Ana Amélia M. C. de Melo e Ivenísia Torres de Oliveira
Apresentação
Este livro reúne trabalhos que se dedicam a assuntos e problemas de interesse da linha de pesquisa Cultura e Poder, do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Ceará.
Ao referir-nos nomeadamente à cultura e política pretendemos não apenas incluir algumas abordagens que, atualmente no Brasil, faz em uso da noção de cultura política, como também apresentar um panorama mais amplo de discussões onde se articulam as concepções de cultura e política, apontando para a diversidade de suas contribuições nos estudos históricos. Procuramos explorar, sobretudo, os fecundos intercâmbios interdisciplinares que tomam a história como uma referência necessária. Esses trabalhos representam também o diálogo que temos estabelecido com pesquisadores de diversas instituições em distintas áreas.
Eles procuram analisar a cultura desde diversas perspectivas: da literatura,em suas intrincadas relações com o social; dos impressos, como revistas e jornais, que difundem ideias artísticas e também políticas; do patrimônio urbanístico, como expressão de uma atitude em relação ao lugar; e da política propriamente, com o fim de examiná-la na perspectiva das ideias e valores defendidos por seus atores. O vasto espectro de significações de cultura e sua relação com o social são as ligaduras entre os textos que aqui damos a conhecer.
Os estudos que lidam com literatura procuram pensar a intrincada relação entre a figura social e política dos escritores, as ideias do tempo e a configuração literária das obras. O capítulo elaborado por Eleonora Ziller Camenietzki propõe uma discussão sobre o tema do negro na literatura,examinando o debate atual nos casos de Machado de Assis e Monteiro Lobato. O primeiro vem sendo interrogado por sua pouca intervenção na questão abolicionista e o segundo tem protagonizado uma polêmica de vulto nos últimos anos, devido ao teor considerado racista de alguns de seus livros infantis. O ensaio discute a redefinição atual da relação comesses autores consagrados, a partir das exigências cidadãs contemporâneas,e procura mostrar que, examinando as obras como um todo e não apenas partes isoladas, elas trazem em si mesmas as contradições dos limites ideológicos apontados.
Em “‘Cenas cruas da natureza’ - Cientismo no romance naturalista A carne, de Júlio Ribeiro”, Ângela Mendes de Almeida mostra a relação entre literatura e ideologia. O ensaio destaca a presença massiva do conhecimento e do vocabulário científico-naturalista do século XIX na composição do romance, tanto nas conversas e valores dos protagonistas, quanto na explicação do comportamento de todas as personagens. A autora ressalta ainda o uso desse ideário para fundamentar velhos preconceitos contra os negros e as mulheres.
Irenísia Torres de Oliveira investiga a relação entre indivíduo e sociedade na obra de Lima Barreto, partindo da hipótese de que a afirmação do individualismo que se percebe nos protagonistas de seus principais romances pode ser indício de um momento novo na experiência social brasileira, com repercussões na forma narrativa. O ensaio examina como a construção de um eu nos primeiros anos do Diário íntimo do escritor retoma a orientação e valores que estiveram na base da constituição do romance como gênero na Europa.
No texto seguinte, de autoria de Soledad Falabella Luco, faz-se uma análise histórica e crítica sobre a emergência da mulher na esfera letrada do Chile, nos primeiros anos do século XX. A autora examina a trajetória das escritoras Winétt de Rokha e Gabriela Mistral, procurando evidenciar através dos seus discursos e percursos, as estratégias que elas estabelecem para encontrar reconhecimento e legitimação. Vale destacar o contraponto proposto neste estudo entre as duas escritoras: uma como detentora e outra como despossuída de patrimônio cultural e material.
O estudo da professora Ana Paula Pacheco analisa a figura do intelectual representado pelo narrador de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Uma espécie de sombra do mundo, conforme palavras da autora,o intelectual incide no plano estrutural do romance para esquadrinhar a violência da sociedade brasileira. Em seu estudo, a professora dá relevo às marcas sociais deixadas pelo intelectual alagoano nas próprias estratégias narrativas usadas para fazer a crítica social tão cara aos escritores dos anos 1930.
Com foco agora não no intelectual e sua obra, mas no movimento editorial de um período, o estudo apresentado pela professora Tânia de Luca procura estabelecer uma tipologia de publicações periódicas no Brasil das primeiras décadas do século XX. Nesse momento, verifica-se um aumento significativo na circulação de periódicos em todo o país. Num esforço de construir um instrumento analítico, a autora propõe critérios de seleção e ordenamento que permitam, ao pesquisador voltado para a análise e uso de publicações periódicas do século XX, operar com maior rigor.
O artigo de Clovis Jucá Neto volta-se para o estudo arquitetônico e urbanístico colonial a partir de instalação da Vila de Montemor-o-Novo d’América (1764) no território cearense. Nesse estudo, o autor descreve amaneira pragmática como foi pautado o traçado urbanístico de uma Vila no Ceará e o método Lusitano que obedecia a uma ritualística técnica muito rigorosa.
No campo da história política e especialmente das ideias políticas, o professor Marcos Sorrilha Pinheiro procura discutir as noções do liberalismo no Brasil frente à escravidão, a partir do estudo pormenorizado dos escritos de José Bonifácio, não com o sentido de arrolar mais elementos que confirmem nosso contrassenso, mas para indicar uma complexa trama onde se identificam vertentes combatentes.
A política no Império é também o tema central do estudo do professor Marcello Basile. Nesse trabalho, Basile analisa o conturbado período regencial no Rio de Janeiro, mostrando que a vacância do Trono,além de colocar em cena atores sociais quase sempre excluídos de uma participação mais ativa na vida política, expõe as tensões e conflitos no interior da própria elite. Examinando as manifestações de rua de setembro de 1832, na Corte, o trabalho aponta ainda para a importância do estudo dos movimentos contestatórios regenciais, como expressão de uma politização das ruas que constituiria uma nova cultura política fundada nos ideais liberais.
Discutindo também as ideias liberais no Brasil, o artigo de Ana Amélia Melo e Reginaldo Araújo investiga os seus significados a partir dos debates na imprensa do Ceará, na primeira metade do século XIX. Os autores detêm-se na difusão dos impressos na Província do Ceará e sua importância na propagação do pensamento ilustrado, bem como na função destes nas disputas políticas por toda a Província.
O estudo de Maria Regina Santos de Souza, também sobre o Império, analisa as referências feitas na imprensa do Ceará aos veteranos da Guerra do Paraguai. Mostra como os ex-combatentes passaram de heróis a responsáveis pela insegurança na Província e como as autoridades,incomodadas com sua presença na cidade, transformaram os soldados retornados no principal assunto das páginas policiais.
O último texto, tratando também de aspectos da política no Brasil,volta-se para o séc. XX. A professora Surama Conde Sá Pinto analisa a atuação parlamentar de Roberto Teixeira da Silveira, liderança fluminense do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que atuou durante as décadas de 1940 e 1960, como parlamentar e depois no executivo. A historiadora faz aqui um rigoroso estudo da vida política no Rio de Janeiro, durante os tensos anos de democracia restrita, tomando como chave a trajetória de um dos mais emblemáticos políticos do Estado.
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