terça-feira, 14 de abril de 2020

Pablo Ortellado* - A Kurzarbeit de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Política de inspiração alemã adotada por Bolsonaro não garante gastos essenciais dos trabalhadores

Durante a crise de 2008, a Alemanha adotou uma política de redução de jornada na qual trabalhadores recebem uma compensação paga pelo Estado. Essa política é conhecida como Kurzarbeit —ou trabalho de curta duração. Segundo a OCDE, ela foi a responsável por preservar centenas de milhares de postos de trabalho na Alemanha no período.

O trabalho de curta duração é um mecanismo utilizado em situações de desaceleração econômica, com um duplo propósito: de um lado, preserva uma força de trabalho experiente que pode ser rapidamente mobilizada pelas empresas quando a atividade econômica for retomada; de outro, mantém o emprego e a maior parte dos rendimentos dos trabalhadores, cujo consumo estimula a recuperação econômica. Tem virtudes sociais e econômicas.

Por suas características e pelo bom desempenho na crise de 2008, o trabalho de curta duração foi a solução adotada pela maior parte dos países europeus na crise da Covid-19 para evitar demissões e o desemprego em massa.

Na Alemanha, o Estado garante 67% do valor dos salários daqueles que têm a jornada reduzida, mas acordos coletivos setoriais garantem que empresas deem contrapartidas que restituem até 100% do valor. Levantamento do instituto dos sindicatos europeus mostra que, na Europa, as compensações concedidas aos trabalhadores para o trabalho de curta duração são, em geral, de 70% (França, Bélgica), 80% (Reino Unido, Itália) ou 100% (Holanda, Dinamarca) do valor dos salários.

O trabalho de curta duração improvisado pela medida provisória 936 de Paulo Guedes é, em comparação, um remendo cruel: permite reduções de jornada e salário, além da suspensão dos contratos, com compensações que vão deixar os trabalhadores em dificuldades.

Quando olhamos para as despesas das famílias, por meio da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, vemos que gastos essenciais com supermercado, aluguel, saúde, educação e impostos, pensões e previdência consomem 70% ou mais dos rendimentos --por isso esse deveria ser o patamar mínimo a ser preservado com as compensações do benefício emergencial.

A MP, porém, não foi concebida com esse olhar. Quando há suspensão de 70% da jornada, a compensação a trabalhadores que ganham R$ 5.000 repõe apenas 55% do salário, e quando há suspensão dos contratos, a compensação a esse trabalhador pode ser de apenas 36% do salário! A medida expõe mais de 5 milhões de trabalhadores a perdas de rendimentos superiores a 30%.

Embora a MP tenha efeito imediato, o Congresso pode ainda remediar o desastre. A bola está com Rodrigo Maia.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

Nenhum comentário: