segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A pequenez de Bolsonaro – Opinião | O Estado de S. Paulo

Em sua rinha contra o governador João Doria, Bolsonaro esgarça ainda mais os limites aceitáveis das lides políticas da democracia

A postura antirrepublicana do presidente Jair Bolsonaro é mais uma entre tantas evidências de que ele não cabe no cargo que ocupa. A bem da verdade, jamais coube. A notória mediocridade de seu currículo, por assim dizer, e a intolerância a tudo e a todos que contrariem seus interesses já apontavam desde antes da eleição que, caso ele chegasse à Presidência, como de fato chegou, a Nação haveria de lidar com o mais nefasto governo de sua história. Em vez de se moldar à dignidade da Presidência da República, Jair Bolsonaro a rebaixou como nenhum outro presidente antes dele.

Em sua rinha contra o governador de São Paulo, João Doria, o presidente esgarça ainda mais os limites aceitáveis das lides políticas próprias da democracia. Por raiva, medo, inveja ou outros sentimentos inconfessáveis em relação ao tucano, o comportamento de Bolsonaro põe em risco projetos de interesse da população do maior Estado da Federação.

Há dezenas de obras em São Paulo que dependem fundamentalmente do aval da União, da ação de Ministérios ou de financiamentos de bancos públicos. A esmagadora maioria delas tem sido sabotada pelo governo central, por ordem de Bolsonaro. O presidente da República proíbe ministros e assessores de atender a qualquer pedido do governo paulista. Quem desobedecer à ordem, conversar e “fizer graça” com Doria está sujeito a “cartão vermelho”. Quão mais mesquinho pode ser o presidente?

Uma das obras em risco é a construção do Piscinão de Jaboticabal, que é fundamental para solucionar o problema das enchentes do Rio Tamanduateí e dos Ribeirões dos Couros e dos Meninos. Mas a angústia das famílias ribeirinhas, que sofrem ano após ano com as enchentes, é irrelevante para Bolsonaro diante de sua necessidade de impor um revés político para alguém que ele trata não como um governador de Estado que lhe faz oposição, e sim como um inimigo figadal. A obra está orçada em R$ 300 milhões e seria financiada pela Caixa, de acordo com o secretário estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, Marcos Penido. Mas, de uma hora para outra, a linha de crédito foi “congelada”. A fim de concluir a obra, o governo paulista vai buscar recursos no Tesouro do Estado.

A construção de uma ponte entre Santos e Guarujá é mais uma obra atrasada em função das disputas políticas entre o governo federal e o Estado de São Paulo. Não há desembolso de dinheiro público na obra, que será custeada pela concessionária Ecovias, mas a ponte precisa passar por uma área do Porto de Santos, que está sob responsabilidade federal. Sem a autorização do Palácio do Planalto, a obra não anda.

Por meio de nota, tanto a Caixa como o Ministério da Infraestrutura afirmaram que pautam a análise dos projetos “por critérios estritamente técnicos” e de maneira “isenta”. Espera-se que seja assim. Mas é no mínimo estranho que as obras que dependem do governo federal justamente no Estado governado pelo maior desafeto de Bolsonaro tenham um andamento tão acidentado.

A ira de Jair Bolsonaro contra João Doria aumentou significativamente após o início da vacinação contra a covid-19 em São Paulo, mas não é de hoje que o presidente atua para dificultar o avanço de projetos importantes para os paulistas e para os paulistanos.

Há muito tempo se negocia a devolução da área do Campo de Marte para a Prefeitura de São Paulo. Mas, no que depender de Jair Bolsonaro, o Campo de Marte pode até deixar de ser um aeroporto, mas não será reintegrado pelo Município. O presidente tem planos de instalar ali uma escola cívico-militar.

Em abril de 2019, Bolsonaro também firmou compromisso com o governo paulista para transferir a gestão da Ceagesp para o âmbito estadual. A ideia do governador João Doria é mudar o entreposto da Vila Leopoldina para outro local. Mas, no final do ano passado, o presidente renegou a própria assinatura e afirmou que nada muda na Ceagesp enquanto ele ocupar o cargo.

O presidente age contra os interesses dos brasileiros, os de São Paulo em particular.

A judicialização da política – Opinião | O Estado de S. Paulo

Cada vez mais, ela tem sido promovida pelos próprios partidos políticos

É frequente a reclamação de que, no Brasil, o Poder Judiciário interfere demasiadamente em questões políticas, o que levaria a uma redução do papel do Congresso na definição de muitas pautas importantes para o País e para a sociedade. Tal crítica é muitas vezes procedente. Não raro, a Justiça ultrapassa os limites estritos da esfera jurídica.

