A
vacina alterou a dinâmica política no combate contra a Covid
A
política da pandemia sofreu mais uma transmutação, embora haja elementos de
continuidade com sua fase inicial. A segunda fase —que se estende grosso modo
de junho a novembro— foi de estabilização; a nova é marcada, como na primeira,
por temores quanto a uma hecatombe econômica e social. E também pelo retorno de
disputas federativas e sobre os trade offs entre saúde e economia. O horror
sanitário que havia arrefecido também volta.
A
nova fase coincide com o fim do auxílio emergencial e segunda onda da Covid. As
disputas sobre responsabilização política —inclusive sobre terapias
imaginárias— voltam à agenda. É como se agora tivéssemos voltando para a estaca
zero; mas as condições de contorno mudaram.
Em
primeiro lugar, se antes tínhamos 27 pandemias, agora a responsabilidade
política se federalizou. Para isso contribuiu a descoberta da vacina e a
própria amplitude da pandemia.
A institucionalidade da vacinação é federal, o que contrasta com a política de atenção a saúde em que os recursos humanos e equipamentos são locais. A iniciativa paulista que catapulta Doria como rival competitivo de Bolsonaro foi o último lance de disputas federativas. Combinada com o fiasco na obtenção da vacina e o horror sanitário em Manaus —agora nacionalizado em sua responsabilização política—, a vacinação repercute na popularidade presidencial, e recoloca o impeachment na agenda.
Em
segundo lugar, com o principal instrumento do governo descontinuado, o desempenho
pífio do governo ganhou visibilidade. A expertise nacional em vacinação irá
mitigar, mas não neutralizar a brutal reversão da popularidade. Afinal, a
maioria da população acima de 60 anos, ao final de 2021, terá sido
provavelmente vacinada, resultando em forte declínio de mortes, e mais
importante: o eleitor é míope, e foca no curto prazo.
Bolsonaro
foi um dos poucos governantes no mundo que não se beneficiou do efeito “rally
round the flag” (solidariedade nacional em emergências). E,
curiosamente, sua popularidade tampouco se alterou quando foi acometido pela
Covid, como mostrou Ryan Carlin.
Os
fatores que garantiram popularidade no passado —o auxílio e a guerra cultural—
desapareceram (auxílio) ou terão retornos decrescentes: os setores raiz se
desarticularam devido à ação do STF e muitos de seus atores evanesceram. A
ruína de Trump e o custo da aproximação com o centrão também contribuem para a
ineficiência crescente da guerra cultural.
O
enfraquecimento do Executivo cria incentivos à defecção no seio da base de
governo, o que se reflete na disputa pela presidência das casas
legislativas. O
equilíbrio é instável e a incerteza dispara.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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