• Tem razão quem propõe o abandono do regime de metas para adotarmos a taxa de câmbio como âncora
- Valor Econômico
A inflação oficial medida pelo IPCA alcançou, em 2015, 10,67%. Isto é, ultrapassamos dois dígitos e entramos num cenário perigoso em que a indexação, repasse de aumento de custos, esta voltando com força, ampliando o componente inercial da inflação. Quando isto se generaliza, e a taxa de inflação ao atingir dois dígitos é um forte estímulo para isto acontecer, a taxa de inflação se torna mais rígida, menos dependente do que acontece com a demanda, portanto pouco sensível à política monetária convencional.
E é isto que estamos assistindo neste momento. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com a taxa de inflação projetada nos títulos públicos. Na sexta feira a taxa de inflação implícita nas NTN-Bs, negociadas no mercado, ultrapassou 9%. Para vencimento em maio de 2017 alcançou 9,19% e para maio de 2019 alcançou 9,02%, portanto muito acima da meta de inflação do Banco Central e de seu limite superior. Estes números sinalizam concretamente a falta de confiança do mercado financeiro na promessa do Banco Central controlar a inflação levando-a para a meta em 2017.
Evidentemente, por trás desta desconfiança está a questão fiscal, a trajetória de crescimento explosivo da dívida pública. Com o ajuste fiscal anunciado tendo como meta um superávit de 0,5% do PIB e como as reformas institucionais não passam ainda de promessa num quadro político caótico e conturbado, alguns analistas do setor financeiro já projetam para 2019 uma dívida pública em relação ao PIB superior a 90%, Com este índice, entre os países emergentes, somente a Ucrânia e Hungria estão mais endividadas do que o Brasil. É óbvio que neste quadro a percepção de risco aumenta e o mercado exige um prêmio maior, puxando a curva de juros para cima, aumentando a inflação implícita.
Mais ainda, num governo com baixíssima credibilidade fiscal e politicamente totalmente fragilizado, o anúncio de expansão de crédito para estabilizar a queda do PIB pelos bancos oficiais aumenta mais ainda a desconfiança do mercado. Para neutralizar este aumento de desconfiança, o governo tinha antes que efetivamente demonstrar maior empenho em estancar o crescimento da dívida pública, apresentando e aprovando medidas legais que efetivamente estanquem a dinâmica de crescimento automático das despesas públicas acima do crescimento do PIB, em função de indexações e vinculações legais. As despesas classificadas pelo governo como obrigatórias e as indexadas chegam a quase 90% dos gastos públicos. Portanto se projetarmos estas despesas, mesmo num quadro de crescimento econômico otimista, faremos com que em pouco tempo a nossa dívida pública ultrapasse a da Grécia. Creio desnecessário comentar a lamentável situação deste país.
A carta do presidente do Banco Central ao ministro da Fazenda justificando o estouro da meta de inflação em 2015 e reforçando a expectativa de elevação da taxa de juros dificilmente mudará este quadro. As desculpas de que foram os preços administrados e as desvalorizações cambiais os maiores culpados pelo estouro da meta, não convencem, pois o Banco Central vem elevando a taxa de juros básica da economia e também fazendo fortes intervenções no mercado de câmbio. O que é possivel fazer é uma leitura oposta, de que o que estas desculpas mostram é que os instrumentos utilizados pelo Banco Central têm pouca ou nenhuma eficácia. A taxa de juros no Brasil em 2015 foi uma das mais altas do planeta e nas intervenções no mercado futuro de câmbio o Banco Central gastou, de forma pouco transparente do ponto de vista orçamentário, R$ 89, 7 bilhões. Desta forma, o Banco Central deveria ter mudado a sua estratégia de controle da inflação ou utilizando outros instrumentos e principalmente ter aperfeiçoado suas regras operacionais para tornar, particularmente, a taxa de juros num instrumento mais eficaz para controlar a inflação, num quadro em que o Banco Central não conseguia utilizar a taxa de câmbio como instrumento de controle da inflação.
É do conhecimento público que ao adotar a taxa Selic e a LFT como instrumentos de política, o Banco Central obrigou todo o sistema bancário e o mercado de capitais a adotar a chamada "cultura DI", isto é, quase todos os ativos financeiros atrelados à taxa Selic, pagas nas operações Overnight. Assim, quando o Banco Central eleva a taxa de juros o valor dos ativos financeiros não se altera, pois seu valor é dado pela capitalizacão da taxa diária DI até a data, e com isso o Banco Central não elimina também de todo o sistema bancário o risco de juros. Com isso, um dos principais canais de transmissão da política monetária fica sem eficácia. Se a taxa básica de juros do Banco Central fosse pré-fixada, como no resto do mundo, uma elevação na taxa implicaria em redução do valor dos ativos financeiros e é por aí que política monetária atua, obrigando os bancos a contrairem o volume de crédito.
Nas atuais circunstâncias, em que o principal foco é fiscal e o crescimento explosivo da dívida pública, a elevação de juros, já em nivel altíssimo, só agrava este problema, ampliando os gastos do governo com juros, que já atingem 8% do PIB, aumentando a desconfiança e a cobrança de prêmio de risco maior. Isto é, a taxa de câmbio sofre pressão adicional para se depreciar e a inflação sobe. Se já estamos entrando neste quadro, tem razão quem propõe o abandono do regime de metas de inflação para adotarmos a taxa de câmbio como âncora para controlar a inflação, e isto é válido enquanto temos reservas cambiais e a taxa está num nível bastante competitivo. Com a vantagem de que aos poucos vem estimulando a indústria de transformação.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)
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