terça-feira, 14 de abril de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Área da saúde necessita de apaziguamento – Editorial | O Globo

Bolsonaro precisa se juntar a Mandetta para enfrentarem a fase de agravamento da crise

Os choques entre o presidente Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, transcorrem à medida que avança a epidemia da Covid-19 no país, causando insegurança e incertezas na equipe do governo federal que trabalha no enfrentamento da mais grave crise de saúde no mundo nos últimos cem anos.

A maior das incertezas é sobre a continuidade da política de isolamento social, a única forma eficaz de impedir a explosão de casos, para dar tempo à União, aos estados e aos municípios de prepararem o sistema de saúde, o SUS, a fim de resistir ao impacto do aumento no número de infectados, o que já acontece. A coincidência deste conflito com o início da fase de expansão mais rápida da doença pode criar dificuldades inconcebíveis na defesa da população contra o coronavírus. Não deve passar despercebido que os respectivos serviços diplomáticos aconselharam alemães e italianos a saírem do Brasil.

Bolsonaro é o presidente, mas está isolado no governo contra a prática do isolamento social para “achatar a curva” dos infectados e permitir que todos sejam atendidos e não aconteça a terrível situação em que médicos precisam escolher quem viverá ou morrerá, devido à falta de equipamentos suficientes para a ventilação pulmonar de todos os doentes graves. Bolsonaro, filhos e seguidores se recusam a aprender com as tragédias de Itália, Espanha e dos Estados Unidos, em que o estado de Nova York também demorou a instituir o isolamento das pessoas e assiste a uma tragédia. O presidente quer que a economia volte logo a girar, sem ligar para os custos.

O Ministério da Saúde informou ontem que as mortes no país chegaram a 1.328, tendo ocorrido 105 em apenas 24 horas. A epidemia segue o padrão. Despreocupado, o presidente Bolsonaro viajou no sábado a Águas Lindas, em Goiás, com Mandetta na sua comitiva, para visitar um hospital de campanha em construção na cidade, para receber pacientes da Covid-19. Foi recepcionado pelo governador Ronaldo Caiado, seu ex-aliado e patrono de Mandetta na sua nomeação para o ministério. 

Provocativo, o presidente foi confraternizar com o público, para desrespeitar normas divulgadas pelo seu Ministério da Saúde que desaconselham aglomerações e apertos de mão. Na noite do domingo, em entrevista ao “Fantástico”, ao responder a uma pergunta acerca dos desencontros com o chefe sobre como enfrentar a epidemia, o ministro foi claro ao dizer que esta duplicidade de discursos confunde o brasileiro.

Tem razão. Mas precisa haver um entendimento entre Bolsonaro e Mandetta. O presidente deve considerar que o ministro fala com respaldo técnico consistente de especialistas que anteveem a evolução da epidemia. E dias piores se aproximam, como o ministro e sua equipe não se cansam de repetir. Bolsonaro tem de somar esforços aos do ministro, em defesa da população.

• Governadores e prefeitos precisam garantir a merenda das crianças – Editorial | O Globo

Com escolas fechadas pela quarentena, famílias mais pobres já não têm como alimentar os filhos

O acertado fechamento de escolas determinado por governadores e prefeitos do país, como forma de conter a pandemia do novo coronavírus, tem produzido efeitos colaterais que vão além da óbvia falta de aulas. Para os alunos da rede pública, especialmente os das camadas mais pobres da população, a escola não é apenas o lugar onde se aprende, mas também onde se come, e não é exagero dizer que, em muitos casos, são as únicas refeições garantidas do dia.

Embora as crianças não constituam grupo de risco para a Covid-19, é importante mantê-las em casa porque, como geralmente apresentam sintomas brandos ou são assintomáticas, elas podem transmitir facilmente o vírus para pais e avós, ampliando a disseminação da doença. Portanto, não há que se questionar a quarentena. Mas o fato é que ela gerou uma demanda importante que parece ter escapado do radar das autoridades públicas.

