamento para evitar conflito de competências com as polícias militares,
subordinadas aos governos estaduais.
Na última década, em resposta ao anseio
legítimo da sociedade por segurança efetiva, guardas municipais expandiram a
função de proteção do patrimônio público, prevista na Constituição. Das 22
atuantes em capitais, 20 estão armadas e algumas, como a de São Paulo, contam
até com fuzís.
Em 2023, o STF já havia
confirmado que essas corporações integram o Sistema de Segurança Pública. O
diferencial de sua última decisão neste mês é que, agora, municípios podem
atribuir em lei a competência de segurança a suas guardas, incluindo
policiamento ostensivo e comunitário.
Impulsionando essa mudança, há dois
movimentos: de um lado, o interesse eleitoral de prefeitos para contar com
agentes sob sua autoridade e, de outro, um debate sério sobre como promover
políticas integradas no setor.
Mais importante é esclarecer onde começa e
onde termina o poder dessas forças no trato com a população e como será sua
relação com as polícias estaduais.
Ademais, a ampliação do raio de ação das
guardas municipais, por si só, não resolverá os vários problemas em segurança.
Os dados referentes ao trabalho dessas forças
ainda são opacos, diferentemente das polícias, que, apesar das falhas,
instituíram a divulgação
sistemática de números sobre letalidade.
Apenas aumentar o efetivo de homens não reduz
a criminalidade. É necessário implementar protocolos de uso da força, cadeias
de comando e responsabilidade, distribuir agentes no território das cidades com
base em evidências, além de investir em tecnologias e inteligência
investigativa —subutilizada em prol de grandes operações que não raro descambam
em violência.
Ações de zeladoria das prefeituras em
iluminação, sinalização e pavimentação, principalmente em regiões mais
vulneráveis, também se mostram positivas para a segurança da população.
Embora o Supremo afirme que as competências
das guardas municipais não podem se sobrepor às atribuições investigativas e
ostensivas das polícias civil e militar, é preciso atenção para que guardas
civis, cada vez mais armadas, não se tornem uma versão menos treinada das
polícias.
STF cria polícia municipal
O Estado de S. Paulo
Pela Constituição, o policiamento ostensivo é
tarefa da PM, mas o Supremo entendeu que a segurança pública está ruim e que é
preciso dar poder de polícia às guardas municipais
Por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu que as guardas municipais podem realizar policiamento ostensivo,
incluindo abordagens, revistas pessoais e apreensões, desde que “respeitadas as
atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstas no artigo 144 da
Constituição federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária”. Na
prática, o STF equiparou a atuação dos agentes municipais à dos policiais
militares, uma decisão que seguramente esteve mais orientada pelo populismo do que
pelo respeito à Lei Maior.
A tese de repercussão geral foi fixada no
julgamento de um recurso interposto pela Câmara Municipal de São Paulo contra a
decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que julgou
inconstitucional uma lei aprovada em 2004 para ampliar as atribuições da Guarda
Civil Metropolitana (GCM). À época, o TJ-SP considerou que o Poder Legislativo
municipal invadiu a competência do Estado para legislar sobre segurança
pública. Ato contínuo à decisão do Supremo, o prefeito da capital paulista,
Ricardo Nunes (MDB), anunciou que a GCM passará a ser chamada de Polícia
Metropolitana.
Em defesa do que chamou de “federalismo de
cooperação”, o ministro relator do caso no STF, Luiz Fux, sustentou que o País
“vive uma crise muito grande de segurança pública”, razão pela qual a Corte
deve contribuir, e não “criar barreiras”, para a integração das forças de
segurança das três esferas da administração. Relevando a platitude, se inexiste
integração das forças de segurança, não é por falta de previsão legal nem muito
menos por desamparo do texto constitucional. Somada à agenda corporativista que
permeia a atuação estanque de policiais civis e militares, entre outras razões,
a tibieza de governos estaduais não raro contribui para que essas corporações
não conversem nem entre si, que dirá com guardas municipais. Ou seja, o STF
nada mais fez do que adicionar uma terceira parte nesse concerto dissonante.
