Redução
dos juros pelo Fed criou condições para o crescimento de bolhas
Em
viagem a Nova York, no fim de 1997, encontrei casualmente amigos ligados ao
mercado financeiro, que me convidaram para uma visita ao Long Term Capital
Management (LMTC), em Greenwhich, Connecticut. Aceitei. Afinal, era uma
instituição criada por John Meriwether, o mago do bond trading da Salomon
Brothers, e que tinha como sócios Myron Scholes e Robert Merton, que naquele
ano dividiram o Prêmio Nobel de Economia. Fomos recebidos por um sócio menos
graduado, calçando botas e vestindo jeans, com uma fivela de cowboy no cinto,
que antes de me cumprimentar perguntou se eu tinha US$ 1 milhão – a quantia
mínima para tornar-me um investidor. Quase pedi desculpas por não me qualificar
como investidor, e expliquei que meu único objetivo era aprender como o LTCM
conseguia proporcionar enormes ganhos na presença de tantos riscos.
Fui gentilmente brindado com uma aula. Começou explicando como operavam o “convergence trading”, que consiste em ter duas posições: comprar para entrega futura um título de renda fixa a um preço baixo, e ao mesmo tempo vender a um preço mais alto um título similar para entrega futura. Operando com treasuries, que têm risco de default nulo, haveria apenas ganhos. A aula ficou mais interessante com os exemplos de como utilizar derivativos e ampliar os ganhos alavancando posições com empréstimos de curto prazo tomados junto aos bancos, sendo tudo isso respaldado por modelos pilotados por jovens PhD formados em universidades da Ivy League. Saí de lá frustrado, pois os modelos eram tão elegantes que pensei que deveria ter estudado finanças e não economia.
Na
ocasião, já era evidente para mim que havia uma crise em formação na Rússia,
que ocorreu logo em seguida. Conhecia o suficiente sobre ataques especulativos
e crises fiscais, levando-me a prever um final trágico para o país, mas era
incapaz de imaginar que, munido dos modelos precisos da teoria de finanças, o
LTCM pudesse quebrar. Errei. Um belo dia, não conseguiram pagar os empréstimos,
e se não fosse o NYFed ter trancado todos os bancos financiadores em uma sala
de seu edifício no down town até que concordassem em assumir totalmente o
prejuízo, ocorreria uma crise sistêmica. A Rússia podia quebrar, mas o LTCM era
“grande demais para quebrar”.
Confiança
excessiva nos modelos gera arrogância. Antes da crise de 2008 Robert Schiller advertia sobre o crescimento de uma bolha
imobiliária. Na reunião de Jackson Hole de 2005, Raguran Rajan teve a ousadia
de apontar que esse risco era grande, mas a enorme confiança na hipótese de
mercados eficientes, nos modelos, e na autorregulação dos mercados, fez com que
seu trabalho fosse muito criticado e esquecido pelos economistas.
O Glass
Steagel Act fora revogado, desaparecendo a separação entre bancos
comerciais e de investimentos. Com isso as hipotecas, grande parte das quais
financiava a aquisição de casas por clientes que não conseguiriam pagar, eram
empacotadas em mortgage backed securities vendidas aos bancos de investimento,
que alavancavam sua posição com financiamentos tomados em bancos comerciais.
Brooksley Born, a presidente da Commodities Futures Trading Comission, advertiu
sobre a necessidade de regulação para evitar fraudes em derivativos no mercado
de balcão, largamente usados nessas operações. Discutiu o assunto com Greenspan,
que discordava da proposta. A diferença era que Born “queria usar leis”,
enquanto para ele o mercado resolveria tudo. “Se houvesse fraude a companhia
demitiria o trader”. Ponto final!
Com
a covid vivemos um ciclo econômico sem precedente. O Fed reduziu
a zero a taxa dos fed funds e comprou mais de US$ 2 trilhões em treasuries.
Colocou o país na armadilha da liquidez e garantiu que manteria os juros baixos
por longo período, mesmo que por algum tempo a inflação superasse a meta. Com
isso os investidores saíram comprando ativos, de ações a bitcoins, criando
condições para o crescimento de bolhas, cuja existência é sempre negada. Para
sair da estagnação, no entanto, o governo vai executar uma expansão fiscal de
10% do PIB, com o risco de superaquecer a economia. Se isto ocorrer, o Fed terá
que renegar o compromisso e elevar os juros, desinflando possíveis bolhas, com
prejuízos que crescem com as alavancagens.
Pode
ser que “desta vez seja diferente”, ou que eu esteja vendo fantasmas. Mas seria
muito bom se em vez de nos apoiarmos na crença religiosa aos modelos e de que
os mercados tudo resolvem, prestássemos atenção às lições da história.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados.
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