Para compensar as repercussões negativas da intervenção na Petrobras, o presidente Jair Bolsonaro lançou uma operação para tentar contrabalançar a má impressão que deixou. Na terça-feira, liderou uma comitiva para levar a pé ao Congresso proposta de Medida Provisória para privatizar o controle da Eletrobras. Fez elogio a Paulo Guedes e, na quinta-feira, enviou ao Legislativo projeto de conversão dos Correios (ECT) numa empresa de economia mista, um passo para permitir a entrada de sócios privados (não se sabe se majoritários).
Parecia notícia requentada. Não que deixem de ser importantes quaisquer ações para reduzir a presença do Estado na economia. A questão é a total desconfiança da ressurreição da agenda de desestatização, levando em conta os últimos movimentos de Bolsonaro. A pressa, na tentativa de transmitir um recado ao mercado revolto com a intervenção na Petrobras, fica evidente no descuido com o projeto sobre os Correios. Nem o modelo de abertura do capital foi definido, e falta ainda ouvir o Tribunal de Contas da União.
A
primeira razão para o descrédito é o intervencionismo de Bolsonaro, com seus
ecos no nacionalismo dos militares. Atribuir papel “social” às estatais
equivale a subordiná-las não ao interesse público, mas ao interesse de
políticos ou grupos específicos, sempre à espreita para tirar proveito.
Ao
indicar o general Joaquim Silva e Luna para presidir a Petrobras, Bolsonaro elogiou
sua gestão à frente de Itaipu por obras viárias, que nada têm a ver com o papel
de uma geradora de eletricidade, mas muito com a geração de votos. Exatamente
como a tentativa artificial de manipular o preço dos combustíveis. O custo
disso tudo é a ineficiência das empresas, queda de produtividade da economia e
transformação do país num ambiente tóxico para qualquer investidor, onde a
sobrevivência passa a depender da corrupção. Não é à toa que os mercados
derretem.
A
segunda razão para o descrédito está no Congresso. De acordo com a economista
Elena Landau, que presidiu o Conselho da Eletrobras até 2017, para vender o
controle da empresa, bastaria uma lei específica que voltasse a incluí-la nas
regras de privatização já existentes. Também seria necessário um estudo mais
detido do impacto da venda no mercado de eletricidade. É um cenário improvável
com o Centrão forte no Legislativo. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
tem apreço especial por Furnas, cujo comando conta com a bênção dos parlamentares
mineiros. Como a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e os políticos
nordestinos. Os senadores Eduardo Braga, líder do MDB, e Davi Alcolumbre também
desgostam da privatização. Não à toa também, a MP de Bolsonaro está repleta de
compensações regionais e prevê conferir ao Estado uma golden share,
ação com poder de veto sobre “decisões estratégicas”.
Não
é difícil entender o sentido disso. Bolsonaro já deixou claro que colocaria o
dedo na Eletrobras para reduzir tarifas elétricas, como fez na Petrobras (outra
repetição da Era Dilma). Enquanto ele estiver no Planalto, não deverá ser forte
o interesse privado pela empresa. Será difícil convencer investidores a comprar
ações de uma empresa que, de uma hora para outra, pode estar sujeita a
intervenção. No mercado, o jargão para tais papéis é conhecido: mico. Voltar a
falar de privatizações só serve para Bolsonaro simular um aceno ao liberalismo,
nada mais.
Passaporte de imunidade poderia salvar turismo após tombo histórico – Opinião / O Globo
Desde o fim de 2019, quando o então desconhecido Sars-CoV-2 começou a empilhar vítimas na China e depois se espalhou por todo o planeta, o turismo entrou em colapso. Nada mais compreensível. A imposição de medidas de restrição para conter a disseminação do vírus pôs em quarentena as multidões de turistas que, diariamente, faziam movimentar a indústria. Em meio a uma das mais letais pandemias da História, hotéis ficaram vazios, atrações de todo tipo fecharam as portas, aviões foram deixados em solo, e cruzeiros marítimos, transformados em focos da Covid-19, rumaram do paraíso ao inferno.
Nesse
cenário de terra arrasada, é positiva a ideia, que ganha força em vários
países, de um passaporte de imunidade para retomar as atividades turísticas com
um mínimo de segurança. O Arquipélago de Seychelles, no Oceano Índico, foi um
dos primeiros a implementar a medida. Na Indonésia, o governo estuda permitir a
entrada em Bali de viajantes que tenham sido vacinados contra a Covid-19. Reino
Unido, Suécia, Dinamarca e Israel seguem estratégia parecida. Na Nova Zelândia,
a companhia Air New Zealand deve exigir, a partir de abril, documento digital
de vacinação nos voos entre Auckland e Sydney. A aérea australiana Qantas
planeja adotar medida semelhante.
