Em
sua rinha contra o governador João Doria, Bolsonaro esgarça ainda mais os
limites aceitáveis das lides políticas da democracia
A postura antirrepublicana do presidente Jair Bolsonaro é mais uma entre tantas evidências de que ele não cabe no cargo que ocupa. A bem da verdade, jamais coube. A notória mediocridade de seu currículo, por assim dizer, e a intolerância a tudo e a todos que contrariem seus interesses já apontavam desde antes da eleição que, caso ele chegasse à Presidência, como de fato chegou, a Nação haveria de lidar com o mais nefasto governo de sua história. Em vez de se moldar à dignidade da Presidência da República, Jair Bolsonaro a rebaixou como nenhum outro presidente antes dele.
Em
sua rinha contra o governador de São Paulo, João Doria, o presidente esgarça
ainda mais os limites aceitáveis das lides políticas próprias da democracia.
Por raiva, medo, inveja ou outros sentimentos inconfessáveis em relação ao
tucano, o comportamento de Bolsonaro põe em risco projetos de interesse da
população do maior Estado da Federação.
Há
dezenas de obras em São Paulo que dependem fundamentalmente do aval da União,
da ação de Ministérios ou de financiamentos de bancos públicos. A esmagadora
maioria delas tem sido sabotada pelo governo central, por ordem de Bolsonaro. O
presidente da República proíbe ministros e assessores de atender a qualquer
pedido do governo paulista. Quem desobedecer à ordem, conversar e “fizer graça”
com Doria está sujeito a “cartão vermelho”. Quão mais mesquinho pode ser o
presidente?
Uma
das obras em risco é a construção do Piscinão de Jaboticabal, que é fundamental
para solucionar o problema das enchentes do Rio Tamanduateí e dos Ribeirões dos
Couros e dos Meninos. Mas a angústia das famílias ribeirinhas, que sofrem ano
após ano com as enchentes, é irrelevante para Bolsonaro diante de sua
necessidade de impor um revés político para alguém que ele trata não como um
governador de Estado que lhe faz oposição, e sim como um inimigo figadal. A
obra está orçada em R$ 300 milhões e seria financiada pela Caixa, de acordo com
o secretário estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, Marcos Penido. Mas, de
uma hora para outra, a linha de crédito foi “congelada”. A fim de concluir a
obra, o governo paulista vai buscar recursos no Tesouro do Estado.
A construção de uma ponte entre Santos e Guarujá é mais uma obra atrasada em função das disputas políticas entre o governo federal e o Estado de São Paulo. Não há desembolso de dinheiro público na obra, que será custeada pela concessionária Ecovias, mas a ponte precisa passar por uma área do Porto de Santos, que está sob responsabilidade federal. Sem a autorização do Palácio do Planalto, a obra não anda.
Por
meio de nota, tanto a Caixa como o Ministério da Infraestrutura afirmaram que pautam
a análise dos projetos “por critérios estritamente técnicos” e de maneira
“isenta”. Espera-se que seja assim. Mas é no mínimo estranho que as obras que
dependem do governo federal justamente no Estado governado pelo maior desafeto
de Bolsonaro tenham um andamento tão acidentado.
A
ira de Jair Bolsonaro contra João Doria aumentou significativamente após o
início da vacinação contra a covid-19 em São Paulo, mas não é de hoje que o
presidente atua para dificultar o avanço de projetos importantes para os paulistas
e para os paulistanos.
Há
muito tempo se negocia a devolução da área do Campo de Marte para a Prefeitura
de São Paulo. Mas, no que depender de Jair Bolsonaro, o Campo de Marte pode até
deixar de ser um aeroporto, mas não será reintegrado pelo Município. O
presidente tem planos de instalar ali uma escola cívico-militar.
Em
abril de 2019, Bolsonaro também firmou compromisso com o governo paulista para
transferir a gestão da Ceagesp para o âmbito estadual. A ideia do governador
João Doria é mudar o entreposto da Vila Leopoldina para outro local. Mas, no
final do ano passado, o presidente renegou a própria assinatura e afirmou que
nada muda na Ceagesp enquanto ele ocupar o cargo.
