Só
Jair Bolsonaro e seus ajudantes de ordens parecem desconhecer que vacinação é
dado essencial para qualquer previsão econômica, nacional ou global.
Vacinação é dado essencial para qualquer previsão econômica, nacional ou global, neste momento, e só o presidente Jair Bolsonaro e seus ajudantes de ordens parecem desconhecer esse fato. “A vacinação vai começar no dia D e na hora H”, disse na segunda-feira o ministro da Saúde, intendente Eduardo Pazuello, recusando-se mais uma vez a falar seriamente sobre datas e critérios de um suposto plano federal de imunização contra a covid-19. Seu chefe continua a representar dois papéis. Um dia depois de assinar medida provisória para flexibilizar normas de aquisição de vacinas e insumos, o presidente reapareceu com sua face mais natural. “Vacina, sendo emergencial, não tem segurança ainda. Ninguém pode obrigar ninguém a tomar algo que (sic) você não tem certeza das consequências.” Esse mesmo presidente havia sido, como seu líder Donald Trump, um entusiasmado propagandista da cloroquina.
Dirigentes
e economistas de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), analistas do mercado financeiro e técnicos de grandes
consultorias condicionam suas projeções para 2021 – e para os três ou quatro
anos seguintes – à evolução das condições sanitárias. A maior ameaça à
recuperação econômica, por enquanto, é o surgimento de novas ondas de
contaminação pelo coronavírus, já observado nos Estados Unidos e em vários
países da Europa Ocidental. Em contrapartida, a esperança de uma retomada veloz
e firme é relacionada a avanços médicos, especialmente ao rápido progresso da
vacinação.
“Progressos com vacinas e tratamentos, além de mudanças para reduzir a transmissão, nos locais de trabalho e no comportamento dos consumidores, poderão permitir um retorno aos níveis pré-pandêmicos mais veloz do que se havia projetado, sem deflagrar novas ondas de infecção”, de acordo com o FMI. “Pela primeira vez desde o início da pandemia, há esperança de um futuro mais brilhante”, segundo comentário divulgado pela Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). As avaliações do FMI e da OCDE surgiram, em dezembro, depois de notícias sobre avanços na elaboração de vacinas.
Esperanças
e temores em relação à economia continuam vinculados, neste começo de ano, à
luta contra a covid-19. Os Barômetros Globais divulgados no Brasil pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV) são exemplos de como as projeções dependem das
expectativas sobre a doença. Esses barômetros, baseados em tendências
pesquisadas em cerca de 50 países, incluem avaliações da economia atual e
expectativas em relação aos seis meses seguintes.
Em
janeiro o Barômetro Coincidente subiu de 93,9 pontos para 95, revertendo a
queda registrada em dezembro e indicando pequena melhora na avaliação das
condições presentes. Denotando maior otimismo, o Barômetro Antecedente variou
6,1 pontos e atingiu 11,6. Esse otimismo, segundo análise da FGV, pode ser
reflexo do início da vacinação em vários países.
No
caso do Barômetro Antecedente, no entanto, a região do hemisfério ocidental
seguiu caminho oposto ao das demais, apresentando a única variação negativa.
Essa trajetória é explicável, de acordo com o relatório, pela “morosidade da
vacinação em alguns países” e pelo “cenário crítico da pandemia no Brasil e nos
Estados Unidos”.
A
importância econômica da pandemia – e da vacinação – também tem sido ressaltada
nas projeções elaboradas no Brasil. Um claro exemplo é o documento do Banco
Safra sobre as perspectivas de 2021. “O início da vacinação contra o vírus da
covid-19” – assim começa o documento – “deu confiança ao consumidor e tem-se
refletido na apreciação da maioria dos ativos globais, incluindo os
brasileiros.”
No
caso do Brasil, pressupõe-se ampla vacinação a partir de janeiro, uma das
condições para um crescimento estimado em 4,2% (para a economia global a
projeção é de 5,2%). Além de aparecer em várias passagens do relatório, a
vacinação é tema de um box de três páginas, um décimo da extensão do documento.
Com tanta coisa escrita, é difícil dizer se chegará a ser lido pelo presidente
da República.
