terça-feira, 12 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Vacinar para crescer – Opinião | O Estado de S. Paulo

Só Jair Bolsonaro e seus ajudantes de ordens parecem desconhecer que vacinação é dado essencial para qualquer previsão econômica, nacional ou global.

Vacinação é dado essencial para qualquer previsão econômica, nacional ou global, neste momento, e só o presidente Jair Bolsonaro e seus ajudantes de ordens parecem desconhecer esse fato. “A vacinação vai começar no dia D e na hora H”, disse na segunda-feira o ministro da Saúde, intendente Eduardo Pazuello, recusando-se mais uma vez a falar seriamente sobre datas e critérios de um suposto plano federal de imunização contra a covid-19. Seu chefe continua a representar dois papéis. Um dia depois de assinar medida provisória para flexibilizar normas de aquisição de vacinas e insumos, o presidente reapareceu com sua face mais natural. “Vacina, sendo emergencial, não tem segurança ainda. Ninguém pode obrigar ninguém a tomar algo que (sic) você não tem certeza das consequências.” Esse mesmo presidente havia sido, como seu líder Donald Trump, um entusiasmado propagandista da cloroquina.

Dirigentes e economistas de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), analistas do mercado financeiro e técnicos de grandes consultorias condicionam suas projeções para 2021 – e para os três ou quatro anos seguintes – à evolução das condições sanitárias. A maior ameaça à recuperação econômica, por enquanto, é o surgimento de novas ondas de contaminação pelo coronavírus, já observado nos Estados Unidos e em vários países da Europa Ocidental. Em contrapartida, a esperança de uma retomada veloz e firme é relacionada a avanços médicos, especialmente ao rápido progresso da vacinação.

“Progressos com vacinas e tratamentos, além de mudanças para reduzir a transmissão, nos locais de trabalho e no comportamento dos consumidores, poderão permitir um retorno aos níveis pré-pandêmicos mais veloz do que se havia projetado, sem deflagrar novas ondas de infecção”, de acordo com o FMI. “Pela primeira vez desde o início da pandemia, há esperança de um futuro mais brilhante”, segundo comentário divulgado pela Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). As avaliações do FMI e da OCDE surgiram, em dezembro, depois de notícias sobre avanços na elaboração de vacinas.

Esperanças e temores em relação à economia continuam vinculados, neste começo de ano, à luta contra a covid-19. Os Barômetros Globais divulgados no Brasil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) são exemplos de como as projeções dependem das expectativas sobre a doença. Esses barômetros, baseados em tendências pesquisadas em cerca de 50 países, incluem avaliações da economia atual e expectativas em relação aos seis meses seguintes.

Em janeiro o Barômetro Coincidente subiu de 93,9 pontos para 95, revertendo a queda registrada em dezembro e indicando pequena melhora na avaliação das condições presentes. Denotando maior otimismo, o Barômetro Antecedente variou 6,1 pontos e atingiu 11,6. Esse otimismo, segundo análise da FGV, pode ser reflexo do início da vacinação em vários países.

No caso do Barômetro Antecedente, no entanto, a região do hemisfério ocidental seguiu caminho oposto ao das demais, apresentando a única variação negativa. Essa trajetória é explicável, de acordo com o relatório, pela “morosidade da vacinação em alguns países” e pelo “cenário crítico da pandemia no Brasil e nos Estados Unidos”.

A importância econômica da pandemia – e da vacinação – também tem sido ressaltada nas projeções elaboradas no Brasil. Um claro exemplo é o documento do Banco Safra sobre as perspectivas de 2021. “O início da vacinação contra o vírus da covid-19” – assim começa o documento – “deu confiança ao consumidor e tem-se refletido na apreciação da maioria dos ativos globais, incluindo os brasileiros.”

No caso do Brasil, pressupõe-se ampla vacinação a partir de janeiro, uma das condições para um crescimento estimado em 4,2% (para a economia global a projeção é de 5,2%). Além de aparecer em várias passagens do relatório, a vacinação é tema de um box de três páginas, um décimo da extensão do documento. Com tanta coisa escrita, é difícil dizer se chegará a ser lido pelo presidente da República.