O
presidente age contra os interesses dos brasileiros, os de São Paulo em
particular.
A judicialização da política – Opinião | O Estado de S. Paulo
Cada
vez mais, ela tem sido promovida pelos próprios partidos políticos
É frequente a reclamação de que, no Brasil, o Poder Judiciário interfere demasiadamente em questões políticas, o que levaria a uma redução do papel do Congresso na definição de muitas pautas importantes para o País e para a sociedade. Tal crítica é muitas vezes procedente. Não raro, a Justiça ultrapassa os limites estritos da esfera jurídica.
Mas
essa crítica ao Judiciário, como se ele estivesse usurpando um poder que não
lhe corresponde, é também muitas vezes injusta. Cada vez mais, a chamada
judicialização da política tem sido promovida pelos próprios partidos
políticos. Não é que a Justiça esteja ampliando os seus espaços. São as
legendas que usam o Judiciário para sua agenda política.
Segundo
levantamento do Estado, as maiores derrotas sofridas pelo governo Bolsonaro no
Supremo Tribunal Federal (STF) decorreram de ações propostas por partidos
políticos. Alguns deles com baixíssima representatividade no Congresso.
Por
exemplo, a Rede é a legenda que até agora obteve maior êxito no Supremo contra
o Palácio do Planalto. No entanto, sua bancada é composta por uma deputada
federal e dois senadores. Em Brasília, o partido fundado por Marina Silva tem
mais advogados do que parlamentares, acionando frequentemente a Justiça para
promover suas propostas políticas.
Por
exemplo, o senador da Rede Randolfe Rodrigues foi o autor da ação na qual um
juiz do Amapá decidiu que, em razão dos apagões de energia elétrica, parte da
população do Estado teria direito a receber mais duas parcelas do auxílio
emergencial. Em outra ação proposta pelo senador, o mesmo juiz determinou o
afastamento da diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e dos
diretores do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Essa
judicialização da política, promovida por partidos com baixa representatividade
no Congresso, é mais um desequilíbrio do sistema partidário. Na prática,
legendas nanicas desfrutam de um status jurídico incompatível com sua
representação, gerando várias distorções. Por exemplo, partidos obtêm, pela via
judicial, um peso na vida política nacional desproporcional ao seu tamanho.
Como disse tempos atrás o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), “quem não tem voto
judicializa”.
A
Constituição confere a todos os partidos políticos com representação no
Congresso Nacional competência para propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade
(Adins) e Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs). A atual situação,
com legendas tentando sistematicamente reverter na Justiça derrotas sofridas no
Congresso, evidencia a necessidade de aumentar esses requisitos
constitucionais.
A
Emenda Constitucional (EC) 97/2017 estabeleceu porcentuais mínimos de
representatividade para que as legendas tenham acesso aos recursos do Fundo
Partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão. É a chamada
cláusula de barreira ou cláusula de desempenho. Para continuar com acesso a
recursos do Fundo Partidário, os partidos terão de eleger, nas próximas
eleições, ao menos 11 deputados federais (distribuídos em pelo menos um terço
das unidades da Federação) ou obter no mínimo 2% dos votos válidos (distribuídos
em pelo menos um terço das unidades da Federação).
Uma
mesma cláusula de barreira deveria ser aplicada em relação à competência para
propor Adin e ADC. Não faz sentido atribuir a partido nanico, que não tem um
mínimo de representação popular, um poder que está relacionado diretamente à
representatividade. Caso contrário, toda entidade ou cidadão deveria ter o
direito de propor essas ações.
Os
parlamentares são eleitos para defender os interesses de seus eleitores no
Congresso. O voto não é, portanto, uma procuração judicial para o parlamentar
atuar na Justiça em nome da população. A judicialização da política por
partidos é uma grave deformação do regime democrático. O poder emana do povo, e
não de táticas jurídicas. Que a Justiça não se deixe ser manipulada dessa
forma, também porque depois as críticas recaem sobre ela.
