- Valor Econômico
Conta corrente terá déficits maiores do que se imaginava
As contas externas brasileiras estão sólidas e hoje não preocupam, mas os déficits em conta corrente deverão ser maiores do que se supunha há alguns meses, se e quando a economia ganhar mais fôlego. Ao divulgar o resultado do setor externo de agosto, o Banco Central (BC) incorporou alterações que reescrevem a história recente do balanço de pagamentos, como diz o pesquisador Livio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Os números da conta corrente, que refletem as transações de bens, serviços e rendas entre residentes e não residentes, mostraram um rombo maior do que antes. Com as mudanças, o déficit de 2018 subiu de 0,8% para 1,2% do PIB e, em 12 meses até julho deste ano, de 1,3% para 1,7% do PIB. “Descobrimos que, para um mesmo crescimento do PIB, nossa economia trabalha com um uso de poupança externa (déficit em conta corrente) bem mais elevado”, resume Ribeiro, no Boletim Macro do Ibre de outubro. Nos 12 meses até setembro, o rombo na conta corrente ficou em US$ 37,4 bilhões, ou 2,05% do PIB.
Nesse cenário, ele revisou as projeções para o déficit em conta corrente. O buraco estimado de 2019 subiu de US$ 16,5 bilhões para US$ 39 bilhões, o equivalente a 2,1% do PIB. Para 2020, o déficit cresceu de US$ 32 bilhões para US$ 44 bilhões, ou 2,5% do PIB.
Não é um número que em si cause preocupações. Boa parte dos economistas ressalta que o país recebe um volume expressivo de investimento estrangeiro direto no país (IDP), voltado para atividades produtivas. Nos 12 meses até setembro, foram US$ 70,4 bilhões, ou 3,85% do PIB, bastante superior ao déficit em conta corrente do período. Além disso, o Brasil possui mais de US$ 370 bilhões de reservas.
Ribeiro acredita que o Brasil não terá dificuldades para financiar esses déficits nos próximos anos. “Em um mundo de abundante liquidez e juros cadentes, não devemos observar problemas de financiamento mesmo se considerarmos os déficits mais elevados.” No entanto, ele considera que a narrativa usual de cobertura do déficit pelo investimento direto precisa ser revisitada. “As mudanças metodológicas deixam claro que o financiamento do balanço de pagamentos deve ser analisado e compreendido em sua totalidade.”
“A discussão deve ser feita no agregado”, diz Ribeiro. No caso do investimento direto no país, a parcela referente à participação no capital é mais estável, mas não se pode dizer o mesmo da fatia das operações intercompanhia. Ao mesmo tempo, pode haver um fluxo classificado como investimento em renda variável que não é volátil, já que a aplicação em ações só é considerada investimento direto se for igual ou superior 10% do poder de voto da empresa. “Pode haver várias operações produtivas ‘picadas’, e não se vê isso se olharmos só para fluxos de participação no capital”, diz.
Ribeiro considera que o passivo externo líquido brasileiro, negativo em US$ 667,6 bilhões em setembro, não tem um tamanho exagerado - o valor equivale a 36,5% do PIB, uma magnitude confortável. O indicador mostra a diferença entre ativos do país (como o estoque de investimento direto no exterior e as reservas internacionais) e dos passivos (como o estoque de investimento direto no país, investimento em carteira e títulos de dívida). Na visão de Ribeiro, o perfil do passivo externo líquido do país é bom e conta com estabilizadores automáticos - quando o câmbio se desvaloriza, ele diminui porque cresce em reais o valor de ativos como as reservas.
De qualquer modo, o déficit em conta corrente pode atingir níveis elevados antes do que se imaginava, especialmente se a economia crescer mais. O Bradesco projeta uma expansão do PIB de 1,9% em 2020 e de 3% ao ano entre 2021 e 2023. Nesse cenário, o rombo na conta corrente atingiria 3,5% do PIB já em 2021 e 3,8% do PIB em 2023. Os 3% de crescimento de 2021 a 2023 podem ser uma previsão otimista, mas indicam o efeito de uma economia mais forte sobre as contas externas.
Déficits de 3,5% a 4% do PIB já causaram problemas ao Brasil. Em meados de 2013, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) acenou com a retirada de parte dos estímulos monetários, o Brasil foi um dos emergentes que mais sofreram. Naquela época, o déficit em 12 meses rondava 3,5% do PIB.
É verdade que o país tinha outras fragilidades, como uma economia com dificuldades para crescer e inflação mais alta, num ambiente de excesso de intervencionismo estatal. No entanto, o rombo em conta corrente era apontado pelos analistas estrangeiros como uma fragilidade importante.
Com baixa poupança doméstica, em torno 15% do PIB, é de se esperar que o país tenha de conviver com déficits em conta corrente maiores quando crescer mais, absorvendo poupança externa. A demanda mais forte vai elevar importações, por exemplo. A média da taxa de poupança interna dos emergentes é de 32% do PIB, chegando a quase 18% na América Latina.
O ponto é que o país já parte de um rombo de 2% do PIB num momento de crescimento fraco. Para que déficits em conta corrente mais altos não sejam fonte de preocupação, o Brasil precisará ter uma situação fiscal robusta e um crescimento mais forte, que ajude a atrair recursos externos. Caso contrário, buracos em conta corrente mais elevados poderão causar problemas, especialmente em momentos de maior aversão ao risco global, que sempre afetam países emergentes.
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