Nem
tudo é consenso. Na União Europeia, o uso do passaporte de imunidade tem
causado fraturas entre os integrantes do bloco. Grécia, Espanha e Itália, onde
a indústria do turismo foi massacrada pelo vírus, são favoráveis à iniciativa,
enquanto França e Alemanha alegam que, na prática, a decisão significaria
discriminar viajantes que não quisessem tomar a vacina.
O
risco de estigmatização dos não vacinados é um dos temas que esquentam o
debate. Outra questão polêmica diz respeito aos grupos não prioritários. Por
ocuparem os últimos lugares nas filas, eles acabariam cerceados em seu direito
de ir e vir. Não se sabe também se, mesmo vacinado, o viajante deixaria de
transmitir o vírus, um terceiro complicador para o passe-livre. O passaporte
permitiria, em contrapartida, furar bloqueios impostos a visitantes no mundo
inteiro.
No
Brasil, a adoção de um passaporte de imunidade poderia recuperar um setor que
entrou em coma com a pandemia. Não se trata apenas de prejuízo financeiro. Em
cidades como o Rio, o turismo gera milhares de empregos, que foram perdidos ou
estão sob risco. Já está claro que o vírus não irá embora de uma hora para
outra, mesmo com vacinação. Ao contrário, a convivência com o Sars-CoV-2 e suas
temidas variantes promete ser longa. O melhor é se preparar para a relação nada
amistosa.
No
caso brasileiro, a dificuldade maior não é a implementação de um passaporte de
imunidade, pois pode-se seguir o modelo de outros países. O maior problema é a
falta de vacinas. A campanha se arrasta — o país imunizou até agora menos de 4%
da população. Se depender da vacinação para sair da UTI, o turismo no Brasil
corre o risco de continuar entubado ainda por um bom tempo.
A deterioração da educação básica – Opinião / O Estado de S. Paulo
Por
causa da assombrosa desídia do governo federal na pandemia, a educação no
Brasil vive uma crise dentro da crise
No mundo inteiro a pandemia precipitou uma crise sem precedentes na educação. O apagão acarretou perdas expressivas de aprendizagem, aumentou as desigualdades e ampliou os riscos de evasão escolar. Mas, por causa da assombrosa desídia do governo federal, a educação no Brasil vive uma crise dentro da crise. Ou melhor: já vivia uma crise endógena que foi agravada por uma crise exógena.
A
mera dança das cadeiras no MEC é sintoma suficiente dessa incúria. Antes do
atual ministro, Milton Ribeiro, que desde julho não mostrou a que veio, a pasta
foi comandada três meses pelo inoperante Vélez Rodríguez; depois um ano e dois
meses por Abraham Weintraub, que nada mais fez que reduzir o MEC a uma casamata
para guerrilheiros culturais bolsonaristas; e alguns dias por Carlos Decotelli,
que se notabilizou pelas fraudes em seu currículo acadêmico.
“Com
relação ao MEC, além da ausência de coordenação nacional, cuja responsabilidade
é do governo federal, o ano de 2020 reforçou a imagem de um ministério sem
capacidade de liderança e com sérios problemas de gestão”, concluiu um
balanço do instituto Todos Pela Educação. Nada ilustra mais essa
inépcia que o desempenho na educação básica. Reiteradas vezes, até colidirem
com a lei, o presidente Jair Bolsonaro e seu sabujo Abraham Weintraub ameaçaram
sabotar o ensino universitário – em especial as Humanidades –, sob o pretexto
de priorizar a educação básica. Se esse antagonismo espúrio entre ensino básico
e superior já não demonstrasse uma concepção suficientemente tacanha da
educação, o balanço prova que ela é também hipócrita. A educação básica
encerrou o ano de 2020 com o menor orçamento e a menor execução da década.
A
contração não pode ser atribuída exclusivamente à crise. Entre 2010 e 2018
(incluindo, portanto, os anos de recessão), a dotação anual média para a
educação básica foi de R$ 52,2 bilhões. Nos dois anos de Bolsonaro, foi de R$
45,2 bilhões. O desempenho da educação básica em 2020, tanto na comparação com
outras etapas quanto com anos anteriores, foi muito aquém do esperado: dentre
todas as etapas, as despesas discricionárias com o ensino básico obtiveram a
menor taxa de pagamento (47%); a dotação das emendas parlamentares acumulou
redução de 40%; e, das despesas obrigatórias, 81% foram executados, ante 86% em
2019, 95% em 2018 e 92% em 2017.
Em
razão da baixa execução orçamentária iniciada no primeiro ano do governo, 2020
foi marcado pelo financiamento excessivo de restos a pagar, dificultando a
execução subnacional pela falta de previsibilidade dos recursos recebidos.