Precoce e voraz – Opinião / O Estado de S. Paulo
Prematura
e rápida, a desindustrialização alcança setores de tecnologia avançada
A perda de participação da indústria de transformação no Produto Interno Bruto (PIB) não é um fenômeno apenas brasileiro. Outros países viram crescer a importância do setor de serviços em detrimento do peso da indústria em suas economias. Mas o que se observa aqui tem aspectos peculiares – e preocupantes com relação à posição do Brasil na economia mundial, à sua capacidade de competir e à qualidade do emprego no futuro.
O
fechamento de pelo menos 17 fábricas por dia ao longo dos últimos seis anos,
como mostrou reportagem do Estado (17/1), é a dramática expressão numérica de
uma mudança prematura, muito rápida e voraz, para a qual o País – seus
dirigentes políticos, seu empresariado, seus trabalhadores, sua sociedade – não
tem encontrado resposta adequada. Os dados são de levantamento feito pela
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) para o
Estadão/Broadcast. E não são muitos os que buscam entender as causas e evitar a
aceleração da desindustrialização, pois é disso que efetivamente se trata.
O
anúncio, há pouco, da decisão da Ford de encerrar suas atividades produtivas no
Brasil, onde chegou há mais de 100 anos, é apenas o mais recente de uma lista
que começou a crescer há mais tempo. Já no ano passado a japonesa Sony havia
anunciado a interrupção de sua linha de produção no Brasil. Só no Estado de São
Paulo, 4.451 indústrias de transformação fecharam suas portas em 2015.
Estratégias
globais dos grandes grupos explicam parte das decisões de encerrar as
atividades no Brasil. Em muitos casos, por razões de custos ou de localização,
é mais vantajoso concentrar a produção em unidades não necessariamente sediadas
no País.
Em
boa parte, porém, como apontaram especialistas em economia industrial, a rápida
perda do peso da indústria na economia brasileira – de cerca de 35% do PIB na
década de 1980 para 11,2% no ano passado – decorre do ambiente pouco favorável
aos negócios existente no País. Há muitos anos estudos comparativos apontam o
Brasil como um país cujas regras tributárias e normas jurídicas inibem negócios
e investimentos.
Mesmo
que a redução do peso da indústria no PIB seja um fenômeno mundial e que as
restrições burocráticas e legais dificultem a produção manufatureira, a rapidez
e a precocidade das perdas da indústria brasileira preocupam. “O Brasil está
longe de ser uma sociedade que já comprou todos os bens industriais e passou a
gastar mais com serviços”, observou Juliana Trece, economista do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
O
chamado custo Brasil, um conjunto de ineficiências sistêmicas que oneram a
produção no País – como o peso excessivo do regime tributário, a carência de
infraestrutura, a deficiência na formação de mão de obra, entre outros fatores
–, certamente inibe investimentos e retarda a modernização e o crescimento do
setor manufatureiro. O atraso no processo de reformas de que o País necessita
agrava o problema.
Mas
o Brasil está também muito atrasado no que se refere à modernização do parque
produtivo e à adoção das tecnologias que caracterizam o novo modelo de produção
industrial ao qual aderiram os países mais avançados. E carece de programas
eficazes de preparação dos trabalhadores para as novas exigências profissionais
impostas por essas transformações. O resultado tem sido a perda constante da
produtividade do trabalho e dos fatores de produção.
A
desindustrialização normalmente atinge primeiro o setor de menor intensidade
tecnológica. No Brasil, já alcança setores intensivos em tecnologia e
conhecimento, mostrando também nesse aspecto sua precocidade.
A
indústria de transformação, mesmo com menor peso no PIB, continua a ser vital
para a inovação tecnológica, a geração de superávits comerciais, a elevação da
produtividade da economia e a oferta de empregos de qualidade, assim
contribuindo para melhorar a qualidade de vida.