Não resta dúvida de que poucos são os
brasileiros que saem às ruas hoje e não sentem medo de ser vítimas da violência
urbana. É notório que o País carece de boas políticas de segurança pública,
aptas a resguardar a integridade física e patrimonial dos cidadãos. Portanto,
não se nega que é necessário mais patrulhamento, sobretudo nas grandes cidades,
e não menos. Há poucos dias, este mesmo jornal pediu exatamente isso ao poder
público paulista quando se posicionou sobre o terrível assassinato do ciclista
Vitor Medrado, vítima de latrocínio no entorno do Parque do Povo, na zona oeste
da capital paulista.
É preciso salientar, ainda, que a Polícia
Militar (PM) tem sido empregada em operações de combate ao crime que muitas
vezes disputam recursos humanos com o patrulhamento de rua. Todavia, como muito
bem salientou o ministro Cristiano Zanin em seu voto contrário ao do relator,
acompanhado pelo ministro Edson Fachin na divergência, não se pode “eximir a
PM, que tem o papel de policiamento ostensivo, de fazer essa diligência”.
Com uma clareza constrangedora, tratando-se
de um ministro novato, Zanin precisou relembrar a seus pares veteranos de STF
que, “se há um problema de falta de efetivo (das PMs), temos de resolver dentro
do que a Constituição prevê, e não dando aos guardas (municipais) uma
atribuição que a Constituição não dá”. É tão simples quanto isso: conforme o
artigo 144, parágrafo 5.º, “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública”, enquanto o parágrafo 8.º estabelece que “os
municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus
bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Portanto, não parece
haver dúvida sobre as atribuições. Mas Zanin foi derrotado pela demagogia.
Decidida a questão pela mais alta instância
do Poder Judiciário, agora só resta torcer para que os municípios que tenham
guardas metropolitanas estejam preparados para capacitar bem seus agentes para
o exercício do patrulhamento ostensivo. Como bem sabem os habitantes de muitas
cidades brasileiras, esse serviço público elementar já é falho mesmo quando
exercido por uma força policial concebida para esse fim no Estado Democrático
de Direito, como é a Polícia Militar.
A necessidade de investir em Defesa
O Estado de S. Paulo
Os gastos com Defesa no Brasil são
disfuncionais e se contraem há décadas. O País é pacífico, mas, se quiser se
manter independente num mundo mais perigoso, precisará se armar melhor
Segundo o Instituto Internacional de Estudos
Estratégicos, os gastos militares no mundo aumentaram 7,4% em 2024, atingindo
um recorde de US$ 2,46 trilhões. É o reflexo de um cenário geopolítico marcado
por incertezas: a truculência russa; a agressividade chinesa; as ameaças dos
EUA à sustentação do multilateralismo e da aliança transatlântica; a
volatilidade no Oriente Médio; os conflitos na África e na Ásia; a proliferação
de antigas tecnologias, como armas nucleares, e o avanço de novas, como a
inteligência artificial. Os gastos crescem há pelo menos dez anos, mas nos
últimos três o aumento foi exponencial: 3,5% em 2022 e 6,5% em 2023. Na
proporção do Produto Interno Bruto (PIB) global, aumentaram de 1,59% em 2022
para 1,94% em 2024.
O Brasil está na contramão. A Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan) preconiza um gasto mínimo com defesa de 2% do
PIB. Mas nos últimos 30 anos os gastos brasileiros caíram de 1,8% para quase
1,1%. Além da defasagem quantitativa há disfunções qualitativas. Entre os 29
países da Otan, só 9 gastam mais de 50% com pessoal e só 3 gastam menos de 20%
com investimentos. No Brasil, cerca de 85% do orçamento de Defesa se destina a
pagamento de pessoal e pouco mais de 6% a investimentos. Do pouco que se investe,
a maior parte é alocada na manutenção de uma estrutura defasada e só uma
parcela marginal em novas tecnologias.
Os problemas orçamentários refletem uma
carência de ideias. O último conflito em que o País foi protagonista foi há
mais de 150 anos, no Paraguai. As fronteiras foram consolidadas há mais de cem
anos pela diplomacia. A América do Sul está distante das zonas de choque
militar. Tudo isso explica, mas não justifica, a defasagem de uma cultura de
defesa.