Bolsonaro, soldados e policiais – Opinião | O Estado de S. Paulo
Jair
Bolsonaro é o comandante supremo das Forças Armadas. Deve atuar como tal.
A presença de militares e ex-militares no governo federal é uma característica da administração de Jair Bolsonaro. Desde a redemocratização do País, nunca houve, por exemplo, tantos ministros de Estado com histórico profissional vinculado às Forças Armadas. Logicamente, essa característica do governo Bolsonaro desperta uma natural apreensão, seja pelos possíveis efeitos que essa participação pode provocar na imagem e no comportamento das Forças Armadas, seja porque, em um Estado Democrático de Direito, os militares têm uma função institucional muito clara – bem distante da política.
É
preciso, no entanto, destacar outra característica do governo de Jair Bolsonaro
em relação aos militares que, sem muitas vezes receber a devida atenção, pode
ter efeitos especialmente desastrosos. Trata-se da tentativa constante do
presidente Bolsonaro de estabelecer uma relação direta, de natureza
político-ideológica, com soldados e policiais, desrespeitando os limites do
cargo e as respectivas esferas dessas categorias.
Essa
atitude do presidente Bolsonaro pode ser observada, por exemplo, em sua
frequente participação em solenidades de formatura de militares ou de
policiais. Segundo levantamento do jornal O Globo, de janeiro de 2019 a
dezembro de 2020, Bolsonaro participou de 24 formaturas de membros do Exército,
da Marinha, da Aeronáutica e das Polícias Militar, Federal e Rodoviária
Federal. Na primeira metade do seu governo, esteve presente em 16 solenidades
de formatura das Forças Armadas e em 8 de Polícias.
Não
é demais lembrar que a presença do presidente da República numa solenidade das
Forças Armadas não tem, por si só, nada de reprovável. Como dispõe a
Constituição, o presidente da República é o comandante supremo das Forças
Armadas. O que desperta preocupação no comportamento de Jair Bolsonaro são dois
pontos: a alta frequência de sua participação nesses eventos – a revelar que
não é algo circunstancial, mas tática política, com objetivo e método – e,
principalmente, a mensagem que vem transmitindo às novas gerações de formandos
de militares e policiais.
Estivesse
apenas a exercer o papel de comandante supremo das Forças Armadas, o presidente
Bolsonaro certamente aproveitaria esses eventos para recordar os deveres e
princípios constitucionais relativos aos militares e às forças de segurança. No
entanto, ele tem usado essas solenidades como palanque político-ideológico,
difundindo ideias estranhas ao Estado Democrático de Direito.
No
mês passado, por exemplo, o presidente Bolsonaro utilizou a cerimônia de
formatura de soldados da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro para
atacar a imprensa. “Não se esqueçam disso, essa imprensa jamais estará do lado
da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês. Pensem dessa forma
para poderem agir”, disse Jair Bolsonaro.
A
imprecação contra a imprensa parece ter sido retirada de algum discurso de Hugo
Chávez. Sua fala não é condizente com o cargo de presidente da República, e
menos ainda é adequada a uma formatura de policiais militares ou mesmo de
estudantes.
É
tão fora de prumo o comportamento do presidente Jair Bolsonaro nas formaturas
de militares e de policiais que sua constante presença nesses eventos, mais do
que manifestação de prestígio para as respectivas carreiras, vem causando apreensão
nas altas patentes. Não é para menos. Conhecem quão árduo é formar as tropas
dentro do genuíno espírito militar e quão fácil é contaminar a soldadesca com
questões político-ideológicas.
Desde
o início, a trajetória política de Jair Bolsonaro foi marcada pela proximidade
com policiais e militares de baixa patente. Suas campanhas eleitorais para o
Legislativo sempre foram voltadas para essas categorias. Isso, no entanto, não
lhe dá o direito de usar o cargo de presidente da República para fazer agremiação
política com soldados e policiais.
Como
gosta de lembrar, Jair Bolsonaro é o comandante supremo das Forças Armadas.
Deve atuar, portanto, como tal. Essa competência constitucional traz graves
deveres. Descumpri-los é abrir caminho para o desastre.