Economia vai para a segunda década perdida – Opinião | O Globo
País
está em estado semicomatoso estrutural, condição que só mudará com reformas no
Estado
A
economia brasileira parece cada vez mais distante do crescimento sustentado.
Como todo o mundo, o país entrou em recessão sob o impacto da pandemia. Agora,
em virtude de deficiências próprias, não demonstra vigor para sair da crise.
Um
estudo dos economistas da Fundação Getulio Vargas Claudio Considera e Juliana
Trece, divulgado no jornal “Valor Econômico”, não vê possibilidade de melhora
significativa no cenário econômico brasileiro este ano. Com base em projeções
do mercado (Relatório Focus) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), a
análise estima que o Brasil deverá encerrar o ano com PIB per capita 2,3%
inferior ao de 2019, um ano antes da pandemia. Não há previsão de quando o
indicador superará o patamar anterior à crise atual.
A
última vez que Brasil registrou um índice notável de crescimento foi em 2010:
7,5%. Foi um ponto fora da curva. Lula encerrava seu segundo mandato,
encaminhava a primeira eleição de Dilma Rousseff. A crise mundial de 2008,
deflagrada pelo estouro de uma bolha imobiliária insuflada por Wall Street,
levou todos os países a executar políticas expansionistas, inclusive o Brasil.
Em seu governo, Dilma manteve o pé no acelerador. O resultado foi o fim dos
superávits primários nas contas públicas, a pressão inflacionária, com consequente
elevação nos juros.
O
descalabro fiscal do governo Dilma resultou não apenas em seu impeachment. A
economia desacelerou até afundar numa recessão no biênio 2015/16. A queda de 7%
foi superada apenas pelo mergulho de 9,7% do PIB no segundo trimestre do ano
passado, como reflexo da pandemia.
A
baixa capacidade de recuperação do PIB per capita, apesar das projeções de
algum crescimento este ano, se deve, afirmam os economistas da FGV, a dois
fatores: primeiro, a queda de 2020 foi intensa demais — as estimativas da FGV
são de uma recessão de 4,4% —; segundo, a economia, antes da crise, já não
demonstrava grande fôlego.
Passado
aquele ponto fora da curva no final do governo Lula, em 2010, o comportamento
da economia já começava a configurar uma segunda década perdida (a primeira
ocorreu nos anos 1980, entre o final do regime militar e o governo de José
Sarney). Mesmo sem saber ainda o dado oficial da recessão do ano passado,
pode-se afirmar que o crescimento do PIB per capita nos últimos dez anos não
terá ficado muito acima de zero.
É
evidente que a economia brasileira está em estado semicomatoso estrutural,
condição que só pode ser revertida por reformas estruturais que reduzam o peso
do Estado. Um dos requisitos essenciais para a reativação é a vacinação em
massa. Enquanto o Congresso se entretém com a eleição dos presidentes das duas
Casas, e o governo Bolsonaro vai sendo emparedado no mundo com a entrada de Joe
Biden na Casa Branca, a situação da economia continua preocupante. Poderia ser
mais fácil se Executivo e Legislativo dessem prioridade à revisão necessária do
papel do Estado, que consome e desincentiva a poupança, inibe investimentos e,
portanto, freia o crescimento.
Burocracia do Brexit na fronteira já prejudica os negócios britânicos – Opinião | O Globo
Exportadores
do Reino Unido, dependentes da Europa, passam por calvário com separação da UE
Só
mesmo um britânico muito otimista ou catequizado até a medula pelo discurso
nacional-populista dos defensores do Brexit poderia imaginar que a separação
entre Reino Unido e União Europeia (UE), depois de 47 anos no mesmo bloco, não
traria dificuldades depois de 1º de janeiro, dia em que o divórcio começou para
valer.
Desde
então, britânicos e cidadãos da UE passaram a ter de conviver com as normas
burocráticas de aduana e migração ao cruzar fronteiras antes abertas. Têm
ocorrido situações bizarras. Viralizou nas redes sociais a cena de um súdito da
rainha cujo sanduíche de presunto foi confiscado assim que ele desembarcou na
cidade holandesa de Hoek van Holland, porque a UE impede a entrada de alimentos
de origem animal que contenham carne ou leite. Sanduíches de queijo e presunto
levados por britânicos para o continente deixaram de ser bem-vindos.