Fatores como esses deveriam ser, em tese,
ativos, mas transformaram-se, na prática, em passivos, pela complacência com
uma estratégia de defesa em um mundo cada vez mais perigoso. Agora mesmo, um
país vizinho, a Venezuela, nutre ambições de ocupar territórios de outro, a
Guiana, ao lado da Margem Equatorial brasileira, que, tudo indica, contém
imensas reservas de petróleo. Uma ocupação estrangeira da Amazônia é uma
hipótese surreal, mas há algumas semanas também o era a anexação do Canal do
Panamá ou da Groenlândia. Esses riscos reais, mas relativamente remotos para a
soberania nacional, convivem com outros prementes, como a expansão do
narcotráfico e ameaças cibernéticas.
Na fronteira cibernética, assim como na
nuclear e espacial, as defesas brasileiras estão fossilizadas. Ao contrário das
cadeias de valor em geral, na defesa a autossuficiência é uma prioridade
estratégica, mas a base industrial nacional é pequena e dependente de
importações. O governo anunciou R$ 112,9 bilhões em investimentos na indústria
de defesa até 2026 (R$ 80 bilhões dos cofres públicos e o resto da iniciativa
privada). É um alento, mas insuficiente, mesmo na hipótese remota de esses
recursos saírem do papel.
Estratégias de defesa exigem investimentos
pesados e planejamento de longo prazo. A indústria nacional de defesa poderia
atrair investimentos privados e exportar armamentos de complexidade média,
gerando empregos e divisas. Mas isso exigiria mais segurança jurídica e
relações diplomáticas menos erráticas. De todo modo, na Defesa o investimento
estatal sempre será crucial. Uma condição para sustentar uma estratégia
nacional seria criar regras orçamentárias plurianuais blindando políticas de
Estado das oscilações dos governos de turno.
Na falta dessas regras, os recursos militares
são sempre os primeiros a serem sacrificados nos contingenciamentos
orçamentários. Reflexo disso são as defasagens nas compras de caças ou de
tecnologias para submarinos. Após uma longa licitação do Exército, a compra de
blindados de uma empresa israelense foi obliterada por razões puramente
ideológicas do governo. Em 2025, os investimentos em Defesa devem cair 1%.
Num mundo em que impera cada vez mais a lei
do mais forte, o Brasil ainda é uma potência regional média. Mas se não
repensar rapidamente sua estratégia de defesa, pode se ver reduzido antes cedo
do que tarde à mais humilhante (e custosa) impotência.
A Alemanha corre contra o tempo
O Estado de S. Paulo
Mudanças são urgentes, mas é incerto se a
articulação entre moderados de direita e de esquerda as entregará
A Alemanha precisa de mudanças. Os alemães
querem mudanças. Se serão no sentido da renovação ou de mais confusão,
dependerá da habilidade política do novo governo.
Os riscos se refletiram nas ambivalências das
eleições. Em um sentido, os eleitores votaram por estabilidade; em outro, por
transformações expressivas. A tradicional “grande coalizão” entre moderados de
direita e de esquerda deve governar de novo, agora liderada pelos conservadores
da democracia cristã (CDU). Mas seu crédito está baixo. A CDU, liderada por
Friedrich Merz, venceu, mas foi seu segundo pior desempenho no pós-guerra, só
acima do de 2021. Os social-democratas, que lideram o governo e devem compor o
próximo, tiveram seu pior resultado em 137 anos. De seus dois parceiros no
governo, os verdes perderam votos, e os liberais nem sequer passaram a linha de
corte e estão fora do Parlamento.
O comparecimento às urnas foi alto, 82,5%,
mas a irritação com a política tradicional também: os radicais de direita da
Alternativa para a Alemanha (AfD) dobraram seus votos e serão a segunda força
no Parlamento; os radicais da esquerda se revigoraram.
O governo precisa robustecer a defesa,
responder às ansiedades com a imigração e reativar uma economia que não cresce
há cinco anos e se encaminha para o terceiro ano de recessão, ao mesmo tempo em
que os fundamentos do sucesso alemão no pós-guerra desmoronam: o livre comércio
é espremido entre o protecionismo americano e o capitalismo de Estado chinês,
enquanto a segurança europeia é abandonada pelos EUA e ameaçada pela Rússia.
Recusando o centrismo de sua antecessora na
CDU, Angela Merkel, Merz se moveu à direita e prometeu mais assertividade sobre
a imigração, contra a Rússia e em favor da independência da Europa ante os EUA.
Na economia, ele quer mais competitividade com menos impostos e regulações. Mas
o país precisa investir em infraestrutura e defesa defasadas, o que implica
decisões indigestas para a direita, como flexibilizar o teto da dívida, e para
a esquerda, como revisões nos gastos sociais e em políticas superaquecidas de
energia verde que estão desidratando a indústria.