Um respiro para o Rio Pinheiros – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
vida de um rio urbano está intimamente ligada à vida da cidade que corta.
Faz mais de três décadas que sucessivos governadores de São Paulo têm prometido limpar o Rio Tietê e seu afluente, o Rio Pinheiros. Ao assumir o Palácio dos Bandeirantes, João Doria renovou a promessa. Nessa questão, o que parece diferenciar o atual governador de seus antecessores é que, em relação ao Rio Pinheiros, o programa de despoluição parece bem encaminhado.
O
governo paulista encerrou o ano de 2020 concluindo as obras para ligação da
rede de esgoto de 120 mil residências na cidade de São Paulo. Quase todos esses
imóveis foram construídos irregularmente em favelas, sob condições precárias.
Sem a infraestrutura adequada, diariamente essas construções lançavam dejetos
nos córregos que desembocam no Rio Pinheiros.
Para
que a meta estabelecida pelo governador João Doria seja cumprida – despoluir o
Rio Pinheiros até a conclusão de seu mandato, em 2022 – será necessário
construir uma rede de coleta de esgoto adequada em 533 mil imóveis da capital.
Especialistas ouvidos pelo Estado consideram que nos próximos dois
anos é perfeitamente possível que o governo paulista conclua as obras nos 413
mil imóveis restantes.
Evidentemente,
caso cumpra a arrojada meta que fixou para seu mandato, João Doria terá uma
marca histórica em sua passagem pelo Palácio dos Bandeirantes. Porém, mais do
que a conquista de um governo, um Pinheiros limpo será uma vitória dos
paulistanos, que terão no rio um dos bens coletivos mais preciosos que os
habitantes de São Paulo poderiam ter. A vida de um rio urbano, como o Rio
Pinheiros, está ligada à vida da cidade que corta. Basta ver a relação que os
parisienses têm com o Sena, os londrinos com o Tâmisa ou os lisboetas com o
Tejo.
Um
rio sem cheiro e com águas limpas abre espaço para a ocupação de suas margens.
Tal como a oxigenação das águas enseja a vida no rio, a despoluição também
assegura um florescimento de vida no entorno, com o aparecimento de bares,
restaurantes e outros espaços de convivência. Mas não se pode perder de vista o
maior objetivo do projeto de despoluição. “Ninguém está falando de um rio que
vai estar disponível para natação, para esportes de contato direto com a água.
Ninguém está falando em beber a água do Rio Pinheiros. Estamos falando de um
rio que tenha a todo tempo condições aeróbias. Dessa maneira, ele deixa de
cheirar mal”, disse ao Estado o presidente da Sabesp, Benedito Braga,
à época do lançamento do projeto de despoluição.
Paralelamente
à execução do projeto de despoluição do Rio Pinheiros, o governo de São Paulo
também trabalha na assinatura de acordos com a iniciativa privada para a
exploração comercial de áreas como a antiga Usina de Traição, hoje Usina São
Paulo. Prevê-se que o local se torne uma espécie de “Puerto Madero” da capital
paulista, em referência à área revitalizada de Buenos Aires. No local haverá um
centro de convenções e restaurantes. Também é esperado para os próximos dias o
resultado de uma licitação para a criação de um parque às margens do rio.
A
despoluição dos rios que cortam São Paulo – uma causa que há muitos anos tem
sido defendida pelo Estado – é virtuosa não só por seus benefícios
estéticos ou de natureza econômica e urbanística. Ao fim e ao cabo, trata-se
também de dar dignidade a milhares de paulistanos que vivem em condições
sub-humanas, sem acesso à coleta adequada de esgoto. O modelo de remuneração
das empresas que realizam as obras de criação de uma rede coletora paralela aos
córregos é inteligente. O pagamento é feito pela quantidade de esgoto que deixa
de ser lançada nos córregos, não pela quantidade de ligações feitas por
residência irregular. Cria-se, assim, um estímulo para que o trabalho das
empresas seja rápido e, mais importante, bem executado.