Bolsonaro, soldados e policiais – Opinião | O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro é o comandante supremo das Forças Armadas. Deve atuar como tal.

A presença de militares e ex-militares no governo federal é uma característica da administração de Jair Bolsonaro. Desde a redemocratização do País, nunca houve, por exemplo, tantos ministros de Estado com histórico profissional vinculado às Forças Armadas. Logicamente, essa característica do governo Bolsonaro desperta uma natural apreensão, seja pelos possíveis efeitos que essa participação pode provocar na imagem e no comportamento das Forças Armadas, seja porque, em um Estado Democrático de Direito, os militares têm uma função institucional muito clara – bem distante da política.

É preciso, no entanto, destacar outra característica do governo de Jair Bolsonaro em relação aos militares que, sem muitas vezes receber a devida atenção, pode ter efeitos especialmente desastrosos. Trata-se da tentativa constante do presidente Bolsonaro de estabelecer uma relação direta, de natureza político-ideológica, com soldados e policiais, desrespeitando os limites do cargo e as respectivas esferas dessas categorias.

Essa atitude do presidente Bolsonaro pode ser observada, por exemplo, em sua frequente participação em solenidades de formatura de militares ou de policiais. Segundo levantamento do jornal O Globo, de janeiro de 2019 a dezembro de 2020, Bolsonaro participou de 24 formaturas de membros do Exército, da Marinha, da Aeronáutica e das Polícias Militar, Federal e Rodoviária Federal. Na primeira metade do seu governo, esteve presente em 16 solenidades de formatura das Forças Armadas e em 8 de Polícias.

Não é demais lembrar que a presença do presidente da República numa solenidade das Forças Armadas não tem, por si só, nada de reprovável. Como dispõe a Constituição, o presidente da República é o comandante supremo das Forças Armadas. O que desperta preocupação no comportamento de Jair Bolsonaro são dois pontos: a alta frequência de sua participação nesses eventos – a revelar que não é algo circunstancial, mas tática política, com objetivo e método – e, principalmente, a mensagem que vem transmitindo às novas gerações de formandos de militares e policiais.

Estivesse apenas a exercer o papel de comandante supremo das Forças Armadas, o presidente Bolsonaro certamente aproveitaria esses eventos para recordar os deveres e princípios constitucionais relativos aos militares e às forças de segurança. No entanto, ele tem usado essas solenidades como palanque político-ideológico, difundindo ideias estranhas ao Estado Democrático de Direito.

No mês passado, por exemplo, o presidente Bolsonaro utilizou a cerimônia de formatura de soldados da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro para atacar a imprensa. “Não se esqueçam disso, essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês. Pensem dessa forma para poderem agir”, disse Jair Bolsonaro.

A imprecação contra a imprensa parece ter sido retirada de algum discurso de Hugo Chávez. Sua fala não é condizente com o cargo de presidente da República, e menos ainda é adequada a uma formatura de policiais militares ou mesmo de estudantes.

É tão fora de prumo o comportamento do presidente Jair Bolsonaro nas formaturas de militares e de policiais que sua constante presença nesses eventos, mais do que manifestação de prestígio para as respectivas carreiras, vem causando apreensão nas altas patentes. Não é para menos. Conhecem quão árduo é formar as tropas dentro do genuíno espírito militar e quão fácil é contaminar a soldadesca com questões político-ideológicas.

Desde o início, a trajetória política de Jair Bolsonaro foi marcada pela proximidade com policiais e militares de baixa patente. Suas campanhas eleitorais para o Legislativo sempre foram voltadas para essas categorias. Isso, no entanto, não lhe dá o direito de usar o cargo de presidente da República para fazer agremiação política com soldados e policiais.

Como gosta de lembrar, Jair Bolsonaro é o comandante supremo das Forças Armadas. Deve atuar, portanto, como tal. Essa competência constitucional traz graves deveres. Descumpri-los é abrir caminho para o desastre.