Como noticiou o “Fantástico”, da Rede Globo, no domingo, já há famílias que não têm o que dar para as crianças. Em situação normal, esta já seria uma equação difícil de resolver. Em meio a uma pandemia, em que muitos pais, também de quarentena, perderam sua forma de sustento, torna-se ainda mais complexa. Mães entrevistadas pelo programa em São Paulo e no Amapá mostraram geladeiras vazias e relataram o drama diário para alimentar os filhos. Algumas estão recorrendo à ajuda dos vizinhos. Outras repartem o pouco que têm em casa.

Elas são a face de um universo expressivo. O bem-sucedido Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) atende 40 milhões de crianças em todo o país, o que representa quase 20% da população brasileira. A ação ganha importância à medida que um terço dos beneficiados se encontra na faixa de pobreza ou extrema pobreza.

Enquanto os casos de Covid-19 avançam rapidamente, realçando a necessidade da quarentena, as soluções para o problema da falta de merenda seguem lentamente. Após quase um mês de isolamento, o governo federal sancionou na semana passada uma lei que permite que estados e municípios repassem às famílias alimentos já comprados para a merenda. Mas muitas prefeituras — o Brasil tem 5.570 — ainda estão enroladas em processos burocráticos para levar a comida aos alunos.

Alguns municípios, como São Paulo, já estão adotando medidas para uma ajuda emergencial às famílias — por exemplo, um vale-merenda enviado pelo Correio. Mas governadores e prefeitos devem atentar para o fato de que é preciso urgência nesse processo. Já há crianças sem ter o que comer.

• Fome de dólar – Editorial | Folha de S. Paulo

Escassez da moeda americana põe emergente em risco; é preciso apoio multilateral

Como quase sempre ocorre durante crises econômicas globais, são especialmente os países não desenvolvidos os mais sujeitos a riscos.

Embora a pandemia da Covid-19 faça menos distinção entre ricos e pobres, e ao menos até agora submeta todos a duras provas, vai ficando evidente que os emergentes, sobretudo os que se incluem no grupo de mais baixa renda, terão maior dificuldade em mitigar os impactos do novo coronavírus.

Além da falta de estrutura doméstica, a dificuldade de acesso a crédito é uma deficiência grave para o enfrentamento da calamidade.

Países que não conseguem financiamento em larga escala na moeda local precisam buscar recursos no exterior. Mas a escassez de dólares se agudiza justamente nesses momentos de necessidade, quando as cotações da moeda americana se elevam abruptamente.

É o que se observa agora. Além da perda de valor das moedas nacionais, desde o início da crise a fuga de capitais dos países pobres e remediados já chega a US$ 100 bilhões, segundo o Fundo Monetário Internacional. O montante corresponde a cerca do triplo do registrado em 2008, outro momento de desembarque de investidores.

A dominância do dólar como meio de pagamento no comércio internacional e nos mercados financeiros praticamente obriga todos a buscarem financiamento na divisa dos Estados Unidos.

Desde a derrocada internacional de 12 anos atrás, a dívida em dólares de países emergentes e suas empresas disparou, passando da casa dos US$ 3 trilhões. O resultado é um descasamento que pode se tornar impagável.

A queda dos preços das matérias-primas constitui outro fator agravante, pois reduz as receitas em moeda forte e aumenta o risco de déficits nas transações de bens e serviços com o restante do mundo.

A corrida pelo dólar é desafio para todos. Já se aventaram alternativas de financiamento de cunho multilateral, notadamente por meio do FMI, mas nunca foi possível superar o domínio absoluto da divisa norte-americana.

Enquanto uma solução definitiva não se mostra clara, cabe tratar da emergência do combate ao coronavírus. Instituições como o Fundo e o Banco Mundial propuseram suspender a amortização da dívida externa de 76 países muito pobres, com alívio potencial de até US$ 130 bilhões neste ano.

