Acima
de tudo e de todos, democracia. Para construirmos um País melhor, com liberdade
Faltando
mais de um ano e meio para as eleições presidenciais, é cedo para discutir
nomes. Mas não para traçar as grandes linhas de um programa que possa vir a ser
apoiado no segundo turno por um amplo leque de forças democráticas, do
centro-direita ao centro-esquerda. Ele deve espelhar o aprendizado coletivo que
fizemos ao longo dos últimos 30 anos e projetar um futuro que nos permita
voltar a ter esperança no Brasil.
Responsabilidade
fiscal e responsabilidade social devem andar juntas. No Brasil, a segunda exige
não apenas atenção à pobreza, mas também à desigualdade. No grau existente no
Brasil, ela impede que seja internalizada em cada um e em todos nós a noção de
pertencer a um mesmo corpo político, que nos assegure direitos e nos imponha
responsabilidades. Precisamos sentir que estamos todos no mesmo barco e temos
um destino comum, que nos faça responsáveis pelo bem-estar das gerações
presentes e das que vêm por aí. Sem a generalização desse sentimento a Nação
não tem futuro.
Não somos todos iguais e as identidades parciais devem ser reconhecidas e respeitadas. Quem teve menos vez e voz ao longo da História tem o direito de gritar para se fazer ouvir. É parte da luta pela construção da cidadania. Mas não podemos perder de vista o objetivo de alargar o espaço da nossa casa comum, em vez de compartimentá-la em lugares de fala incomunicáveis.
O
sentimento de que estamos navegando no mesmo barco ou construindo a mesma casa
precisa se materializar em compromisso firme com a solvência do Estado, o que
implica ter regras fiscais que a assegurem, e com um regime de tributação e
gastos públicos que responda à aspiração de criar uma sociedade mais justa em
termos de distribuição da renda e oportunidades. Não devemos crescer para
depois distribuir, mas sim crescer e distribuir, e faremos uma coisa e outra
mais e melhor se cuidarmos de aumentar a eficiência e a produtividade no setor
público e no setor privado.
Outro
aprendizado feito nos últimos 30 anos, vivendo a experiência do Brasil e
olhando o mundo ao redor, é que a dicotomia mais Estado ou mais mercado nos
mantém presos a ideias defuntas. Temos de nos libertar de esquemas ideológicos
que bloqueiam a criação e o aprimoramento de sistemas de cooperação não apenas
entre o setor público e o setor privado, mas também entre eles e a sociedade.
Um
dos papéis fundamentais do Estado no século 21 será orquestrar esses sistemas
de cooperação dentro e para além das fronteiras nacionais. As partituras não
serão escritas por decreto e impostas de cima para baixo. Sistemas de cooperação
têm de ser abertos à competição e submetidos à publicidade e avaliação para
reduzir o risco de a cooperação virar um conluio contra os interesses mais
amplos da sociedade. Diante da complexidade, interconectividade e velocidade
das transformações tecnológicas e científicas e dos desafios de governança que
delas derivam, não há Estado demiurgo ou mão invisível do mercado que dê conta
do recado.
Nesse
contexto, o Brasil pode aspirar a ter presença global em algumas áreas com
grande potencial de criação de valor e bem-estar. Para tanto é fundamental
produzir e disseminar ciência aqui dentro. E ter uma política externa que
expresse interesses nacionais amplos, e não de partidos ou seitas políticas.
Agronegócio
e meio ambiente ou se harmonizam ou se destruirão mutuamente. Nenhuma outra
atividade depende tão diretamente de um regime de chuvas regulado pela floresta
úmida. A pressão em favor de padrões cada vez mais elevados de sustentabilidade
socioambiental e sanidade dos alimentos não deve ser sentida como “exigências
externas”. São uma obrigação do País consigo mesmo.
A
soberania da Amazônia brasileira não está em questão. O desafio é exercê-la com
responsabilidade em relação ao nosso futuro comum, com os brasileiros e
habitantes de um só e mesmo planeta. São cada vez mais sólidas as evidências
científicas de que a floresta está se aproximando de um ponto de não retorno, a
partir do qual, em lugar de retirar e estocar dióxido de carbono, passa a
emiti-lo. Virar as costas para a ciência é entregar-se aos azares das pandemias
e das catástrofes climáticas.
O
agro é muito importante, mas não é tudo. A necessidade de criação de renda e
empregos de qualidade no Brasil ultrapassa em muito a capacidade do novo mundo
rural, mesmo considerando todos os seus encadeamentos com os serviços e a
indústria.
É
vital criar bons empregos nas maiores cidades e ligá-los à melhoria das
condições de vida e convivência nos centros urbanos. Deve-se experimentar e
inovar na concepção e implementação de políticas com essa finalidade, com maior
consulta à sociedade e mais intensa participação dos cidadãos. As cidades são
espaços propícios ao encurtamento da distância entre o mundo oficial e o
universo da cidadania.
Acima
de tudo e de todos, democracia. Não apenas porque seja melhor do que todas as
alternativas conhecidas, mas principalmente porque é a única que nos permite
continuar a ter a liberdade para construir um país melhor.
*Diretor-Geral da Fundação FHC, é membro do Gacint-USP
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