Um respiro para o Rio Pinheiros – Opinião | O Estado de S. Paulo

A vida de um rio urbano está intimamente ligada à vida da cidade que corta.

Faz mais de três décadas que sucessivos governadores de São Paulo têm prometido limpar o Rio Tietê e seu afluente, o Rio Pinheiros. Ao assumir o Palácio dos Bandeirantes, João Doria renovou a promessa. Nessa questão, o que parece diferenciar o atual governador de seus antecessores é que, em relação ao Rio Pinheiros, o programa de despoluição parece bem encaminhado.

O governo paulista encerrou o ano de 2020 concluindo as obras para ligação da rede de esgoto de 120 mil residências na cidade de São Paulo. Quase todos esses imóveis foram construídos irregularmente em favelas, sob condições precárias. Sem a infraestrutura adequada, diariamente essas construções lançavam dejetos nos córregos que desembocam no Rio Pinheiros.

Para que a meta estabelecida pelo governador João Doria seja cumprida – despoluir o Rio Pinheiros até a conclusão de seu mandato, em 2022 – será necessário construir uma rede de coleta de esgoto adequada em 533 mil imóveis da capital. Especialistas ouvidos pelo Estado consideram que nos próximos dois anos é perfeitamente possível que o governo paulista conclua as obras nos 413 mil imóveis restantes.

Evidentemente, caso cumpra a arrojada meta que fixou para seu mandato, João Doria terá uma marca histórica em sua passagem pelo Palácio dos Bandeirantes. Porém, mais do que a conquista de um governo, um Pinheiros limpo será uma vitória dos paulistanos, que terão no rio um dos bens coletivos mais preciosos que os habitantes de São Paulo poderiam ter. A vida de um rio urbano, como o Rio Pinheiros, está ligada à vida da cidade que corta. Basta ver a relação que os parisienses têm com o Sena, os londrinos com o Tâmisa ou os lisboetas com o Tejo.

Um rio sem cheiro e com águas limpas abre espaço para a ocupação de suas margens. Tal como a oxigenação das águas enseja a vida no rio, a despoluição também assegura um florescimento de vida no entorno, com o aparecimento de bares, restaurantes e outros espaços de convivência. Mas não se pode perder de vista o maior objetivo do projeto de despoluição. “Ninguém está falando de um rio que vai estar disponível para natação, para esportes de contato direto com a água. Ninguém está falando em beber a água do Rio Pinheiros. Estamos falando de um rio que tenha a todo tempo condições aeróbias. Dessa maneira, ele deixa de cheirar mal”, disse ao Estado o presidente da Sabesp, Benedito Braga, à época do lançamento do projeto de despoluição.

Paralelamente à execução do projeto de despoluição do Rio Pinheiros, o governo de São Paulo também trabalha na assinatura de acordos com a iniciativa privada para a exploração comercial de áreas como a antiga Usina de Traição, hoje Usina São Paulo. Prevê-se que o local se torne uma espécie de “Puerto Madero” da capital paulista, em referência à área revitalizada de Buenos Aires. No local haverá um centro de convenções e restaurantes. Também é esperado para os próximos dias o resultado de uma licitação para a criação de um parque às margens do rio.

A despoluição dos rios que cortam São Paulo – uma causa que há muitos anos tem sido defendida pelo Estado – é virtuosa não só por seus benefícios estéticos ou de natureza econômica e urbanística. Ao fim e ao cabo, trata-se também de dar dignidade a milhares de paulistanos que vivem em condições sub-humanas, sem acesso à coleta adequada de esgoto. O modelo de remuneração das empresas que realizam as obras de criação de uma rede coletora paralela aos córregos é inteligente. O pagamento é feito pela quantidade de esgoto que deixa de ser lançada nos córregos, não pela quantidade de ligações feitas por residência irregular. Cria-se, assim, um estímulo para que o trabalho das empresas seja rápido e, mais importante, bem executado.