O G20 também indica que apoiará um esforço coordenado nessa direção, com diferimento ou mesmo perdão de dívidas bilaterais. A tarefa de coordenação é complexa, mas tudo sugere que algo avançará.

Da mesma forma que todos os governos estão se endividando para proteger seus cidadãos da recessão econômica, é papel dos organismos e grupos multilaterais evitar a insolvência dos emergentes.

• Hora de doar – Editorial | Folha de S. Paulo

Combate à pandemia inspira avanço promissor de contribuições privadas no Brasil

Balanço consolidado pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos —organização sem fins lucrativos voltada para a obtenção de contribuições filantrópicas— aponta que as doações da sociedade civil para auxiliar o combate ao novo coronavírus bateram a marca de R$ 1 bilhão em 8 de abril.

A cifra é expressiva para a realidade brasileira. Um dado das Nações Unidas apontou um total de R$ 2,9 bilhões doados em todo o ano de 2016 —quando o país, é verdade, estava mergulhado na recessão.

Tema prioritário entre as preocupações nacionais, como mostram pesquisas Datafolha, a saúde tem inspirado gestos de solidariedade material, reforçando tendência que tem muito a avançar no Brasil.

Outra boa notícia é que o Itaú Unibanco organiza a criação de um fundo para o combate à Covid-19. O próprio banco, que lucrou R$ 28 bilhões em 2019, deve doar R$ 1 bilhão para viabilizar a iniciativa.

A aplicação dos recursos do fundo será gerida por um conselho de profissionais de saúde, que contará com a participação de diretores de hospitais públicos e privados.

A tradição da filantropia, embora tenha raízes na sociedade brasileira, ainda não se compara entre nós ao que se observa em países como os EUA —onde famílias abastadas e celebridades disputam o reconhecimento de comunidades com a doação de recursos, o amparo a instituições e o fomento às artes e à cultura.

A diferença não está nas dimensões do Produto Interno Bruto, pois grandes fortunas também existem por aqui. Entre os americanos há uma feliz associação entra uma cultura de comprometimento social do setor privado com leis que estimulam tais ações.

No Brasil, um dos países mais desiguais do planeta, tem-se caminhado nos últimos anos para consolidar um arcabouço institucional favorável à filantropia, embora haja longo caminho para evoluir.

Diante da urgência imposta pela disseminação do novo coronavírus e das evidentes dificuldades e assimetrias do sistema de saúde e da realidade socioeconômica nacional, a mobilização de parcelas expressivas de sua elite é bem-vinda e merece reconhecimento.

Num país que cunhou a expressão “pilantropia” para designar ações de aproveitadores que se valem da lei com o intuito de burlar suas finalidades beneméritas, trata-se de iniciativas auspiciosas.

• O vírus e a república – Editorial | O Estado de S. Paulo

Estamos muito longe da república ideal quando justamente o eleito para presidi-la se comporta como se não tivesse qualquer responsabilidade sobre o bem comum

O presidente Jair Bolsonaro resolveu mais uma vez contrariar as recomendações de isolamento social feitas pelo Ministério da Saúde para conter a pandemia de covid-19 e saiu a passear por Brasília na sexta-feira passada, causando aglomerações e mantendo contato físico com eleitores, atitudes que podem facilitar a transmissão do novo coronavírus. Nada indica que não tornará a fazê-lo quando lhe der na telha. Questionado sobre seu comportamento, o presidente respondeu: “Eu tenho o direito constitucional de ir e vir. Ninguém vai tolher minha liberdade de ir e vir. Ninguém”.

De fato, o direito de ir e vir está entre os direitos e garantias fundamentais de todos os brasileiros, conforme a Constituição. No entanto, diferentemente do presidente da República, a maioria dos cidadãos está cumprindo as determinações dos governos locais, baseadas em consenso médico e científico, para que permaneça em casa e de lá só saia em caso de necessidade. Ou seja, milhões de cidadãos aceitaram um limite temporário a seu direito constitucional de ir e vir em nome da preservação de um precioso bem coletivo, isto é, a saúde pública.