Para
além do lado prosaico, os negócios passaram a ter de conviver com dificuldades
imprevistas, como mostrou reportagem do GLOBO. Uma coisa é assinar tratados negociados
exaustivamente e depois comemorar, como fez o primeiro-ministro britânico,
Boris Johnson. Outra, muito diferente, é enfrentar a longa lista de exigências
que europeus fazem a exportadores de alimentos ou a qualquer estrangeiro que
entre na UE —condição a que os britânicos se viram reduzidos.
Até
músicos e artistas não conseguem mais atravessar o Canal da Mancha sem
empecilhos, como faziam antes. Enquanto não se chega a um acordo sobre a
criação de um “passaporte especial”, os britânicos precisam de visto de
trabalho para se apresentar nos países da UE (e vice-versa). Estima-se que o
setor cultural movimente por ano R$ 42 bilhões em concertos e turnês, fonte de
renda para muitos.
Outras
dificuldades atingem a indústria da pesca, tema que consumiu tempo e energia
enormes nas rodadas de negociação do Brexit. Todo o esforço não foi suficiente
para evitar que os pescadores escoceses passassem a perder £ 1 milhão por dia
(R$ 7,1 milhões) em receitas, por não conseguir superar a burocracia necessária
para atender seus clientes no continente. Agora, há uma série de normas a
cumprir, com exigência de certificados de saúde, formulários que precisam ser
devidamente preenchidos e carimbados, além das inspeções exigidas pela UE na
importação de alimentos frescos.
O comércio entre os dois lados do Canal soma US$ 1 trilhão e continua livre de tarifas. Mas não da burocracia e da perda de tempo na fronteira, que cobra seu custo. Como, das exportações britânicas, 47% vão para a UE e, desta, apenas 8% para o Reino Unido, é fácil saber qual dos lados enfrenta mais problemas com o Brexit na vida real.
O
triunfo de Doria – Opinião | Folha de S. Paulo
Ação
de tucano na crise, oposta à de Bolsonaro, é mais aprovada, diz Datafolha
A
disputa política entre o governador de São Paulo, João Doria, e o presidente
Jair Bolsonaro, que se desenhou desde o início da pandemia de Covid-19, vai,
por ora, pendendo a favor do paulista.
Segundo
pesquisa Datafolha, 46% dos brasileiros entendem que Doria (PSDB) fez
mais para combater o coronavírus do que Bolsonaro, apontado por
apenas 28% como o mais empenhado na tarefa.
A
sondagem captou um momento crucial da crise sanitária, marcado pelos esforços para
a vacinação e controlar os efeitos devastadores de uma nova onda de contágios.
Nas
duas frentes, em especial na corrida pela vacina, o governador tucano
sobrepôs-se de maneira incontestável ao mandatário federal. Colhe o
reconhecimento pela coordenação de medidas com vistas a manter a oferta de
leitos nos hospitais do estado e suprir o país com um imunizante, o primeiro a
ser utilizado em escala nacional.
Em
contraste com a inércia negacionista e caótica de Bolsonaro, Doria submeteu
suas ações a critérios técnicos e soube recorrer aos meios de que São Paulo
dispõe para liderar a busca por objetivos que deveriam ser prioridade da
administração federal. É o caso notório da parceria entre o Instituto Butantan
e a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech para fabricar a Coronavac.
Não
se discute que as movimentações de Doria foram incentivadas por ambições
políticas —são conhecidas suas pretensões de se projetar como nome nacional
para lançar-se à Presidência em 2022.
Esse
é um caso, porém, em que a disputa pela esfera pública revela-se virtuosa. A
busca responsável pelo bem da população, não obstante inclinações ideológicas,
é, afinal, o que deveria pautar a atuação de governantes e legisladores.
