Por Letícia Casado e André Guilherme Vieira - Valor Econômico
BRASÍLIA e SÃO PAULO - O ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró afirmou em delação premiada que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva o indicou para a Diretoria Financeira e de Serviços da Petrobras em 2008 por "reconhecimento da ajuda" na contratação da Schahin para operar o navio-sonda Vitória 10.000 em troca da "quitação de um empréstimo do PT, perante o banco Schahin, garantido por José Carlos Bumlai".
O Valor teve acesso ao depoimento do ex-diretor em que o assunto é abordado, prestado à Procuradoria-Geral da República (PGR) na Operação Lava-Jato.
Segundo Cerveró, ele foi exonerado em 2008 da Diretoria de Internacional da Petrobras e "havia um sentimento de gratidão do Partido dos Trabalhadores para com o declarante", pela viabilização do contrato com a Schahin.
Amigo de Lula, o pecuarista Bumlai foi preso pela Lava-Jato em novembro e é acusado de gestão fraudulenta e corrupção por intermediar para o PT empréstimo de R$ 12 milhões contraído com o banco Schahin em 2004, segundo a Polícia Federal (PF). Em depoimento prestado em dezembro, Bumlai disse que os valores foram destinados ao PT - os recursos foram usados para abastecer o caixa dois do partido, diz a PF.
De acordo com Cerveró, em 2009 Lula determinou a José Eduardo Dutra - então presidente da BR Distribuidora - "a missão de participar do 'esvaziamento' da CPI da Petrobras, instalada no Congresso Nacional". Dutra "era muito bem conceituado como político, tendo facilidade de diálogo, inclusive com a oposição, apesar de ser do PT", disse o delator. Dutra morreu em outubro de 2015.
Por essa razão, Dutra teria deixado a presidência da BR Distribuidora, sendo substituído por José de Lima Andrade Neto - com quem tinha proximidade e que já havia trabalhado para outro investigado na Lava-Jato, o ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão, atual senador (PMDB-MA) -, disse Cerveró. Assim, Dutra recebeu o apoio político para chegar à presidência da BR Distribuidora, do PMDB (Lobão) e do PTB (senador Fernando Collor de Mello), segundo Cerveró. Andrade Neto ocupou o cargo até setembro de 2015, quando renunciou.
O loteamento de cargos ligados ao ex-presidente Collor (AL) na BR Distribuidora também teria sido uma "provável" decisão de Lula, para trazer o PTB para a base do governo petista e esvaziar a CPI, disse Cerveró. "As diretorias da BR Distribuidora foram divididas entre o PT, o PMDB e o PTB", disse. Collor foi denunciado ao STF por corrupção e lavagem de dinheiro relacionados à BR Distribuidora.
"Na época, o presidente Lula também havia concedido influência política, sobre a BR a Fernando Collor de Mello (...); Que o declarante [Cerveró] não sabe a razão pela qual foi concedida a Fernando Collor de Mello influência sobre a BR Distribuidora; que, indagado sobre se isso decorreu de uma negociação para que o PTB passasse à base governista e inclusive deixasse de apoiar a CPI da Petrobras, o declarante disse que não sabe, mas acha isso provável."
Segundo Cerveró, o suposto apadrinhamento de Collor na BR Distribuidora teria sido reforçado pela presidente Dilma Rousseff.
O ex-diretor declarou aos investigadores que o então presidente da BR, Andrade Neto, e o à época diretor José Zonis - ligado a Collor e também investigado na Lava-Jato - decidiram em 2012 "moralizar e reorganizar" a área de transportes da subsidiária. Por isso, segundo Cerveró, várias empresas não mais se encaixaram nos critérios de contratação da subsidiária. Tal fato teria atrapalhado os negócios de Collor e gerado o desgaste do senador com Zonis, que foi demitido juntamente com outro diretor.
O ex-diretor da Petrobras disse que, em 2013, ouviu de Collor "que havia falado com a presidente da República, Dilma Rousseff, a qual teria dito que estavam à disposição de Fernando Collor de Mello a presidência e todas as diretorias da BR Distribuidora".
Cerveró teria se mantido no cargo por não atrapalhar os negócios de Collor e do empresário Pedro Paulo Leoni Ramos na BR Distribuidora "principalmente a base de distribuição de combustíveis de Rondonópolis/MT e o armazém de produtos químicos de Macaé/RJ". Ramos também foi acusado de corrupção na BR e é suspeito de ser o operador de Collor na empresa.
Cerveró disse ainda que, em 2010, foi cobrado pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) para "fornecer explicações" sobre um financiamento de R$ 50 milhões concedido pelo Banco do Brasil ao usineiro João Lyra, amigo de Collor. Renan disse, segundo Cerveró: "Ah, agora eu entendi, então é por isso que a campanha do Collor está deslanchando". Com a afirmação, Cerveró "entendeu com isso que o dinheiro do financiamento havia sido usado na campanha" de Collor em Alagoas, quando concorreu ao governo do Estado.
Cerveró disse também que o diretor de mercado consumidor, Andurte de Barros, indicado pelo PT, "arrecadaria propina destinada à bancada do PT na Câmara dos Deputados". Ele disse ainda que participou de reuniões com Collor, Ramos e com o senador Delcídio Amaral "no Hotel Copacabana Palace para tratar de recebimento e repasse de propinas na BR Distribuidora". Delcídio está preso e é acusado de tentar obstruir a negociação para a delação de Cerveró.
O Instituto Lula informou que não comenta "vazamentos ilegais, seletivos e parciais de supostas alegações que alimentam a um mercado delações sem provas em troca de benefícios penais". O Palácio do Planalto informou que não vai comentar o assunto.
O senador e ex-presidente Collor não respondeu à reportagem até o fechamento desta edição. A defesa de Renan Calheiros disse não ter conhecimento sobre as alegações de Cerveró e, portanto, não poderia comentar o assunto. As defesas de Delcídio Amaral e de Pedro Paulo Leoni Ramos informaram que não iriam se manifestar.
A reportagem não conseguiu contato com Andurte de Barros nem com José Zonis.
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