A vitória final será a retirada deste enorme contingente de paulistanos de áreas precárias, muitas delas absolutamente inóspitas. Mas, até lá, já será um grande passo o Estado de São Paulo e a Prefeitura, no que lhe compete, oferecerem a esses cidadãos condições de vida mais dignas.

Reação das plataformas digitais passou da conta – Opinião | O Globo

É justificável impor restrições a Trump por incitar violência, mas não calar a voz de milhares de seguidores

Foram anos de mentiras de Donald Trump nas redes sociais, a começar pela que lançou sua carreira política: a fabulação racista que põe em dúvida se Barack Obama nasceu nos Estados Unidos. Mas só quando a turba de vândalos incitados por ele invadiu o Capitólio, as gigantes digitais decidiram tomar medidas drásticas contra o mentiroso-em-chefe. É nítido que, agora, a reação passou da conta.

Facebook e Instagram suspenderam Trump pelo menos até a posse de Joe Biden. O Twitter o bloqueou em definitivo e apagou o histórico de seus tuítes. Bastou seus seguidores começarem a migrar em massa para o incipiente Parler — cujas regras são mais tolerantes com o discurso agressivo — para que Apple e Google banissem o aplicativo. A Amazon excluiu o Parler de seus servidores, na prática derrubando essa rede social de alcance limitado.

As justificativas das plataformas digitais guardam pouca relação com o zelo pelas consequências do discurso que fazem circular — do contrário, por que só agora a suspensão, se antes bastava rotular posts como falsos ou controversos? Ou que dizer das dezenas de líderes globais — dos aiatolás iranianos ao presidente Jair Bolsonaro — que continuam a usá-las como veículo para manipulação política? Parece evidente que a intenção das plataformas é polir a imagem atingida por anos de leniência com a desinformação, numa tentativa de evitar medidas regulatórias mais duras por parte do novo governo Biden.

É absurdo que dezenas de milhares de usuários de uma rede de escassa relevância, o Parler, sejam atingidos, como se todos estivessem conspirando para lançar bombas na posse de Biden fantasiados de vikings brandindo aríetes. Regular o discurso não é tarefa exatamente trivial. De todo modo, há uma distância enorme entre a permissividade que deu a Trump, Bolsonaro e outros líderes a oportunidade de comandar impunes movimentos extremistas e a proibição de acesso pura e simples.

A liberdade de expressão deve justamente proteger as opiniões mais estapafúrdias. Ninguém precisa de proteção para falar aquilo com que todos concordam. Em qualquer meio, portanto, só é razoável restringi-la quando houver violação clara da lei: incitação à violência, conspiração criminosa, calúnia, injúria, difamação etc. Cada democracia estabelece limites próprios, segundo sua história e cultura (nos Estados Unidos, a liberdade é ainda mais protegida que no Brasil).

As regras para impor sanções não podem ser arbitrárias, nem depender da conveniência política desta ou daquela plataforma. Ainda que sejam empresas privadas e tenham liberdade para impor normas internas de conduta, as redes sociais também têm uma dimensão pública e adquiriram relevância política incontestável. Regulá-las impõe um desafio de que, até agora, nenhuma democracia se desincumbiu a contento — a começar pela americana.

É evidente que, se houver violação da lei, restrições são justificáveis. Foi o caso de Trump, ao incitar a turba. Mas dificilmente é o das dezenas de milhares de atingidos pelo furor missionário que de repente acometeu o Vale do Silício.

Cidades serranas precisam se preparar para as chuvas fortes – Opinião | O Globo

É inconcebível que, dez anos após uma tragédia, ainda haja 86 mil pessoas vivendo em áreas de risco

Ao longo de décadas, o Estado do Rio tem sido cenário de tragédias provocadas por tempestades. As chuvas arrasadoras de 1966/1967 e de 1988 deixaram cicatrizes profundas na capital. Mas nada se compara à catástrofe ocorrida nos municípios da Região Serrana em janeiro de 2011. Uma tromba d'água sem precedentes causou destruição jamais vista. Bairros inteiros foram devastados pela enxurrada de lama e pedras, prédios desabaram, o curso de rios foi alterado, estradas ficaram bloqueadas, e serviços essenciais entraram em colapso. Na contagem oficial, foram 918 mortos e 99 desaparecidos. Há estimativas de que o número real de mortes possa ter passado de 1.500.