Essa é a essência da ideia de república, em que o desejo pessoal de cada indivíduo, por mais legítimo que seja, não pode se sobrepor ao interesse coletivo, expresso nas leis pactuadas por políticos democraticamente eleitos. Para que a república se realize plenamente, portanto, é preciso que seus cidadãos desenvolvam consciência cívica, isto é, tenham noção não somente de seus direitos, mas também, e sobretudo, de seus deveres.

Estamos muito longe da república ideal quando justamente o eleito para presidi-la se comporta como se não tivesse qualquer responsabilidade sobre o bem comum. Ao insistir na “volta à normalidade” muito antes do que a prudência recomenda, fazendo demagogia barata à custa da morte de milhares de compatriotas, o presidente Bolsonaro manda às favas seu dever irrenunciável de liderar os esforços para proteger a saúde da população diante da ameaça real da pandemia. Pior: inspira seus mais fanáticos seguidores a fazer campanha contra as determinações dos governantes estaduais e municipais destinadas a forçar o isolamento social.

Assim, não se trata somente de uma divergência em relação à melhor forma de enfrentar a pandemia; trata-se de uma verdadeira sabotagem aos esforços do Ministério da Saúde e de governadores e prefeitos para que o sistema hospitalar tenha condições de atender o máximo possível de doentes, poupando os médicos da terrível tarefa de ter que escolher quem viverá e quem morrerá.

Quando Bolsonaro, na condição de presidente da República, passeia por Brasília, confraterniza com simpatizantes e diz, no seu idioma peculiar, que “parece que está começando a ir embora essa questão do vírus”, estimula muitos brasileiros a imaginar que a crise esteja perto do fim ou que talvez não tenha a gravidade que as autoridades sanitárias – a começar pelo Ministério da Saúde – apregoam. Não à toa, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, queixou-se do comportamento do presidente em entrevista ao Fantástico. Ao defender um discurso “unificado” no governo, baseado na ciência e no bom senso, o ministro Mandetta disse que hoje o brasileiro “não sabe se escuta o ministro ou o presidente”.

Para os bolsonaristas radicais e o próprio Bolsonaro, contudo, não há dubiedade alguma. Não existe bem comum a ser preservado. Só existem os interesses particulares de Bolsonaro e de seus fanáticos seguidores, incapazes de aceitar os limites republicanos para suas vontades. Não por coincidência, são esses que vivem a vituperar contra as instituições republicanas, justamente aquelas que, felizmente, impedem Bolsonaro de realizar plenamente seu projeto de poder.

Afortunadamente, como mostrou um estudo de cientistas políticos divulgado pelo Estado, a maioria dos brasileiros – e dos eleitores de Bolsonaro – é favorável ao isolamento social pelo tempo que for necessário. Ou seja, o bolsonarismo antirrepublicano é minoritário mesmo entre aqueles que um dia votaram no presidente. Na hora da crise, a consciência cívica afinal parece falar mais alto – e as autoridades farão bem se ignorarem o alarido dos que só pensam em si mesmos.

• O desastre americano como alerta – Editorial | O Estado de S. Paulo

Todos pagarão pela crise nos EUA, agravada por erros que é preciso evitar

A explosão do desemprego nos Estados Unidos, tão avassaladora como o contágio pelo coronavírus, é mais uma sombria advertência aos países varridos pela pandemia, incluído o Brasil. Em três semanas 16,8 milhões de pessoas correram em busca do auxílio-desemprego, segundo se informou em Washington no dia 9. Na última semana foram 6,6 milhões, na maior e mais veloz onda de demissões desde 1948. Só em abril as demissões podem chegar a 20 milhões, de acordo com estimativa corrente no mercado. Quando se registraram os primeiros casos da doença, os desocupados eram cerca de 3,5% da força de trabalho, uma das menores taxas da história. No fim de abril cerca de 15% poderão estar na rua, estimam economistas do setor financeiro.