Já
Bolsonaro visa sua reeleição, mas o faz de maneira desastrosa. Subestimou os
efeitos do vírus, interveio no Ministério da Saúde por motivos eleitorais, fez
campanha contra a vacina, propagandeou medicamentos inúteis e persiste nos
ataques às normas sanitárias.
A
tragédia da falta de oxigênio no Amazonas, além do fiasco na aquisição de
imunizantes, com a contribuição do despautério diplomático de seu governo, são
os resultados recentes dessa atuação deplorável. A favor do presidente, restam
os impactos declinantes do auxílio emergencial —obra, na realidade, do
Congresso.
Natural
que nesse quadro Bolsonaro perca popularidade e se veja pressionado por
movimentos pró-impeachment, enquanto Doria e outros governadores, apesar das
agruras econômicas, sejam mais bem avaliados na gestão da pandemia —notadamente
pelos mais expostos aos riscos e conscientes da dramaticidade da situação.
Vidas e empregos – Opinião | Folha de S. Paulo
Com
governo inoperante, Brasil perde também benefícios da vacina para a economia
Apenas
entre os negacionistas delirantes ainda existe uma dicotomia entre medidas de
combate à pandemia e a preservação da economia. O atraso da campanha de
vacinação e a tragédia em Manaus, ambos com as digitais do Planalto, mostram
claramente que a irresponsabilidade custa vidas e empregos ao mesmo tempo.
Desde
o início da pandemia ficou claro que o principal risco para a economia decorre
do contágio acelerado e sem controle. Conforme se aproxima o esgotamento do
sistema de saúde por causa do crescimento do número de internações, as
autoridades deixam de ter opções gradualistas.
Toques
de recolher e interrupção radical de atividades acabam se tornando obrigatórios
para evitar um drama humanitário ainda maior. A população, que percebe os riscos,
também passa a adotar comportamento cauteloso e mesmo exigir ações drásticas.
No
caso da vacina, a inépcia do governo federal em assegurar acesso célere às
várias alternativas que se tornaram disponíveis também se mostra custosa e
ilógica. Imunizar rapidamente, além do imperativo sanitário, é o melhor e mais
barato estímulo econômico possível.
Como
já começa a ficar evidente nos países que estão na dianteira do processo como
Israel e, em menor grau, Reino Unido e EUA, o foco inicial nos grupos vulneráveis
tem o potencial de reduzir prontamente as internações e ameaça de sobrecarga
nos hospitais.
No
caso americano, os estratos que compõem os 10% da população a ser vacinada até
fevereiro representam metade dos casos graves que exigem hospitalização. Estima-se
que haverá queda drástica de mortes em poucas semanas.
Embora
o número de novos casos ainda possa permanecer elevado até que parcela
suficiente da população seja imunizada, como se espera até o segundo semestre
na Europa e nos Estados Unidos, a imunização dos grupos vulneráveis pode ter
impacto econômico positivo em prazo bem mais curto.
Tudo
isso demonstra quanto custou ao país a irresponsabilidade do governo Jair
Bolsonaro, que deveria ter fechado acordos com as várias empresas que buscavam
a vacina, garantindo alternativas.
A
negativa do governo a uma oferta formal da Pfizer, a primeira empresa a obter
aprovação regulatória para seu produto, constitui um prova documental dessa
inoperância, que significa perdas de vidas e de empregos.
Alta do dólar reflete a má situação fiscal do país – Opinião | Valor Econômico
O
Brasil deve perder o bonde da ampla liquidez global, deixando de atrair
preciosos investimentos estrangeiros
O
dólar chegou a R$ 5,48 na sexta-feira, depois de uma alta acumulada de 2,2% na
semana passada. Pesou o clima ruim nos mercados internacionais, com maior
aversão a risco e o rebaixamento das perspectivas de crescimento mundial,
sobretudo na Europa. Mas não se engane: o dólar caro reflete, sobretudo, as
nossas dificuldades para lidar com questões domésticas, na resposta à pandemia,
na política fiscal e na agenda de reformas para ampliar a produtividade da
economia.