A maior tragédia climática já registrada no país deveria ter nos ensinado alguma coisa. Mas, pelo visto, se aprendeu pouco. Como mostrou reportagem do GLOBO, dez anos depois, o cenário em Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, cidades mais atingidas, ainda é de medo e apreensão. Pelo menos 86 mil pessoas vivem em áreas suscetíveis a deslizamentos ou alagamentos nos três municípios. A incúria dos governos fica evidente também nos projetos que nunca saíram do papel — como a criação de parques fluviais, que teriam o objetivo de impedir a ocupação das margens dos rios — e na profusão de obras não realizadas ou não concluídas. O descaso é tamanho que casas condenadas pela Defesa Civil por estarem em áreas de risco geológico voltaram a ser ocupadas, sinal inequívoco do fracasso nas políticas habitacionais.

As chuvas de 2011 na Serra foram um evento raro, mas isso não quer dizer que não possa ocorrer de novo. Em outubro do ano passado, um relatório da Organização Meteorológica Mundial mostrou que os eventos extremos quintuplicaram nos últimos 50 anos, e se tornaram mais frequentes, intensos e letais, como resultado das mudanças climáticas. A Meteorologia prevê que este verão será mais chuvoso que o habitual, e não estão descartadas tempestades na Serra. As cidades não estão preparadas nem mesmo para as chuvas fortes, que dizer de eventos extremos.

É sempre possível tirar lições das tragédias. As chuvas de 1966 que devastaram o Rio levaram à criação do Instituto de Geotécnica e a uma série de obras que, ao longo de décadas, estabilizaram as encostas do município. Evidentemente, não há como impedir esses fenômenos. Mas uma série de ações e protocolos permitem reduzir danos e preservar vidas. É inconcebível que, uma década depois da tragédia, as cidades serranas estejam tão vulneráveis às chuvas quanto em 2011, com milhares de pessoas ocupando áreas de risco nas encostas e margens de rios. A negligência com vidas humanas cobra seu preço, e essa conta mais cedo ou mais tarde acaba chegando.

Toda informação – Opinião | Folha de S. Paulo

Jornalismo profissional caminha com livre difusão de ideias, não com bloqueios

 “Produtores de conteúdo de qualidade e registro histórico como a Folha têm o desafio de fazer prevalecer os valores do jornalismo profissional na cacofonia própria do meio digital, em que informação e entretenimento, realidade e rumor, notícias e ‘notícias falsas’ tendem a se confundir e quase tudo se expressa com igual estridência, reproduzido de forma desligada do contexto original.”

O desafio foi descrito na atual edição do Projeto Editorial deste jornal, publicada há quatro anos, e submetido a teste acadêmico inédito na última campanha eleitoral.

Conduzido por cientistas políticos de universidades do Brasil e dos EUA, o trabalho chegou a conclusão alvissareira: o jornalismo profissional diminui significativamente a probabilidade de uma pessoa acreditar em fake news.

A difusão de informação confiável continua sendo o melhor antídoto ao veneno que intoxicou as democracias nos últimos anos. Só funciona, porém, em sociedades que gozam de liberdade de expressão —um valor ameaçado.

A defesa da livre circulação de ideias, o que evidentemente inclui ideias ruins, precisa ser intransigente. Não pode ocorrer segundo as conveniências de momento, como se vê mais uma vez na ação das grandes empresas de tecnologia, hoje difusoras importantes do jornalismo de qualidade.

O oligopólio bilionário age em peso agora para bloquear a comunicação do presidente dos EUA, Donald Trump, e de seus seguidores.