A
vitória final será a retirada deste enorme contingente de paulistanos de áreas
precárias, muitas delas absolutamente inóspitas. Mas, até lá, já será um grande
passo o Estado de São Paulo e a Prefeitura, no que lhe compete, oferecerem a
esses cidadãos condições de vida mais dignas.
Reação das plataformas digitais passou da conta – Opinião | O Globo
É
justificável impor restrições a Trump por incitar violência, mas não calar a
voz de milhares de seguidores
Foram
anos de mentiras de Donald Trump nas redes sociais, a começar pela que lançou
sua carreira política: a fabulação racista que põe em dúvida se Barack Obama
nasceu nos Estados Unidos. Mas só quando a turba de vândalos incitados por ele
invadiu o Capitólio, as gigantes digitais decidiram tomar medidas drásticas
contra o mentiroso-em-chefe. É nítido que, agora, a reação passou da conta.
Facebook
e Instagram suspenderam Trump pelo menos até a posse de Joe Biden. O Twitter o
bloqueou em definitivo e apagou o histórico de seus tuítes. Bastou seus
seguidores começarem a migrar em massa para o incipiente Parler — cujas regras
são mais tolerantes com o discurso agressivo — para que Apple e Google banissem
o aplicativo. A Amazon excluiu o Parler de seus servidores, na prática
derrubando essa rede social de alcance limitado.
As
justificativas das plataformas digitais guardam pouca relação com o zelo pelas
consequências do discurso que fazem circular — do contrário, por que só agora a
suspensão, se antes bastava rotular posts como falsos ou controversos? Ou que
dizer das dezenas de líderes globais — dos aiatolás iranianos ao presidente
Jair Bolsonaro — que continuam a usá-las como veículo para manipulação
política? Parece evidente que a intenção das plataformas é polir a imagem
atingida por anos de leniência com a desinformação, numa tentativa de evitar
medidas regulatórias mais duras por parte do novo governo Biden.
É
absurdo que dezenas de milhares de usuários de uma rede de escassa relevância,
o Parler, sejam atingidos, como se todos estivessem conspirando para lançar
bombas na posse de Biden fantasiados de vikings brandindo aríetes. Regular o
discurso não é tarefa exatamente trivial. De todo modo, há uma distância enorme
entre a permissividade que deu a Trump, Bolsonaro e outros líderes a
oportunidade de comandar impunes movimentos extremistas e a proibição de acesso
pura e simples.
A
liberdade de expressão deve justamente proteger as opiniões mais estapafúrdias.
Ninguém precisa de proteção para falar aquilo com que todos concordam. Em
qualquer meio, portanto, só é razoável restringi-la quando houver violação
clara da lei: incitação à violência, conspiração criminosa, calúnia, injúria,
difamação etc. Cada democracia estabelece limites próprios, segundo sua
história e cultura (nos Estados Unidos, a liberdade é ainda mais protegida que
no Brasil).
As
regras para impor sanções não podem ser arbitrárias, nem depender da
conveniência política desta ou daquela plataforma. Ainda que sejam empresas
privadas e tenham liberdade para impor normas internas de conduta, as redes sociais
também têm uma dimensão pública e adquiriram relevância política incontestável.
Regulá-las impõe um desafio de que, até agora, nenhuma democracia se
desincumbiu a contento — a começar pela americana.
É
evidente que, se houver violação da lei, restrições são justificáveis. Foi o
caso de Trump, ao incitar a turba. Mas dificilmente é o das dezenas de milhares
de atingidos pelo furor missionário que de repente acometeu o Vale do Silício.
Cidades serranas precisam se preparar para as chuvas fortes – Opinião | O Globo
É
inconcebível que, dez anos após uma tragédia, ainda haja 86 mil pessoas vivendo
em áreas de risco
Ao
longo de décadas, o Estado do Rio tem sido cenário de tragédias provocadas por
tempestades. As chuvas arrasadoras de 1966/1967 e de 1988 deixaram cicatrizes
profundas na capital. Mas nada se compara à catástrofe ocorrida nos municípios
da Região Serrana em janeiro de 2011. Uma tromba d'água sem precedentes causou
destruição jamais vista. Bairros inteiros foram devastados pela enxurrada de
lama e pedras, prédios desabaram, o curso de rios foi alterado, estradas
ficaram bloqueadas, e serviços essenciais entraram em colapso. Na contagem
oficial, foram 918 mortos e 99 desaparecidos. Há estimativas de que o número
real de mortes possa ter passado de 1.500.