Mas essa crítica ao Judiciário, como se ele estivesse usurpando um poder que não lhe corresponde, é também muitas vezes injusta. Cada vez mais, a chamada judicialização da política tem sido promovida pelos próprios partidos políticos. Não é que a Justiça esteja ampliando os seus espaços. São as legendas que usam o Judiciário para sua agenda política.

Segundo levantamento do Estado, as maiores derrotas sofridas pelo governo Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) decorreram de ações propostas por partidos políticos. Alguns deles com baixíssima representatividade no Congresso.

Por exemplo, a Rede é a legenda que até agora obteve maior êxito no Supremo contra o Palácio do Planalto. No entanto, sua bancada é composta por uma deputada federal e dois senadores. Em Brasília, o partido fundado por Marina Silva tem mais advogados do que parlamentares, acionando frequentemente a Justiça para promover suas propostas políticas.

Por exemplo, o senador da Rede Randolfe Rodrigues foi o autor da ação na qual um juiz do Amapá decidiu que, em razão dos apagões de energia elétrica, parte da população do Estado teria direito a receber mais duas parcelas do auxílio emergencial. Em outra ação proposta pelo senador, o mesmo juiz determinou o afastamento da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e dos diretores do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Essa judicialização da política, promovida por partidos com baixa representatividade no Congresso, é mais um desequilíbrio do sistema partidário. Na prática, legendas nanicas desfrutam de um status jurídico incompatível com sua representação, gerando várias distorções. Por exemplo, partidos obtêm, pela via judicial, um peso na vida política nacional desproporcional ao seu tamanho. Como disse tempos atrás o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), “quem não tem voto judicializa”.

A Constituição confere a todos os partidos políticos com representação no Congresso Nacional competência para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) e Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs). A atual situação, com legendas tentando sistematicamente reverter na Justiça derrotas sofridas no Congresso, evidencia a necessidade de aumentar esses requisitos constitucionais.

A Emenda Constitucional (EC) 97/2017 estabeleceu porcentuais mínimos de representatividade para que as legendas tenham acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão. É a chamada cláusula de barreira ou cláusula de desempenho. Para continuar com acesso a recursos do Fundo Partidário, os partidos terão de eleger, nas próximas eleições, ao menos 11 deputados federais (distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação) ou obter no mínimo 2% dos votos válidos (distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação).

Uma mesma cláusula de barreira deveria ser aplicada em relação à competência para propor Adin e ADC. Não faz sentido atribuir a partido nanico, que não tem um mínimo de representação popular, um poder que está relacionado diretamente à representatividade. Caso contrário, toda entidade ou cidadão deveria ter o direito de propor essas ações.

Os parlamentares são eleitos para defender os interesses de seus eleitores no Congresso. O voto não é, portanto, uma procuração judicial para o parlamentar atuar na Justiça em nome da população. A judicialização da política por partidos é uma grave deformação do regime democrático. O poder emana do povo, e não de táticas jurídicas. Que a Justiça não se deixe ser manipulada dessa forma, também porque depois as críticas recaem sobre ela.

Precoce e voraz – Opinião / O Estado de S. Paulo

Prematura e rápida, a desindustrialização alcança setores de tecnologia avançada

A perda de participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) não é um fenômeno apenas brasileiro. Outros países viram crescer a importância do setor de serviços em detrimento do peso da indústria em suas economias. Mas o que se observa aqui tem aspectos peculiares – e preocupantes com relação à posição do Brasil na economia mundial, à sua capacidade de competir e à qualidade do emprego no futuro.

O fechamento de pelo menos 17 fábricas por dia ao longo dos últimos seis anos, como mostrou reportagem do Estado (17/1), é a dramática expressão numérica de uma mudança prematura, muito rápida e voraz, para a qual o País – seus dirigentes políticos, seu empresariado, seus trabalhadores, sua sociedade – não tem encontrado resposta adequada. Os dados são de levantamento feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) para o Estadão/Broadcast. E não são muitos os que buscam entender as causas e evitar a aceleração da desindustrialização, pois é disso que efetivamente se trata.