Uma
evidência de como o Brasil está descolado das boas notícias vindas de fora é
que, na quarta-feira, o mercado acionário americano teve a maior alta num dia
de posse de um presidente americano desde Ronald Reagan - mas, por aqui, a
Bolsa registou queda. O pico de 125 mil pontos do Ibovespa ficou para trás e,
no fechamento da semana, o índice ficou em 117 mil pontos.
A
chamada onda azul, com a eleição de Joe Biden com um Congresso democrata, vem
apoiando o preço das commodities desde o fim do ano passado. Entretanto, o
real, uma moeda cuja força está historicamente relacionada às commodities, deu
vários sinais de fraqueza. Reage pouco aos eventos positivos e, quando o mundo
tem más notícias, está entre as que mais perdem valor ante a moeda americana.
Há
algumas explicações técnicas para o real fraco. Uma delas é uma nova regra,
criada por iniciativa do Banco Central, que isenta os bancos de proteger de
forma exagerada os seus investimentos fora do país - o chamado “overhedge”.
Esse sistema obrigava as instituições financeiras a manterem um excesso de
posição vendida em câmbio de US$ 50 bilhões. No ano passado, os bancos compraram
US$ 35 bilhões para desfazer parte dessa posição, pressionando a taxa de
câmbio.
Outra
justificativa é o corte dos juros básicos. O Banco Central baixou a Selic a
apenas 2% ao ano para estimular a economia e impedir que a inflação caísse
muito abaixo da meta. Um dos canais esperados de transmissão da política
monetária é justamente a taxa de câmbio. Juros mais baixos dentro do Brasil -
hoje estão negativos - desestimulam o ingresso de investimentos estrangeiros em
renda fixa e incentivam brasileiros a aplicar no exterior.
Olhando
adiante, porém, esses dois fatores devem pesar menos na desvalorização do real.
O estoque de “overhedge” é finito e, hoje, há menos posições a serem desfeitas
pelos bancos. Sobre a taxa básica de juros, o mercado precifica um início de
aperto. Os juros futuros mais altos já deveriam começar a atrair capitais
estrangeiros, ou pelo menos dissuadir investidores a retirar recursos que estão
aplicados dentro do país.
De
fato, o ambiente mais geral é bastante favorável ao fortalecimento do real. Não
apenas pela alta das commodities. O governo americano está promovendo uma
expansão fiscal sem que o Federal Reserve (Fed) se mova para retirar os
extraordinários estímulos à economia. O Banco Central Europeu (BCE) também joga
dinheiro na economia para afastar o risco de deflação. Com a ampla liquidez
internacional injetadas pelos BCs e a perspectiva de alta de juros domésticos,
os custos das captações de empresas brasileiras no exterior ficam relativamente
mais competitivas.
Os
fundamentos externos do Brasil também são favoráveis. O déficit em conta
corrente está em apenas 0,82% do Produto Interno Bruto (PIB). É bem abaixo dos
níveis considerados sustentáveis, na casa dos 3% do PIB. O normal é um país
emergente, carente de poupança doméstica e cheio de oportunidades, atrair uma
parcela maior de recursos estrangeiros para bancar os seus investimentos. As
reservas internacionais estão em confortáveis US$ 354,8 bilhões.
A
dinâmica do câmbio, porém, está em boa medida sendo determinada pela fragilidade
fiscal do país. O Brasil se descolou dos bons ventos do exterior justamente no
momento em que foi exposto o precário planejamento do governo para fazer a
vacinação da população conta a covid-19. A economia ameaça um novo mergulho
recessivo no primeiro trimestre, aumentando a pressão para novos gastos
fiscais.
Há outros problemas estruturais. A agenda de reformas que poderia aumentar a produtividade e o crescimento de longo prazo da economia também parece estar perdendo a prioridade para a pandemia. Com isso, o Brasil deve perder o bonde da ampla liquidez global, deixando de atrair preciosos investimentos estrangeiros.
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