A
maior tragédia climática já registrada no país deveria ter nos ensinado alguma
coisa. Mas, pelo visto, se aprendeu pouco. Como mostrou reportagem do GLOBO,
dez anos depois, o cenário em Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, cidades
mais atingidas, ainda é de medo e apreensão. Pelo menos 86 mil pessoas vivem em
áreas suscetíveis a deslizamentos ou alagamentos nos três municípios. A incúria
dos governos fica evidente também nos projetos que nunca saíram do papel — como
a criação de parques fluviais, que teriam o objetivo de impedir a ocupação das
margens dos rios — e na profusão de obras não realizadas ou não concluídas. O
descaso é tamanho que casas condenadas pela Defesa Civil por estarem em áreas
de risco geológico voltaram a ser ocupadas, sinal inequívoco do fracasso nas
políticas habitacionais.
As
chuvas de 2011 na Serra foram um evento raro, mas isso não quer dizer que não
possa ocorrer de novo. Em outubro do ano passado, um relatório da Organização
Meteorológica Mundial mostrou que os eventos extremos quintuplicaram nos
últimos 50 anos, e se tornaram mais frequentes, intensos e letais, como
resultado das mudanças climáticas. A Meteorologia prevê que este verão será
mais chuvoso que o habitual, e não estão descartadas tempestades na Serra. As
cidades não estão preparadas nem mesmo para as chuvas fortes, que dizer de
eventos extremos.
É
sempre possível tirar lições das tragédias. As chuvas de 1966 que devastaram o
Rio levaram à criação do Instituto de Geotécnica e a uma série de obras que, ao
longo de décadas, estabilizaram as encostas do município. Evidentemente, não há
como impedir esses fenômenos. Mas uma série de ações e protocolos permitem
reduzir danos e preservar vidas. É inconcebível que, uma década depois da
tragédia, as cidades serranas estejam tão vulneráveis às chuvas quanto em 2011,
com milhares de pessoas ocupando áreas de risco nas encostas e margens de rios.
A negligência com vidas humanas cobra seu preço, e essa conta mais cedo ou mais
tarde acaba chegando.
Toda informação – Opinião | Folha de S. Paulo
Jornalismo
profissional caminha com livre difusão de ideias, não com bloqueios
“Produtores de conteúdo de qualidade e
registro histórico como a Folha têm o desafio de fazer prevalecer os
valores do jornalismo profissional na cacofonia própria do meio digital, em que
informação e entretenimento, realidade e rumor, notícias e ‘notícias falsas’
tendem a se confundir e quase tudo se expressa com igual estridência,
reproduzido de forma desligada do contexto original.”
O
desafio foi descrito na atual edição do Projeto Editorial deste jornal,
publicada há quatro anos, e submetido a teste acadêmico inédito na última
campanha eleitoral.
Conduzido
por cientistas políticos de universidades do Brasil e dos EUA, o trabalho
chegou a conclusão alvissareira: o jornalismo profissional diminui
significativamente a probabilidade de uma pessoa acreditar em fake news.
A
difusão de informação confiável continua sendo o melhor antídoto ao veneno que
intoxicou as democracias nos últimos anos. Só funciona, porém, em sociedades
que gozam de liberdade de expressão —um valor ameaçado.
A
defesa da livre circulação de ideias, o que evidentemente inclui ideias ruins,
precisa ser intransigente. Não pode ocorrer segundo as conveniências de
momento, como se vê mais uma vez na ação das grandes empresas de tecnologia,
hoje difusoras importantes do jornalismo de qualidade.
O
oligopólio bilionário age em peso agora para bloquear a
comunicação do presidente dos EUA, Donald Trump, e de seus seguidores.
Não
se trata mais de alertar o internauta para a falta de veracidade do que é dito.
