A
democracia americana não foi redescoberta, mas reafirmada
No
dia 20 de janeiro, data da posse do novo presidente americano, estava na Barra
do Cahy, praia paradisíaca localizada no extremo sul da Bahia, que reúne
falésias deslumbrantes, vasta mata atlântica e águas claras que se encontram
com as curvas sinuosas do rio que dá nome à praia. De acordo com a descrição de
Pero Vaz de Caminha em carta enviada em 1500 ao Rei de Portugal, Dom Manoel I,
foi nesta praia que supostamente o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares
Cabral e sua tripulação. Mas apenas em janeiro de 2017 a Barra do Cahy recebeu
o título de “primeira praia do Brasil” pela prefeitura do município de Prado.
Parece
que neste dia 20 de janeiro o mundo redescobriu a democracia,
supostamente ofuscada por quatro anos do governo de Donald Trump. Esse
sentimento ficou evidente especialmente a partir dos eventos do último dia 06
de janeiro, quando o Capitólio, símbolo máximo da democracia americana, foi
invadido por apoiadores radicais e insurrecionados do ex-presidente.
A posse de Joe Biden como presidente dos EUA, portanto, teve o significado de reafirmação dos valores e princípios da democracia. Nas palavras de Biden “a democracia prevaleceu”.
Mas
será que a democracia americana estava em risco? Quando as instituições estão,
de fato, fragilizadas ao ponto de sofrerem mudanças que ameacem o equilíbrio
democrático?
No
livro, “Brazil in Transition: Beliefs, Leadership and Institutional Change”,
eu e meus coautores argumentamos que mudanças institucionais de grande monta,
como a quebra de regimes democráticos, não ocorrem de forma incremental, mas em
momentos muito específicos na história de uma sociedade.
A
eleição de governantes populistas estremados e não comprometidos com princípios
e valores democráticos não é razão suficiente para que democracias estáveis
quebrem ou mesmo que fiquem sob risco. Afinal de contas, eleições, mesmo quando
livres e competitivas, quase nunca selecionam os melhores governantes ou
aqueles consistentes com nossas preferências. E mesmo quando o fazem, não
demora muito para que estes frustrem os eleitores.
Para
haver quebra de regime, é necessário que as instituições em vigor não mais
consigam oferecer resultados congruentes com as expectativas da sociedade. Mais
especificamente, quando as instituições democráticas estejam desconectadas do
conjunto de crenças dominantes dos atores políticos e agentes econômicos
relevantes e influentes no processo decisório. Ou seja, mudanças institucionais
requerem mudanças de crenças. Quando essa desconexão acontece, abrem-se janelas
de oportunidade a mudanças, as quais podem ou não ser aproveitadas.
Não
existe qualquer evidência de que as crenças dos atores políticos e agentes econômicos
relevantes dos EUA estariam inconsistentes com as instituições democráticas
americanas. Ou seja, que as instituições não estariam funcionando como
esperado. Ainda que as crenças de parcela do partido Republicano tenham se
tornado maleáveis, se a maioria dos atores sociais e econômicos relevantes
acreditam que seu país está realizando eleições livres e justas e que o
vencedor é legítimo, é muito improvável que as instituições democráticas
quebrem, pois, nesse caso, crenças e instituições se reforçam mutuamente.
O
mundo tem agido como se a democracia tivesse sido redescoberta com a posse de
Biden. Mas a democracia estava lá, com suas instituições, ritos e
procedimentos, dando os contornos aos conflitos e disputas pelo poder. O que
vai ficar para a história é que o ex-presidente Trump saiu derrotado, não
apenas nas urnas. Quer tenha sido apenas uma “estratégia de saída” ou uma
tentativa de autogolpe, as instituições democráticas, como esperado, foram
capazes de ofertar solução pacífica ao conflito, desencorajando outras ações
iliberais nos EUA e em outras democracias.
*Cientista Político e professor titular da FGV Ebape
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