terça-feira, 14 de abril de 2020

Joel Pinheiro da Fonseca* - Um presidente sem palavra

- Folha de S. Paulo

Um presidente irrelevante não merece tanta atenção da mídia

Um bom exemplo do poder das palavras de um líder veio do Reino Unido. Tendo se recuperado de um caso grave de Covid-19, o primeiro-ministro Boris Johnson gravou um depoimento oficial lapidar: demonstra empatia com os doentes, apoio e admiração aos profissionais de saúde, louva o sistema público de saúde do país e conclama a população ao esforço coletivo necessário para enfrentar a tragédia.

Independente do juízo maior que se possa fazer sobre o governo de Boris Johnson, foi uma fala digna de um líder nacional.

Ninguém cogita que algo similar possa vir de Bolsonaro. Não esperamos do presidente nenhum sentimento nobre, nenhuma inspiração coletiva, nada que acene para a união e para valores nacionais. Dele não sai nada além de provocações baratas e brigas políticas de absoluta mesquinhez.

Elas também não indicam o rumo que o governo tomará. Até o momento em que escrevo esta coluna, Luiz Henrique Mandetta continua ministro da Saúde, mesmo depois de dar uma entrevista ao Fantástico em que disse com todas as letras que ele e o presidente divergem na estratégia. Que ele continue ministro só demonstra o quão frouxo é Bolsonaro no campo da ação.

Fala que o isolamento social é desastroso para o Brasil e mesmo assim não troca o ministro que promove o isolamento. Bolsonaro torna-se cúmplice daquilo que suas palavras condenam. Ladra, mas não morde.

Tampouco esperamos a verdade das palavras dele. Quando Bolsonaro disse em 9 de março que tinha “provas” de que as eleições de 2018 foram fraudadas, ninguém acreditou —nem mesmo seus apoiadores e fãs. Era óbvio que ele não tinha prova nenhuma; era só mais um blefe, mais uma mentira contada para chacoalhar as águas do debate público e ser esquecida no dia seguinte, quando novas provocações aparecessem.

Assim como a emissão descontrolada de moeda corrói seu valor, o palavrório inconsequente de Bolsonaro deprecia a palavra presidencial. Durante uma hiperinflação, as pessoas param de aceitar pagamentos em dinheiro. É hora de tratar as palavras do presidente da mesma maneira: como elas de nada valem, também não devem ser levadas a sério ou receber o destaque da imprensa.

Como todo mundo que passou pelos anos de colégio deve ter aprendido, uma provocação só tem poder na medida em que damos importância a ela. Bolsonaro ir a pé à farmácia ou à padaria nada mais é do que uma provocação barata de um presidente que carece da coragem para fazer valer suas palavras na condução do governo.

Essa e outras pirraças presidenciais (e dos filhos) são objetivamente irrelevantes para o país, e só adquirem centralidade na medida em que reagimos a elas.

Tornar as suas gracinhas o centro diário do debate público é conceder-lhe uma importância que não tem. O presidente não manda mais no país. Comporta-se como uma criança birrenta que tenta atrapalhar o trabalho dos adultos.

Na medida em que seu choro desvia nossa atenção, ele é bem sucedido. Está desacreditado, mente sem parar, e busca gerar barulho para que não nos demos conta do óbvio: na maior crise de seu governo (a primeira não causada por ele), Bolsonaro é irrelevante. Tratemo-lo como tal. Neste momento, não merece mais do que a notinha no pé da página.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

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