Nos dias derradeiros deste caótico governo, as big techs ficaram subitamente
corajosas a ponto de congelar as contas do homem mais poderoso do mundo.
Saltam
aos olhos, nesse episódio, a força oligopolista das gigantes de tecnologia, que
remaram em conjunto na mesma direção, e a incoerência em relação ao que
prometiam pouco tempo atrás. “Não é nosso papel interferir quando políticos
falam”, afirmava o Facebook há menos de dois anos.
As
empresas mostram, novamente, pequena disposição a defender valores. Resistência
que é necessária, para citar outro exemplo recente, contra a intimidação descabida
que o governo Jair Bolsonaro faz ao anunciar novos
inquéritos contra jornalistas por causa da opinião expressada.
O
poder econômico das empresas de tecnologia se converteu em poder político. É
extremamente perigoso deixar que elas o usem para estrangular o debate público.
Isso
não é compatível com os valores do jornalismo profissional, antídoto contra as
fake news das redes sociais. Cabe ao poder público regular a ação das big
techs, garantindo a livre circulação de ideias.
Outro ano de calor – Opinião | Folha de S. Paulo
2020
teve, ao lado de 2016, a maior temperatura registrada; Biden é esperança
Embora
tenha passado a segundo plano no rol das preocupações mundiais devido à
pandemia de Covid-19, a crise climática manteve sua marcha inclemente em 2020.
Dados
da agência europeia Copernicus mostram que o ano passado foi o mais quente da
série histórica, ao lado de 2016, que até então detinha o recorde. Com isso,
num sinal de avanço do aquecimento global, os últimos seis anos tornaram-se os
mais quentes já detectados em medições e estimativas que remontam ao século 19.
A
temperatura média da superfície do planeta esteve, em 2020, 1,25°C mais alta do
que no período pré-industrial —um número perigosamente perto de 1,5°C,
considerado o limite para evitar os piores impactos da mudança do clima.
Dois
fatores tornam ainda mais extraordinário —e preocupante— o recorde de 2020. No
ano passado ocorreu o fenômeno climático La Niña, que produz um resfriamento da
superfície do oceano Pacífico equatorial. Inversamente, 2016 esteve sob efeito
do El Niño, que provoca um esquentamento anormal das águas da mesma região.
Em
algumas regiões, a elevação das temperaturas se deu de forma excepcional. A
Europa, por exemplo, crestada por mortíferas ondas de calor em julho e agosto,
bateu em 2020 o recorde que fora estabelecido no ano anterior.
No
Ártico e no norte da Sibéria a situação mostrou-se ainda mais extrema, com uma
vasta área registrando até 3°C acima das médias de 1981-2010, e alguns locais
chegando a espantosos 6°C acima delas.
A
consequência desse desarranjo se deu na forma de incêndios florestais
mastodônticos, que produziram, no Círculo Polar Ártico, recorde de toneladas de
CO2 liberadas. O gelo do mar Ártico também apresentou redução drástica,
atingindo a menor extensão histórica para os meses de julho e outubro.
A
única maneira conhecida de enfrentar tamanha calamidade é reduzir brutalmente a
liberação de gases do efeito estufa na atmosfera, em particular o CO2. Em 2020,
apesar da queda de 7% nas emissões, em razão da pandemia, a concentração de
dióxido de carbono continuou aumentando.
Nesse
cenário, a chegada de Joe Biden à Casa Branca traz esperança. O democrata
promete uma guinada nas políticas ambientais dos EUA, com o retorno ao Acordo
de Paris, o investimento de US$ 2 trilhões (R$ 11 trilhões) em energia limpa e
o estímulo à transição para uma economia de baixo carbono.
Reação da economia depende da energia – Opinião | Valor Econômico
Projetos
de lei sobre energia aguardam há tempos no Congresso
Assim
como em outros setores da economia, a pandemia do novo coronavírus freou
diversos aperfeiçoamentos legais e técnicos e planos de investimento que
estavam em curso na energia. Houve forte volatilidade de preços. Com a
interrupção quase total das atividades verificada de início, no período de
isolamento social, a demanda por energia caiu e os preços mergulharam. A Câmara
de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) constatou uma queda ao redor de
11% da demanda por energia entre o fim de março e meados de maio. O Preço de
Liquidação das Diferenças (PLD), praticado no mercado livre, acabou despencando
para pouco menos de R$ 40 o MWh nesse momento.