Os social-democratas são refratários a
mudanças pró-mercado e mesmo a CDU está dividida. O próprio Merz é menos
incisivo em relação às políticas energéticas e ao teto da dívida, e para
revê-lo precisará fazer concessões para lograr uma maioria constitucional.
A AfD foi o único partido que conclamou
decisivamente revisões das políticas energéticas e imigratórias. Mas Merz
deixou claro que ela é incompatível com a CDU. De fato, se há um alarmismo
exagerado em relação às “extremas direitas”, no caso da AfD é justificado: suas
afinidades com o nazismo são reais e, contrariamente ao que dizem os
trumpistas, é hostil aos EUA e simpática à Rússia.
Em resumo, o eleitorado está impaciente e ansioso por mudanças à direita. Elas são urgentes, o tempo é curto, e não é certo que a nova coalizão as entregará. A política tradicional alemã ganhou uma nova chance de revigorar o “motor” da Europa e superar suas ameaças existenciais. Mas pode ser a última.
Violência contra as mulheres não tem limites
Correio Braziliense
Na avaliação do presidente do Fonavid,
educação e prevenção são indispensáveis para conter a violência que afeta o
universo feminino
Uma grávida de 19 anos foi morta com um tiro
na cabeça dentro de uma igreja evangélica, na cidade de Planaltina, cidade do
Distrito Federal, na frente da filha de 2 anos. O autor era ex-companheiro da
vítima, que recuou da decisão de deixar a guarda da menina. A violência contra
mulheres não parou aí no Distrito Federal neste último fim de semana. Um
motorista de aplicativo, estuprou uma jovem, também de 19 anos, dentro do
carro, no percurso entre Samambaia e Ceilândia, onde ela reside.
Casos lastimáveis como esses alimentam um
banco de dados de violência contra as mulheres que agrega outras perversidades,
como espancamentos, tortura, humilhações, assédio moral, violência psicológica
e sexual. Trata-se de uma lista longa de maus-tratos presentes no cotidiano do
universo feminino, praticados dentro e fora de casa, culminando num cenário de
desamparo e insegurança onde quer que as mulheres estejam, com desdobramentos
também nos ambientes virtuais.
Só em 2024, no DF, foram abertos 75
processos de violência contra as mulheres por dia. E, a cada 26 minutos,
ocorria o registro de uma queixa por violência doméstica. Dados do Conselho
Nacional de Justiça indicam que mais de 380 mil casos foram registrados na
Justiça em todo o país, no mesmo ano.
Sexta-feira última, em entrevista ao Podcast
do Correio, o presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), Francisco Tojal Dantas Matos,
reconheceu que "há uma carga muito grande de ódio às mulheres".
Ele destacou que, ao longo de 2023, ocorreram 1.467 feminicídios no Brasil,
sendo 64% das vítimas mulheres negras, reconhecidas como as mais
vulneráveis. Igual percentual foi o de vítimas mortas em casa.
Na avaliação do presidente do Fonavid,
educação e prevenção são indispensáveis para conter a violência que afeta o
universo feminino. Ao lado dessa providência, ele entende como fundamental
regular as redes sociais, pelas quais trafegam mensagens que confundem discurso
de ódio com liberdade de expressão. "A educação é a maior arma contra a
violência. Só a partir da prevenção, a gente vai conseguir mudar essa
realidade", indicou.
Outra frente imprescindível é tornar o
público masculino aliado na luta pelos direitos das mulheres. O juiz defende
que os homens participem dos diálogos, ouçam as mulheres, abram caminho
para que elas alcancem determinados espaços — muitos tidos como exclusivos do
universo masculinos — e, por último, conversem com outros homens que se negam a
escutar as mulheres.
Mas não só isso. O presidente do Fonavid entende como importante dialogar também, de forma harmoniosa, com os Três Poderes. No Congresso e nas casas legislativas caminham pautas que desconstroem os avanços conquistados pelas mulheres e alargam o fosso que impede a equidade de gênero. Provocar o ressurgir de valores incompatíveis com avanços civilizatórios e combiná-los ao reforço de uma educação machista implica banalizar a violência e a discriminação das mulheres em todo os sentidos, na via contrária dos direitos humanos e da Constituição cidadã.
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