O anúncio, há pouco, da decisão da Ford de encerrar suas atividades produtivas no Brasil, onde chegou há mais de 100 anos, é apenas o mais recente de uma lista que começou a crescer há mais tempo. Já no ano passado a japonesa Sony havia anunciado a interrupção de sua linha de produção no Brasil. Só no Estado de São Paulo, 4.451 indústrias de transformação fecharam suas portas em 2015.

Estratégias globais dos grandes grupos explicam parte das decisões de encerrar as atividades no Brasil. Em muitos casos, por razões de custos ou de localização, é mais vantajoso concentrar a produção em unidades não necessariamente sediadas no País.

Em boa parte, porém, como apontaram especialistas em economia industrial, a rápida perda do peso da indústria na economia brasileira – de cerca de 35% do PIB na década de 1980 para 11,2% no ano passado – decorre do ambiente pouco favorável aos negócios existente no País. Há muitos anos estudos comparativos apontam o Brasil como um país cujas regras tributárias e normas jurídicas inibem negócios e investimentos.

Mesmo que a redução do peso da indústria no PIB seja um fenômeno mundial e que as restrições burocráticas e legais dificultem a produção manufatureira, a rapidez e a precocidade das perdas da indústria brasileira preocupam. “O Brasil está longe de ser uma sociedade que já comprou todos os bens industriais e passou a gastar mais com serviços”, observou Juliana Trece, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

O chamado custo Brasil, um conjunto de ineficiências sistêmicas que oneram a produção no País – como o peso excessivo do regime tributário, a carência de infraestrutura, a deficiência na formação de mão de obra, entre outros fatores –, certamente inibe investimentos e retarda a modernização e o crescimento do setor manufatureiro. O atraso no processo de reformas de que o País necessita agrava o problema.

Mas o Brasil está também muito atrasado no que se refere à modernização do parque produtivo e à adoção das tecnologias que caracterizam o novo modelo de produção industrial ao qual aderiram os países mais avançados. E carece de programas eficazes de preparação dos trabalhadores para as novas exigências profissionais impostas por essas transformações. O resultado tem sido a perda constante da produtividade do trabalho e dos fatores de produção.

A desindustrialização normalmente atinge primeiro o setor de menor intensidade tecnológica. No Brasil, já alcança setores intensivos em tecnologia e conhecimento, mostrando também nesse aspecto sua precocidade.

A indústria de transformação, mesmo com menor peso no PIB, continua a ser vital para a inovação tecnológica, a geração de superávits comerciais, a elevação da produtividade da economia e a oferta de empregos de qualidade, assim contribuindo para melhorar a qualidade de vida.

Economia vai para a segunda década perdida – Opinião | O Globo

País está em estado semicomatoso estrutural, condição que só mudará com reformas no Estado

A economia brasileira parece cada vez mais distante do crescimento sustentado. Como todo o mundo, o país entrou em recessão sob o impacto da pandemia. Agora, em virtude de deficiências próprias, não demonstra vigor para sair da crise.

Um estudo dos economistas da Fundação Getulio Vargas Claudio Considera e Juliana Trece, divulgado no jornal “Valor Econômico”, não vê possibilidade de melhora significativa no cenário econômico brasileiro este ano. Com base em projeções do mercado (Relatório Focus) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), a análise estima que o Brasil deverá encerrar o ano com PIB per capita 2,3% inferior ao de 2019, um ano antes da pandemia. Não há previsão de quando o indicador superará o patamar anterior à crise atual.

A última vez que Brasil registrou um índice notável de crescimento foi em 2010: 7,5%. Foi um ponto fora da curva. Lula encerrava seu segundo mandato, encaminhava a primeira eleição de Dilma Rousseff. A crise mundial de 2008, deflagrada pelo estouro de uma bolha imobiliária insuflada por Wall Street, levou todos os países a executar políticas expansionistas, inclusive o Brasil. Em seu governo, Dilma manteve o pé no acelerador. O resultado foi o fim dos superávits primários nas contas públicas, a pressão inflacionária, com consequente elevação nos juros.

O descalabro fiscal do governo Dilma resultou não apenas em seu impeachment. A economia desacelerou até afundar numa recessão no biênio 2015/16. A queda de 7% foi superada apenas pelo mergulho de 9,7% do PIB no segundo trimestre do ano passado, como reflexo da pandemia.

A baixa capacidade de recuperação do PIB per capita, apesar das projeções de algum crescimento este ano, se deve, afirmam os economistas da FGV, a dois fatores: primeiro, a queda de 2020 foi intensa demais — as estimativas da FGV são de uma recessão de 4,4% —; segundo, a economia, antes da crise, já não demonstrava grande fôlego.