Com
a retomada das atividades no segundo semestre, o PLD voltou a subir. O calor
acima do esperado em setembro e outubro aumentou a demanda e catapultou o PLD
para até R$ 300 o MWh. O presidente Jair Bolsonaro chegou a sugerir que a
população apagasse as luzes e tomasse banhos mais rápidos para evitar um
possível apagão. A falta de luz durante mais de 20 dias no Amapá em novembro,
por três dias em Teresina (PI) e cerca de quatro horas em São Luiz (MA)
confirma a suposição de que há muitas coisas erradas na área da energia.
Volatilidade
não chega a ser coisa rara na energia, dada a dependência de fatores climáticos
e hidrológicos. Mas as oscilações de 2020 surpreenderam até os especialistas. A
CCEE esperava que o PLD ficasse ao redor de R$ 100. Para o fechamento do ano, a
Câmara prevê queda de 1,5% da demanda de energia. A inadimplência naturalmente
aumentou, chegando a 5,22% em novembro, bem acima da média de 3,75% de janeiro
a outubro e da média mensal de 1,93% de todo o ano de 2019.
As
distribuidoras de energia foram as primeiras a pedir socorro e conseguiram dos
bancos um empréstimo em condições favoráveis, próximo de R$ 15 bilhões, que
será repassado para as contas de luz, a chamada “conta covid”. Foi uma medida
semelhante à adotada em 2014, durante período de forte restrição hídrica no
governo da presidente Dilma Rousseff. A ajuda daquela época causou aumento das
tarifas até 2018, mas garantiu a sustentabilidade financeira do setor.
A
previsão é que a demanda volte a crescer neste ano, dependendo naturalmente do
ritmo de vacinação da população e da resposta da economia. As previsões
otimistas falam em aumento de 3,4% da carga. Outros esperam que somente em 2022
a carga volte aos índices mais próximos do padrão anterior à pandemia. Os mais
pessimistas esperam uma normalidade apenas em 2025.
Qualquer
que seja o horizonte de tempo, é preciso retomar a agenda de modernização do
setor elétrico e a construção do Novo Mercado de Gás, projetos que ficaram para
trás com as prioridades impostas pela pandemia. Está no Senado o Marco Legal do
Setor Elétrico (PLS 232/16) que, entre outras coisas permite a portabilidade da
conta de luz e dispõe sobre as concessões de geração de energia elétrica e os
leilões para compra de energia elétrica.
A
Nova Lei do Gás (PL 6407/13), defendida pelo ministro Paulo Guedes, que promete
com ela um “choque de energia barata”, está na Câmara, depois de longo tempo no
Senado. Até mesmo defensores da economia verde entendem que o Brasil não pode
deixar de aproveitar o imenso potencial de gás natural do pré-sal e da
Amazônia.
O
gás natural é visto como combustível para as térmicas, necessárias para
contrabalançar a falta de energia sazonal das fontes renováveis, sejam usinas
hidrelétricas, eólicas e solares, que causam os picos de preço e déficits de
oferta. Por falta de infraestrutura que viabilize o uso do gás natural dos
campos do pré-sal, o país importa metade do gás natural que consome e compõe ao
redor de 13% da matriz energética, e reinjeta o equivalente a seu consumo
diário de gás nos poços. Sua utilização depende da existência de mais terminais
para escoar o combustível até a costa, de uma rede para a distribuição do
produto no interior do país e da construção de um mercado consumidor.
Ainda estão também no Congresso a Alteração de Regime de Partilha (PL 3178/19), a Lei de Concessões (PL 7063/19), o risco hidrológico (PL 3975/2019) e a polêmica privatização da Eletrobras (PL 5877/19). A agenda é intensa e deve ser encarada uma vez que a esperada recuperação da economia depende da disponibilidade de energia e de regras modernas para estimular o investimento no setor.
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