Há um duplo alerta nos números dos Estados Unidos. A maior economia do mundo, um motor de prosperidade até o começo de março, foi rapidamente derrubada pela nova crise, como se um furacão se espalhasse em poucos dias por todo o país. No ano passado o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,3%, enquanto a expansão média no mundo rico ficou em 1,7%. Novas projeções para a economia americana apontam contração na faixa de 4% a 5%.

O segundo alerta envolve a importância global da maior potência econômica. Uma forte recessão no mais poderoso e mais dinâmico dos mercados vai afetar severamente o comércio internacional. Mesmo com alguma recuperação na segunda maior economia, a chinesa, as trocas deverão ser afetadas.

No começo do ano havia expectativa de um ambiente comercial menos tenso em 2020, com a trégua na disputa entre Washington e Pequim. A esperança de uma reativação mundial puxada pelo intercâmbio de bens e serviços está abandonada neste momento. Mas o efeito da contração do mercado mundial poderá ser parcialmente atenuado no Brasil.

Ainda haverá uma razoável procura de produtos do agronegócio. O País estará pronto para atender, em condições normais, à demanda de alimentos e de matérias-primas originárias da agropecuária. Não haverá, no entanto, condições normais, se o presidente Jair Bolsonaro, ministros e outras pessoas do círculo presidencial causarem novos atritos com parceiros comerciais.

Os dados americanos ficam mais assustadores quando se leva em conta o arsenal de recursos para ações anticrise. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) criou rapidamente condições para expansão do crédito e entrou no mercado comprando papéis privados. O Executivo preparou um pacote de estímulos de US$ 2,2 trilhões. Já aprovadas pelo Congresso, essas medidas incluem apoio a empresas, distribuição de recursos para sustentar o consumo das famílias e alguns estímulos à manutenção de empregos.

Uma linha de financiamento de US$ 350 bilhões foi criada para alimentar a folha salarial de pequenas empresas. Essa dívida será perdoada, prometeu o governo, se as empresas mantiverem os empregos ou recontratarem o pessoal dispensado. Alguns empresários têm alegado dificuldade de acesso a esse dinheiro. De toda forma, demissões continuaram e há projeções de muitas dispensas nas próximas semanas.

Mas o caso americano é importante, especialmente para o Brasil e outros países emergentes e em desenvolvimento, também por outros motivos. O presidente Donald Trump demorou a reconhecer a gravidade da epidemia. Isso facilitou o aumento exponencial do contágio e das mortes.

Convertidos em epicentro da pandemia, os EUA logo se tornaram recordistas em mortes pelo coronavírus. O presidente Trump acabou recuando e seguindo a orientação da ciência, embora ainda se tenha permitido um absurdo ataque à Organização Mundial da Saúde. O erro inicial no combate à pandemia multiplicou as internações e mortes e jogou para mais tarde a recuperação econômica. Engano semelhante havia ocorrido em outros países, ampliando o sofrimento e as perdas econômicas. No Brasil, algumas autoridades tentam evitar esse erro, enquanto o presidente cuida de sua base eleitoral e se dedica a atacar possíveis competidores, trabalhando a favor do vírus.

• O que se espera do STF – Editorial | O Estado de S. Paulo

Por videoconferência, Supremo julgará nesta semana as medidas para contenção da epidemia

Pela primeira vez, em seus quase 130 anos de existência, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizará nesta semana uma sessão plenária por meio de videoconferência. Até agora, a Corte só utilizava esse tipo de recurso nos julgamentos de suas duas turmas. Além dessa novidade, os principais itens da pauta dizem respeito às medidas de saúde pública tomadas pelos diferentes entes federativos para combater a pandemia do novo coronavírus. Entre os temas mais importantes se destacam procedimentos adotados por municípios, pelos Estados e pela União para a aquisição de bens, serviços e insumos e programas de renda mínima emergencial.