Não se trata mais de alertar o internauta para a falta de veracidade do que é dito. Nos dias derradeiros deste caótico governo, as big techs ficaram subitamente corajosas a ponto de congelar as contas do homem mais poderoso do mundo.

Saltam aos olhos, nesse episódio, a força oligopolista das gigantes de tecnologia, que remaram em conjunto na mesma direção, e a incoerência em relação ao que prometiam pouco tempo atrás. “Não é nosso papel interferir quando políticos falam”, afirmava o Facebook há menos de dois anos.

As empresas mostram, novamente, pequena disposição a defender valores. Resistência que é necessária, para citar outro exemplo recente, contra a intimidação descabida que o governo Jair Bolsonaro faz ao anunciar novos inquéritos contra jornalistas por causa da opinião expressada.

O poder econômico das empresas de tecnologia se converteu em poder político. É extremamente perigoso deixar que elas o usem para estrangular o debate público.

Isso não é compatível com os valores do jornalismo profissional, antídoto contra as fake news das redes sociais. Cabe ao poder público regular a ação das big techs, garantindo a livre circulação de ideias.

Outro ano de calor – Opinião | Folha de S. Paulo

2020 teve, ao lado de 2016, a maior temperatura registrada; Biden é esperança

Embora tenha passado a segundo plano no rol das preocupações mundiais devido à pandemia de Covid-19, a crise climática manteve sua marcha inclemente em 2020.

Dados da agência europeia Copernicus mostram que o ano passado foi o mais quente da série histórica, ao lado de 2016, que até então detinha o recorde. Com isso, num sinal de avanço do aquecimento global, os últimos seis anos tornaram-se os mais quentes já detectados em medições e estimativas que remontam ao século 19.

A temperatura média da superfície do planeta esteve, em 2020, 1,25°C mais alta do que no período pré-industrial —um número perigosamente perto de 1,5°C, considerado o limite para evitar os piores impactos da mudança do clima.

Dois fatores tornam ainda mais extraordinário —e preocupante— o recorde de 2020. No ano passado ocorreu o fenômeno climático La Niña, que produz um resfriamento da superfície do oceano Pacífico equatorial. Inversamente, 2016 esteve sob efeito do El Niño, que provoca um esquentamento anormal das águas da mesma região.

Em algumas regiões, a elevação das temperaturas se deu de forma excepcional. A Europa, por exemplo, crestada por mortíferas ondas de calor em julho e agosto, bateu em 2020 o recorde que fora estabelecido no ano anterior.

No Ártico e no norte da Sibéria a situação mostrou-se ainda mais extrema, com uma vasta área registrando até 3°C acima das médias de 1981-2010, e alguns locais chegando a espantosos 6°C acima delas.

A consequência desse desarranjo se deu na forma de incêndios florestais mastodônticos, que produziram, no Círculo Polar Ártico, recorde de toneladas de CO2 liberadas. O gelo do mar Ártico também apresentou redução drástica, atingindo a menor extensão histórica para os meses de julho e outubro.

A única maneira conhecida de enfrentar tamanha calamidade é reduzir brutalmente a liberação de gases do efeito estufa na atmosfera, em particular o CO2. Em 2020, apesar da queda de 7% nas emissões, em razão da pandemia, a concentração de dióxido de carbono continuou aumentando.

Nesse cenário, a chegada de Joe Biden à Casa Branca traz esperança. O democrata promete uma guinada nas políticas ambientais dos EUA, com o retorno ao Acordo de Paris, o investimento de US$ 2 trilhões (R$ 11 trilhões) em energia limpa e o estímulo à transição para uma economia de baixo carbono.

Reação da economia depende da energia – Opinião | Valor Econômico

Projetos de lei sobre energia aguardam há tempos no Congresso

Assim como em outros setores da economia, a pandemia do novo coronavírus freou diversos aperfeiçoamentos legais e técnicos e planos de investimento que estavam em curso na energia. Houve forte volatilidade de preços. Com a interrupção quase total das atividades verificada de início, no período de isolamento social, a demanda por energia caiu e os preços mergulharam. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) constatou uma queda ao redor de 11% da demanda por energia entre o fim de março e meados de maio. O Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), praticado no mercado livre, acabou despencando para pouco menos de R$ 40 o MWh nesse momento.

