- O Globo
Jogado na frigideira, Mandetta devolveu a fritura ao colo de Bolsonaro. O ministro sabe que está por um fio. Por isso, marcou posição e deixou claro que está sendo sabotado
No início da semana passada, Jair Bolsonaro acordou invocado e resolveu demitir o ministro da Saúde em plena pandemia do coronavírus. Os generais do Planalto entraram em campo e convenceram o capitão a guardar a caneta. Luiz Henrique Mandetta também ensaiou um recuo e declarou que o chefe estava no comando.
A crise parecia ter esfriado, mas Bolsonaro não se emenda. O presidente tirou a Semana Santa para provocar o ministro. Na quinta-feira, foi à padaria e lanchou no balcão, desrespeitando um decreto local. Mais tarde, disse que “médico não abandona paciente, mas paciente pode trocar de médico”.
Na sexta, deu um pulo na farmácia, esfregou o nariz e apertou as mãos de populares. No sábado, foi a Goiás e voltou a confraternizar com eleitores. Tudo diante das câmeras, num teatro para desmoralizar Mandetta e debochar das medidas de isolamento.
No domingo de Páscoa, o ministro revidou. Em entrevista ao Fantástico, ele desafiou o presidente ao menos seis vezes. Reclamou das declarações contra a quarentena, condenou quem continua “entrando em padaria”, desmentiu a conversa de que o vírus está “começando a ir embora” e ironizou teorias conspiratórias que brotam dos subterrâneos do governo.
Num momento de pura maldade, Mandetta disse que ninguém no ministério pegou o coronavírus. O Planalto já teve mais de 20 infectados, e o capitão se recusa a mostrar seus exames. Para arrematar, o ministro passou o feriado com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. O homem do cavalo branco era bolsonarista desde criancinha, mas agora galopa ao lado da oposição.
Mandetta é profissional: jogado na frigideira, devolveu a fritura ao colo de Bolsonaro. O ministro sabe que está por um fio. Por isso, usou a entrevista para marcar posição e deixar claro que está sendo sabotado. Se for mesmo demitido, sai como mártir. Se ficar, vence mais um round no duelo com o chefe enciumado.
Para o presidente, as duas alternativas são indigestas. Mesmo que diga o contrário, ele sabe que o Brasil se aproxima do pico da epidemia. Se despachar o auxiliar agora, terá que responder sozinho pela tragédia anunciada.
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