Passado aquele ponto fora da curva no final do governo Lula, em 2010, o comportamento da economia já começava a configurar uma segunda década perdida (a primeira ocorreu nos anos 1980, entre o final do regime militar e o governo de José Sarney). Mesmo sem saber ainda o dado oficial da recessão do ano passado, pode-se afirmar que o crescimento do PIB per capita nos últimos dez anos não terá ficado muito acima de zero.

É evidente que a economia brasileira está em estado semicomatoso estrutural, condição que só pode ser revertida por reformas estruturais que reduzam o peso do Estado. Um dos requisitos essenciais para a reativação é a vacinação em massa. Enquanto o Congresso se entretém com a eleição dos presidentes das duas Casas, e o governo Bolsonaro vai sendo emparedado no mundo com a entrada de Joe Biden na Casa Branca, a situação da economia continua preocupante. Poderia ser mais fácil se Executivo e Legislativo dessem prioridade à revisão necessária do papel do Estado, que consome e desincentiva a poupança, inibe investimentos e, portanto, freia o crescimento.

Burocracia do Brexit na fronteira já prejudica os negócios britânicos – Opinião | O Globo

Exportadores do Reino Unido, dependentes da Europa, passam por calvário com separação da UE

Só mesmo um britânico muito otimista ou catequizado até a medula pelo discurso nacional-populista dos defensores do Brexit poderia imaginar que a separação entre Reino Unido e União Europeia (UE), depois de 47 anos no mesmo bloco, não traria dificuldades depois de 1º de janeiro, dia em que o divórcio começou para valer.

Desde então, britânicos e cidadãos da UE passaram a ter de conviver com as normas burocráticas de aduana e migração ao cruzar fronteiras antes abertas. Têm ocorrido situações bizarras. Viralizou nas redes sociais a cena de um súdito da rainha cujo sanduíche de presunto foi confiscado assim que ele desembarcou na cidade holandesa de Hoek van Holland, porque a UE impede a entrada de alimentos de origem animal que contenham carne ou leite. Sanduíches de queijo e presunto levados por britânicos para o continente deixaram de ser bem-vindos.

Para além do lado prosaico, os negócios passaram a ter de conviver com dificuldades imprevistas, como mostrou reportagem do GLOBO. Uma coisa é assinar tratados negociados exaustivamente e depois comemorar, como fez o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Outra, muito diferente, é enfrentar a longa lista de exigências que europeus fazem a exportadores de alimentos ou a qualquer estrangeiro que entre na UE —condição a que os britânicos se viram reduzidos.

Até músicos e artistas não conseguem mais atravessar o Canal da Mancha sem empecilhos, como faziam antes. Enquanto não se chega a um acordo sobre a criação de um “passaporte especial”, os britânicos precisam de visto de trabalho para se apresentar nos países da UE (e vice-versa). Estima-se que o setor cultural movimente por ano R$ 42 bilhões em concertos e turnês, fonte de renda para muitos.

Outras dificuldades atingem a indústria da pesca, tema que consumiu tempo e energia enormes nas rodadas de negociação do Brexit. Todo o esforço não foi suficiente para evitar que os pescadores escoceses passassem a perder £ 1 milhão por dia (R$ 7,1 milhões) em receitas, por não conseguir superar a burocracia necessária para atender seus clientes no continente. Agora, há uma série de normas a cumprir, com exigência de certificados de saúde, formulários que precisam ser devidamente preenchidos e carimbados, além das inspeções exigidas pela UE na importação de alimentos frescos.

O comércio entre os dois lados do Canal soma US$ 1 trilhão e continua livre de tarifas. Mas não da burocracia e da perda de tempo na fronteira, que cobra seu custo. Como, das exportações britânicas, 47% vão para a UE e, desta, apenas 8% para o Reino Unido, é fácil saber qual dos lados enfrenta mais problemas com o Brexit na vida real.

O triunfo de Doria – Opinião | Folha de S. Paulo

Ação de tucano na crise, oposta à de Bolsonaro, é mais aprovada, diz Datafolha

A disputa política entre o governador de São Paulo, João Doria, e o presidente Jair Bolsonaro, que se desenhou desde o início da pandemia de Covid-19, vai, por ora, pendendo a favor do paulista.

Segundo pesquisa Datafolha, 46% dos brasileiros entendem que Doria (PSDB) fez mais para combater o coronavírus do que Bolsonaro, apontado por apenas 28% como o mais empenhado na tarefa.

