Além
da autorregulação é preciso regras que inibam lá e cá atitudes como as de Trump
Numa
decisão polêmica, mas acertada, o Twitter decidiu
encerrar em caráter definitivo a conta do presidente americano Donald Trump.
O motivo alegado foi o risco potencial de incitamento à violência dado o uso da
plataforma pelo presidente para disseminar falsas notícias (fake news) e
promover as mobilizações que levaram à invasão do Capitólio por manifestantes
pró-Trump. Tardia, a decisão reflete uma reação que deverá aquecer as
discussões já em curso sobre a necessidade de se regular as grandes empresas de
tecnologia, em particular as plataformas de mídias sociais e seus algoritmos de
curadoria.
Ao contrário do que querem fazer crer os defensores do presidente americano ou os críticos às ações do Twitter – e também do Facebook, Snapchat e Instagram – lá e aqui, é a defesa da democracia o pano de fundo nessa discussão. Muito além das questões antitruste ou dos temores legítimos em relação ao tamanho (e ao poder de mercado) que as plataformas digitais adquiriram ao longo do tempo, é a capacidade de desinformar e de serem usadas como ferramenta de manipulação em massa a grande preocupação.
Não
surpreende, portanto, que os mais indignados e vocais contra as ações de
banimento sejam os mesmos que se posicionam em favor dos nossos tristes anos de
ditadura, marcados pela censura e pela tortura, negada por eles. Parece
paradoxal, mas não é. Afinal, a capacidade de produzir fake news e de
disseminá-las de forma rápida e em grande escala são o caminho para a
manipulação e, consequentemente, para se colocar em xeque o regime democrático.
A história – atual e pregressa – está cheia de exemplos analógicos de situações
semelhantes.
Não
são poucos os estudos e artigos acadêmicos que têm se debruçado sobre o tema.
Um deles foi divulgado há cerca de um mês pelo Centro de Filantropia e
Sociedade Civil da Universidade Stanford. Elaborado sob o um programa que
estuda “Democracia e a Internet” o relatório, que tem como um dos autores o
cientista político Francis
Fukuyama, faz uma ampla discussão sobre a escala e o papel das
plataformas digitais. Ao final, o trabalho sugere um caminho inovador – e de
implementação mais rápida. Fugindo (sem eliminar sua necessidade) das receitas
tradicionais de fomento à competição, emerge a proposta de abertura dessas
plataformas para que empresas independentes de tecnologia possam acessá-las
diretamente e fazer a curadoria de notícias, sob orientação do próprio usuário
e em contraposição aos algoritmos internos de inteligência artificial que hoje
fazem essa escolha de forma automática. Devolve-se assim ao cidadão o controle
sobre aquilo que ele lê.
A
urgência dessa agenda vem dos efeitos da escala e do poder de alcance dessas
empresas, que vão muito além dos aspectos econômicos. Eles são também
políticos. A curadoria de notícias, via amplificação ou supressão de mensagens
– e a consequente possibilidade de alavancar e rapidamente disseminar a
desinformação – pode ter efeitos diretos sobre as escolhas políticas,
influenciando as decisões e o comportamento dos cidadãos. Daí o impacto
deletério sobre a democracia, que deixa de ter como eixo a decisão livre e
informada dos eleitores e passa a ser subjugada por processos pouco transparentes
– senão falsos – e reações dirigidas. Mais, conforme definido por David Lazer e
autores no artigo A ciência das fake news, a disseminação de notícias falsas
por um presidente da república que toma emprestada a credibilidade – não a sua
(quando a tem), mas a da instituição (a Presidência da República) – para
distribuir como verdade aquilo que não é, valida a desinformação e garante sua
amplificação.
Sim,
a decisão de banir o presidente Trump e evitar que ele continue a manipular
cidadãos por meio da desinformação é uma decisão correta do Twitter. Fazê-lo só
agora corrobora que ele foi longe demais e esteve livre demais para usar as
plataformas digitais (e seu posto de presidente dos Estados Unidos) para desinformar, incitar o ódio e avançar
contra as instituições americanas. Mas isso também significa que precisamos,
além da autorregulação que agora surge, de uma regulação que iniba de forma
estrutural atitudes como essas – lá e cá.
A
maior das motivações não é a econômica e tampouco o combate a uma eventual
afronta à liberdade de expressão, argumento falacioso de bolsonaristas órfãos
de seu guru abjeto. A motivação principal para a regulação e a abertura dessas
plataformas é a necessidade de se definir critérios que vão muito além das
atuais boas intenções das empresas. Elas hoje podem estar se guiando pela
premência de interromper um processo nefasto e inaceitável de ameaça à
democracia. Mas há que se lembrar que boas intenções não são substitutos para
uma boa regulação e menos ainda para as instituições que a defendem.
Essa
é uma constatação que pode ter vindo tarde nesse campo. Mas tarde é sempre
melhor do que nunca.
*Economista e sócia da consultoria Oliver Wyman.
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