terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Nelson Paes Leme: Predadores da República

• A repugnância coletiva move hoje a sociedade brasileira contra esse tipo de indivíduo que tem pontificado na vida política

- O Globo

É famosa a frase de Talleyrand, alertando Napoleão Bonaparte sobre as consequências políticas do assassinato do príncipe Louis de Bourbon-Condé, o Duque D’Enghien, que levou a França a isolar-se das demais monarquias europeias: “É pior do que um crime, é um erro.”

Mais do que uma frase de efeito, tornou-se um exemplo clássico em ciência política, história e sociologia, da prevalência devastadora que tem o crime público sobre o crime privado. O sociólogo e criminalista americano Edwin Sutherland, autor do clássico “White-Collar Crime”, nos anos 40, propõe penas mais rigorosas quanto aos criminosos públicos em relação aos criminosos individuais, tendo em vista que o crime público atinge diretamente o coletivo e, portanto, potencializa enormemente seus efeitos perversos e muitas vezes devastadores: a vítima é multiplicada por centenas, milhares, milhões e até bilhões de indivíduos, como nos crimes ambientais e nucleares.

O público e o privado estão para a economia política assim como o coletivo e o individual estão para as ciências naturais. A ordem universal está toda ela montada nessa interação correta e harmoniosa entre o esforço individual sempre na direção do coletivo. Sempre com a prevalência do geral para o particular. Ou do todo para a parte, como identificou Hegel. Vem daí a predominância do plural sobre o singular. O que é de todos, a todos pertence e não a um único indivíduo que eventualmente conduza a coisa pública, a res publica, ou a coisa de todos.

A repugnância coletiva que move hoje a sociedade brasileira contra esse tipo de indivíduo que tem pontificado na vida política, em todos os níveis e poderes, decorre desse sentimento transcendental coletivo de repulsa à rapina da coisa pública por grupos de indivíduos e até por bandoleiros solitários preocupados apenas em encher as próprias burras com o que é coletivo e suportado por tributos dos cidadãos. É o singular furtando do que é plural. O privado assaltando o que a todos pertence.

Partidos políticos de encomenda e seus chefes flibusteiros perderam completamente o compromisso republicano e dedicam-se hoje aos métodos mais sórdidos de apropriação dos cofres do Estado e suas companhias públicas, partilhando essas carcaças dos exauridos corpos como se verdadeiros abutres fossem. Roubar do Erário se transformou na regra, no objetivo mater da atividade pública, estabelecendo normas de certa omertà entre os larápios que o instituto da colaboração judicial premiada tenta desmontar. Daí o seu papel fundamental que tanto tem escandalizado os criminalistas ortodoxos, colocando-os em oposição a uma novíssima geração de juízes, promotores públicos e policiais federais.

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Nelson Paes Leme é cientista político

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