Quase todas essas medidas foram tomadas com base na Lei 13.979/2020, mais conhecida como a Lei Nacional da Quarentena. Sancionada em fevereiro, ela disciplina a realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coletas de amostras clínicas, exumação, necropsia e cremação de cadáveres. Também concede autorização temporária para a importação de produtos sem registro na Anvisa. E diferencia quarentena de isolamento, classificando a primeira como “restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação que não estejam doentes”, e o segundo como “separação de pessoas doentes ou contaminadas, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus”.

Por mais técnicas que sejam as discussões no plano jurídico, as decisões que o STF vier a tomar terão forte impacto na vida política. Entre outros motivos, porque os processos incluídos na pauta são, em sua maioria, ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) impetradas por duas agremiações partidárias. Em outras palavras, apesar de esses recursos apontarem vícios de constitucionalidade nos programas já adotados com base na lei que objetiva deter o avanço da covid-19, o que interessa às duas agremiações são as implicações políticas e eleitorais dos julgamentos.

Três Adins foram impetradas pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Na primeira, alega-se que a Medida Provisória (MP) n.º 926, baixada em março, interferiu no regime de cooperação entre entes federativos previsto pela Lei 13.979. Na segunda, afirma que a Medida Provisória n.º 927, que permite aos empregadores adotar medidas excepcionais em razão do estado de calamidade pública, colide com direitos trabalhistas previstos pela Constituição. Na terceira, o PDT sustenta que a MP n.º 926 e a Lei 13.979 tratam de modo contraditório a redistribuição dos poderes de polícia sanitária entre a União e os Estados.

Outras três Adins foram ajuizadas pelo partido Rede Sustentabilidade. Segundo a agremiação, a Lei 13.979 contém trechos que violam competências dos Estados e do Distrito Federal para cuidar da saúde pública. O partido também acusa o governo Bolsonaro de omissão legislativa, dada a morosidade com que instituiu o programa de renda mínima temporária. E questiona a redução salarial e a suspensão de contratos de trabalho mediante acordo individual.

Os ministros sorteados para relatar estes casos já entregaram seus pareceres e, com exceção do ministro Ricardo Lewandowski, que concedeu liminar determinando que a redução salarial por acordo individual só terá efeito se for reconhecida por sindicatos trabalhistas, os demais pedidos foram rejeitados pelos relatores. Diante do impacto da pandemia sobre a vida das pessoas e o funcionamento da economia, é preciso que os ministros se prendam ao sentido das leis, ao interpretá-las, e que saibam aplicar com moderação, quando for o caso, o princípio jurídico da “força maior”. É necessário que tenham o cuidado de separar o joio do trigo, privilegiando o direito positivo e não se deixando influenciar pelos interesses eleitorais dos recorrentes. Acima de tudo, devem preservar a segurança jurídica, tomando cuidado para que eventual autorização de medidas excepcionais possa ser revertida quando a pandemia e a crise econômica dela resultante acabarem.

• BC promete fazer mais e conta corrente deve encolher – Editorial | Valor Econômico

Maior golpe será no investimento estrangeiro, que deverá recuar dos US$ 78,6 bilhões de 2019 para US$ 60 bilhões

Em reunião virtual com o mercado financeiro, na semana passada, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, reconheceu que o real tem registrado comportamento pior do que a maioria das moedas de emergentes nos últimos meses. Como o próprio Campos Neto informou, o real se desvalorizou 23% em relação ao dólar do início do ano até 6 de abril, praticamente o mesmo que o pior da lista, o rand da África do Sul, com 23,1%. O real caiu em relação ao dólar mais do que os 17,7% do rublo, os 16% do peso colombiano e os 14% da rúpia da Indonésia.