Com a retomada das atividades no segundo semestre, o PLD voltou a subir. O calor acima do esperado em setembro e outubro aumentou a demanda e catapultou o PLD para até R$ 300 o MWh. O presidente Jair Bolsonaro chegou a sugerir que a população apagasse as luzes e tomasse banhos mais rápidos para evitar um possível apagão. A falta de luz durante mais de 20 dias no Amapá em novembro, por três dias em Teresina (PI) e cerca de quatro horas em São Luiz (MA) confirma a suposição de que há muitas coisas erradas na área da energia.

Volatilidade não chega a ser coisa rara na energia, dada a dependência de fatores climáticos e hidrológicos. Mas as oscilações de 2020 surpreenderam até os especialistas. A CCEE esperava que o PLD ficasse ao redor de R$ 100. Para o fechamento do ano, a Câmara prevê queda de 1,5% da demanda de energia. A inadimplência naturalmente aumentou, chegando a 5,22% em novembro, bem acima da média de 3,75% de janeiro a outubro e da média mensal de 1,93% de todo o ano de 2019.

As distribuidoras de energia foram as primeiras a pedir socorro e conseguiram dos bancos um empréstimo em condições favoráveis, próximo de R$ 15 bilhões, que será repassado para as contas de luz, a chamada “conta covid”. Foi uma medida semelhante à adotada em 2014, durante período de forte restrição hídrica no governo da presidente Dilma Rousseff. A ajuda daquela época causou aumento das tarifas até 2018, mas garantiu a sustentabilidade financeira do setor.

A previsão é que a demanda volte a crescer neste ano, dependendo naturalmente do ritmo de vacinação da população e da resposta da economia. As previsões otimistas falam em aumento de 3,4% da carga. Outros esperam que somente em 2022 a carga volte aos índices mais próximos do padrão anterior à pandemia. Os mais pessimistas esperam uma normalidade apenas em 2025.

Qualquer que seja o horizonte de tempo, é preciso retomar a agenda de modernização do setor elétrico e a construção do Novo Mercado de Gás, projetos que ficaram para trás com as prioridades impostas pela pandemia. Está no Senado o Marco Legal do Setor Elétrico (PLS 232/16) que, entre outras coisas permite a portabilidade da conta de luz e dispõe sobre as concessões de geração de energia elétrica e os leilões para compra de energia elétrica.

A Nova Lei do Gás (PL 6407/13), defendida pelo ministro Paulo Guedes, que promete com ela um “choque de energia barata”, está na Câmara, depois de longo tempo no Senado. Até mesmo defensores da economia verde entendem que o Brasil não pode deixar de aproveitar o imenso potencial de gás natural do pré-sal e da Amazônia.

O gás natural é visto como combustível para as térmicas, necessárias para contrabalançar a falta de energia sazonal das fontes renováveis, sejam usinas hidrelétricas, eólicas e solares, que causam os picos de preço e déficits de oferta. Por falta de infraestrutura que viabilize o uso do gás natural dos campos do pré-sal, o país importa metade do gás natural que consome e compõe ao redor de 13% da matriz energética, e reinjeta o equivalente a seu consumo diário de gás nos poços. Sua utilização depende da existência de mais terminais para escoar o combustível até a costa, de uma rede para a distribuição do produto no interior do país e da construção de um mercado consumidor.

Ainda estão também no Congresso a Alteração de Regime de Partilha (PL 3178/19), a Lei de Concessões (PL 7063/19), o risco hidrológico (PL 3975/2019) e a polêmica privatização da Eletrobras (PL 5877/19). A agenda é intensa e deve ser encarada uma vez que a esperada recuperação da economia depende da disponibilidade de energia e de regras modernas para estimular o investimento no setor.

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