- O Estado de S. Paulo
O difícil equilíbrio entre buscar o melhor para os trabalhadores formais sem ampliar o desemprego é missão que persistirá ao fim da pandemia
O ministro Lewandowski revisitou ontem sua decisão da semana passada contrária à medida provisória do governo que pretendia salvar 8,5 milhões de empregos. O País chega assim à 6.ª regra sobre redução de salários desde o início da pandemia – ou desde 22 de março. No início, não podia (1). O governo editou então uma MP incompleta que provocou reações (2), e revogou a nova regra no mesmo dia (3). Depois editou a MP certa (4), mas o ministro do STF deu liminar restringindo (5). Ontem, voltou atrás (6). Na quinta-feira, o Supremo se reúne para decidir (7?). A controvérsia da redução da jornada e salários é mais uma a opor juristas e economistas, que enxergam no direito do trabalho o direito sem trabalho.
A MP em questão se aproxima do chamado lay-off, adotado em outros países na pandemia e prescrito pela própria Organização Internacional do Trabalho (OIT). A fim de preservar os empregos em um momento em que as receitas despencam, os empregadores poderiam propor a redução da jornada dos funcionários, ou mesmo suspender os contratos, com redução proporcional do salário. O governo, com o seguro-desemprego, reporia a renda dos trabalhadores, parcial ou totalmente (no caso dos menores salários).
O problema é que a Constituição consagra a irredutibilidade do salário: só pode reduzir salário com redução da jornada se for por negociação sindical, não individual. Aí começou a discussão. A regra se aplica em uma pandemia imprevista pelo constituinte, que impede a própria realização de assembleias? Ou cria-se se uma exceção, já que o vírus exige urgência e a mesma Constituição prescreve a “busca do pleno emprego”? Ainda, se o governo repõe a renda perdida, vale a proibição, que visava a proteger o trabalhador? Ou tanto faz se o governo paga ou não? E se o governo só repõe parte?
Lewandowski, sorteado relator, decidiu sozinho, aplicando um confuso meio-termo. Poderia sim haver a redução da jornada e dos salários por acordo individual, mas a negociação coletiva via sindicato deveria depois confirmar. Havendo silêncio, fica valendo. Criou-se então quatro cenários. A empresa e o trabalhador fazem o acordo: o sindicato pode topar, não topar, topar nos termos de nova negociação. Ou pode ainda topar exigindo uma “contribuição” da empresa.
A decisão foi mal recebida: a insegurança jurídica, e o medo de exigência de contribuições extorsivas a depender do sindicato, levaria parte dos empregadores a simplesmente demitir. A Constituição proíbe a redução dos salários e jornada, mas não a redução a zero. O tal direito sem trabalho.
Além do trabalhador sacrificado pelo patrão, perderia o restante da sociedade, que contaria com uma recuperação do PIB mais lenta no pós-pandemia, com empregos destruídos e negócios desorganizados. O ministro se defendeu, e disse que queria proteger as minorias. Talvez imaginasse casos em que empresas em boas condições usariam o acordo para reduzir salários, em prejuízo de trabalhadores que na verdade não estariam correndo risco algum de demissão. Ontem, negou recurso do governo, mas mudou a decisão mesmo assim, dizendo que os acordos individuais valerão. O sindicato pode buscar um acordo melhor, mas não tem poder de vetar o acordo individual.
O difícil equilíbrio entre buscar o melhor para os trabalhadores formais sem ampliar o desemprego é missão que persistirá ao fim da pandemia. O dilema foi apresentado de forma polêmica em 2018 por Bolsonaro (“Trabalhadores querem menos direito e mais emprego”; “mais direito e menos emprego, ou menos direito e mais emprego”). Seu êmulo, Lula, fez colocações semelhantes no passado (“Tem companheiro que fala que não pode ter um contrato especial porque vai precarizar o jovem e torná-lo um trabalhador diferente. Mas trabalhador diferente ele já é sem trabalhar”).
A comunidade do direito do trabalho repudia essa lógica, e corre para dizer que níveis baixos de desemprego foram obtidos no passado com a mesma legislação e jurisprudência. O emprego com carteira, porém, nunca foi abundante para a mulher, o jovem, o negro, o nordestino, o trabalhador de baixa escolaridade. Por exemplo, no melhor período do mercado de trabalho em 2014, menos de 20% da força de trabalho tinha carteira assinada no Maranhão ou no Piauí!
Para além da pandemia, parte importante da reforma trabalhista de 2017 ainda seria julgada pelo STF no mês que vem. Outras inovações podem vir. Continuará na agenda do tribunal decidir por um direito do trabalho ou o direito sem trabalho.
*Doutor em economia
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