Assim como o comando anterior do BC, Campos Neto preza a separação entre as políticas monetária e cambial; e endossa a posição de que o câmbio é flutuante. Embora tenha operado massivamente no câmbio nas últimas semanas, o BC evitou perseguir uma cotação ideal. Mas Campos Neto garantiu ao mercado que o BC pode atuar de forma “muito mais forte” no mercado de moeda caso haja necessidade de combater eventuais disfuncionalidades e “evitar excessos”. Talvez o BC ainda tenha que demonstrar o que exatamente isso quer dizer.

O BC tem atuado em várias frentes no mercado de câmbio. Já vendeu US$ 25,4 bilhões das reservas no mercado a vista neste ano, até o dia 3 de abril, volume equivalente a cerca de 70% do total de US$ 36,9 bilhões vendidos em todo o ano passado. Fez também leilões de linha, em que oferece dólares das reservas internacionais com compromisso de recompra, que somaram US$ 15,7 bilhões.

Além das vendas de dólares no mercado a vista, o BC também intensificou a oferta de contratos de swaps cambiais, o que equivale a venda de moeda no mercado futuro. Nessas operações, perdeu R$ 31,259 bilhões em março e R$ 4,453 bilhões nos três primeiros dias de abril. Desde o início do ano, a perda chega a R$ 50,9 bilhões porque o dólar não parou de subir. É a maior perda desde 2015, quando atingiu R$ 89,7 bilhões.

Os prejuízos com swap cambial causados pela elevação do dólar têm impacto fiscal porque são incorporados às despesas com juros da dívida pública, aumentando o déficit nominal, que chegou a 6% do PIB em fevereiro, marca notada pelas agências de rating. Por outro lado, a alta do dólar valoriza as reservas internacionais em reais. O ganho neste ano está em R$ 465,8 bilhões, o que não influencia as contas públicas. Mas esse ganho é incorporado ao balanço do BC e utilizado para abater a dívida pública.

Tudo indica que a pressão continuará. De janeiro até os três primeiros dias de abril, saíram US$ 13,1 bilhões do mercado brasileiro. Essa conta é resultado da retirada de US$ 28,9 bilhões pelo mercado financeiro, reduzida pelo saldo comercial, que está positivo em US$ 15,9 bilhões. A saída dos investimentos estrangeiros é generalizada entre os emergentes, e já beira os US$ 100 bilhões. O desmonte das operações internas de overhedge apenas agrava a tendência e, por isso, mereceu tratamento especial pelo BC.

O movimento terá impacto nos resultados das contas externas em março, mas já pode ser notado em fevereiro. O déficit em conta corrente totalizou US$ 3,9 bilhões em naquele mês, acima dos US$ 3,3 bilhões de fevereiro de 2019. A ampliação do déficit é resultado da redução do superávit da balança comercial de bens e, principalmente, do aumento do déficit da conta de serviços. O déficit em transações correntes nos 12 meses encerrados em fevereiro somou US$ 52,9 bilhões, 2,91% do PIB, acima dos US$ 52,3 bilhões de janeiro.

O fluxo de investimento estrangeiro no país segue financiando o déficit das contas externas, embora o volume tenha declinado. Essa conta recuou de US$ 7,7 bilhões em janeiro para US$ 6 bilhões em fevereiro, acumulando US$ 76,7 bilhões em 12 meses. Já as saídas de investimento em portfólio somaram US$ 3,4 bilhões, sendo US$ 4,5 bilhões em ações e fundos de investimento com entrada de US$ 1,1 bilhão em títulos de dívida.

Apesar da expectativa de redução dos investimentos externos e das exportações, em consequência da pandemia do coronavírus, o balanço em conta corrente deve encolher como um todo sem apresentar motivo de preocupação especial. Já sob o impacto do novo cenário, o Banco Central revisou no fim do mês passado sua projeção para o balanço de pagamentos no Relatório Trimestral de Inflação, reduzindo a projeção do déficit em conta corrente de US$ 57,7 bilhões para US$ 41 bilhões. Maior golpe será exatamente no investimento estrangeiro no país, que deverá recuar dos US$ 78,6 bilhões registrados em 2019 para US$ 60 bilhões.

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