A sondagem captou um momento crucial da crise sanitária, marcado pelos esforços para a vacinação e controlar os efeitos devastadores de uma nova onda de contágios.

Nas duas frentes, em especial na corrida pela vacina, o governador tucano sobrepôs-se de maneira incontestável ao mandatário federal. Colhe o reconhecimento pela coordenação de medidas com vistas a manter a oferta de leitos nos hospitais do estado e suprir o país com um imunizante, o primeiro a ser utilizado em escala nacional.

Em contraste com a inércia negacionista e caótica de Bolsonaro, Doria submeteu suas ações a critérios técnicos e soube recorrer aos meios de que São Paulo dispõe para liderar a busca por objetivos que deveriam ser prioridade da administração federal. É o caso notório da parceria entre o Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech para fabricar a Coronavac.

Não se discute que as movimentações de Doria foram incentivadas por ambições políticas —são conhecidas suas pretensões de se projetar como nome nacional para lançar-se à Presidência em 2022.

Esse é um caso, porém, em que a disputa pela esfera pública revela-se virtuosa. A busca responsável pelo bem da população, não obstante inclinações ideológicas, é, afinal, o que deveria pautar a atuação de governantes e legisladores.

Já Bolsonaro visa sua reeleição, mas o faz de maneira desastrosa. Subestimou os efeitos do vírus, interveio no Ministério da Saúde por motivos eleitorais, fez campanha contra a vacina, propagandeou medicamentos inúteis e persiste nos ataques às normas sanitárias.

A tragédia da falta de oxigênio no Amazonas, além do fiasco na aquisição de imunizantes, com a contribuição do despautério diplomático de seu governo, são os resultados recentes dessa atuação deplorável. A favor do presidente, restam os impactos declinantes do auxílio emergencial —obra, na realidade, do Congresso.

Natural que nesse quadro Bolsonaro perca popularidade e se veja pressionado por movimentos pró-impeachment, enquanto Doria e outros governadores, apesar das agruras econômicas, sejam mais bem avaliados na gestão da pandemia —notadamente pelos mais expostos aos riscos e conscientes da dramaticidade da situação.

Vidas e empregos – Opinião | Folha de S. Paulo

Com governo inoperante, Brasil perde também benefícios da vacina para a economia

Apenas entre os negacionistas delirantes ainda existe uma dicotomia entre medidas de combate à pandemia e a preservação da economia. O atraso da campanha de vacinação e a tragédia em Manaus, ambos com as digitais do Planalto, mostram claramente que a irresponsabilidade custa vidas e empregos ao mesmo tempo.

Desde o início da pandemia ficou claro que o principal risco para a economia decorre do contágio acelerado e sem controle. Conforme se aproxima o esgotamento do sistema de saúde por causa do crescimento do número de internações, as autoridades deixam de ter opções gradualistas.

Toques de recolher e interrupção radical de atividades acabam se tornando obrigatórios para evitar um drama humanitário ainda maior. A população, que percebe os riscos, também passa a adotar comportamento cauteloso e mesmo exigir ações drásticas.

No caso da vacina, a inépcia do governo federal em assegurar acesso célere às várias alternativas que se tornaram disponíveis também se mostra custosa e ilógica. Imunizar rapidamente, além do imperativo sanitário, é o melhor e mais barato estímulo econômico possível.

Como já começa a ficar evidente nos países que estão na dianteira do processo como Israel e, em menor grau, Reino Unido e EUA, o foco inicial nos grupos vulneráveis tem o potencial de reduzir prontamente as internações e ameaça de sobrecarga nos hospitais.

No caso americano, os estratos que compõem os 10% da população a ser vacinada até fevereiro representam metade dos casos graves que exigem hospitalização. Estima-se que haverá queda drástica de mortes em poucas semanas.

Embora o número de novos casos ainda possa permanecer elevado até que parcela suficiente da população seja imunizada, como se espera até o segundo semestre na Europa e nos Estados Unidos, a imunização dos grupos vulneráveis pode ter impacto econômico positivo em prazo bem mais curto.

Tudo isso demonstra quanto custou ao país a irresponsabilidade do governo Jair Bolsonaro, que deveria ter fechado acordos com as várias empresas que buscavam a vacina, garantindo alternativas.

A negativa do governo a uma oferta formal da Pfizer, a primeira empresa a obter aprovação regulatória para seu produto, constitui um prova documental dessa inoperância, que significa perdas de vidas e de empregos.

Alta do dólar reflete a má situação fiscal do país – Opinião | Valor Econômico

O Brasil deve perder o bonde da ampla liquidez global, deixando de atrair preciosos investimentos estrangeiros

O dólar chegou a R$ 5,48 na sexta-feira, depois de uma alta acumulada de 2,2% na semana passada. Pesou o clima ruim nos mercados internacionais, com maior aversão a risco e o rebaixamento das perspectivas de crescimento mundial, sobretudo na Europa. Mas não se engane: o dólar caro reflete, sobretudo, as nossas dificuldades para lidar com questões domésticas, na resposta à pandemia, na política fiscal e na agenda de reformas para ampliar a produtividade da economia.

Uma evidência de como o Brasil está descolado das boas notícias vindas de fora é que, na quarta-feira, o mercado acionário americano teve a maior alta num dia de posse de um presidente americano desde Ronald Reagan - mas, por aqui, a Bolsa registou queda. O pico de 125 mil pontos do Ibovespa ficou para trás e, no fechamento da semana, o índice ficou em 117 mil pontos.

A chamada onda azul, com a eleição de Joe Biden com um Congresso democrata, vem apoiando o preço das commodities desde o fim do ano passado. Entretanto, o real, uma moeda cuja força está historicamente relacionada às commodities, deu vários sinais de fraqueza. Reage pouco aos eventos positivos e, quando o mundo tem más notícias, está entre as que mais perdem valor ante a moeda americana.

Há algumas explicações técnicas para o real fraco. Uma delas é uma nova regra, criada por iniciativa do Banco Central, que isenta os bancos de proteger de forma exagerada os seus investimentos fora do país - o chamado “overhedge”. Esse sistema obrigava as instituições financeiras a manterem um excesso de posição vendida em câmbio de US$ 50 bilhões. No ano passado, os bancos compraram US$ 35 bilhões para desfazer parte dessa posição, pressionando a taxa de câmbio.

Outra justificativa é o corte dos juros básicos. O Banco Central baixou a Selic a apenas 2% ao ano para estimular a economia e impedir que a inflação caísse muito abaixo da meta. Um dos canais esperados de transmissão da política monetária é justamente a taxa de câmbio. Juros mais baixos dentro do Brasil - hoje estão negativos - desestimulam o ingresso de investimentos estrangeiros em renda fixa e incentivam brasileiros a aplicar no exterior.

Olhando adiante, porém, esses dois fatores devem pesar menos na desvalorização do real. O estoque de “overhedge” é finito e, hoje, há menos posições a serem desfeitas pelos bancos. Sobre a taxa básica de juros, o mercado precifica um início de aperto. Os juros futuros mais altos já deveriam começar a atrair capitais estrangeiros, ou pelo menos dissuadir investidores a retirar recursos que estão aplicados dentro do país.

De fato, o ambiente mais geral é bastante favorável ao fortalecimento do real. Não apenas pela alta das commodities. O governo americano está promovendo uma expansão fiscal sem que o Federal Reserve (Fed) se mova para retirar os extraordinários estímulos à economia. O Banco Central Europeu (BCE) também joga dinheiro na economia para afastar o risco de deflação. Com a ampla liquidez internacional injetadas pelos BCs e a perspectiva de alta de juros domésticos, os custos das captações de empresas brasileiras no exterior ficam relativamente mais competitivas.

Os fundamentos externos do Brasil também são favoráveis. O déficit em conta corrente está em apenas 0,82% do Produto Interno Bruto (PIB). É bem abaixo dos níveis considerados sustentáveis, na casa dos 3% do PIB. O normal é um país emergente, carente de poupança doméstica e cheio de oportunidades, atrair uma parcela maior de recursos estrangeiros para bancar os seus investimentos. As reservas internacionais estão em confortáveis US$ 354,8 bilhões.

A dinâmica do câmbio, porém, está em boa medida sendo determinada pela fragilidade fiscal do país. O Brasil se descolou dos bons ventos do exterior justamente no momento em que foi exposto o precário planejamento do governo para fazer a vacinação da população conta a covid-19. A economia ameaça um novo mergulho recessivo no primeiro trimestre, aumentando a pressão para novos gastos fiscais.

Há outros problemas estruturais. A agenda de reformas que poderia aumentar a produtividade e o crescimento de longo prazo da economia também parece estar perdendo a prioridade para a pandemia. Com isso, o Brasil deve perder o bonde da ampla liquidez global, deixando de atrair preciosos investimentos estrangeiros.

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