A
“síntese da pasta”, segundo o Todos Pela Educação, é de “inação, baixa execução
orçamentária e fragilidades na governança e na pactuação com Estados e
municípios, trazendo prejuízos incalculáveis a curto, médio e longo prazos para
a melhoria da qualidade da educação básica”.
Além
da anomia na provisão do ensino remoto e no planejamento do retorno às aulas, o
governo federal ainda vetou trechos da MP 934/20 que previam o repasse de
recursos da merenda diretamente aos pais e deixou à deriva reformas como a
implementação da Base Nacional Curricular Comum, o Novo Ensino Médio e medidas
voltadas à profissionalização de carreira e formação docente. Numa lista de 34
prioridades apresentadas pelo governo ao Congresso, apenas uma diz respeito à
educação, tratando da pauta absolutamente irrelevante da regulamentação do
homeschooling.
O
quadro em 2020 só não foi pior por causa da ação de prefeituras, governos
estaduais, entidades representativas e do Congresso, responsáveis por avanços
importantes, como a aprovação do Novo Fundeb.
Se,
no campo educacional, um voto de confiança no início da gestão Bolsonaro era
uma ingenuidade culposa, condescender dois anos depois com essa ilusão já
caracteriza uma atitude dolosa. Mais do que nunca, garantir o avanço da
educação – ou, ao menos, conter a sua deterioração – dependerá do protagonismo
enérgico da sociedade civil, dos governos subnacionais e principalmente do
Congresso.
A fisionomia do futuro – Opinião / O Estado de S. Paulo
Lideranças
ponderam que 2025 será muito mais tecnológico – e muito mais desafiador
Em meio à crise, nada é mais normal que se falar em “novo normal”. Mas o que será exatamente “novo”? Quais mudanças são circunstanciais (anormais) e quais serão permanentes (normais)? Em busca de respostas, o Pew Research Center consultou quase mil lideranças políticas, econômicas, científicas e sociais para conjecturar sobre como será a vida em 2025.
O
consenso é que as pessoas se apoiarão mais em conexões digitais para o
trabalho, educação, saúde, comércio e interações sociais – cenário que muitos
descrevem como “teletudo”.
O
catálogo de revoluções tecnológicas é estonteante. Na saúde, por exemplo,
prevê-se uma “internet das coisas médicas” possibilitando um monitoramento
holístico da saúde dos pacientes; avanços na biologia sintética; mapeamentos
diagnósticos de genes e microbiomas; e toda uma legião de teleprofissionais da
saúde.
Além
disso, fala-se em mídias sociais 3D (via hologramas); “internet voadora das
coisas”, com drones de vigilância e entrega; economia gig (empresas que optam
pela contratação temporária e sob demanda) expandida em torno de freelancers
trabalhando de casa; avanços nas criptomoedas; ou escolhas educacionais que
permitirão a estudantes montar cardápios personalizados.
O
enigma – tão excitante quanto amedrontador – é se os seres humanos saberão
lidar com tais transformações operando com “emoções paleolíticas, instituições
medievais e tecnologias divinas”, nas palavras do biólogo E. O. Wilson. Como
disse a presidente da Data & Society Research, Danah Boyd, “tecnologias
digitais sempre espelham e magnificam o bom, o mau e o feio”. O aprimoramento
da interconexão digital pode gerar mais empatia, consciência das ameaças à
humanidade e ações públicas positivas. Mas, na luta pela sobrevivência,
indivíduos, cidades ou nações podem se tornar mais insulares e competitivos,
desencadeando surtos de xenofobia e fanatismo.
A
perspectiva de que os privilegiados gozarão mais privilégios e os
desfavorecidos ficarão ainda mais vulneráveis é das apreensões mais comuns.
Outra é com o poder das empresas de tecnologia. A hiperconectividade tem um
caráter de “dois gumes”: ela aumenta os riscos à privacidade, e sistemas de
segurança otimizados podem reduzir as liberdades civis, especialmente nas mãos
de regimes autoritários – cuja expansão também desperta os piores temores. A
automação pode deixar muitos fora da equação do trabalho. A saúde mental será
desafiada com a contração do universo presencial. E a disseminação das mentiras
pelas redes digitais ameaça os sistemas sociais, políticos e econômicos.
Por
outro lado, tecnologias como a Inteligência Artificial, cidades inteligentes,
análise de dados e a realidade virtual podem tornar esses sistemas mais
seguros, humanizados e produtivos. Mais comunicação e mais informação podem
melhorar dramaticamente a capacidade de resposta às crises e aliviar o
sofrimento. “A covid-19 pode eventualmente acelerar a desconstrução de um
capitalismo decrépito que fracassa em alocar recursos a professores,
trabalhadores, serviços essenciais e muitos outros setores econômicos
subvalorizados ante o favorecimento de rentistas e bolhas financeiras que não
acrescentam valores reais à sociedade”, ponderou Chris Arkenberg, pesquisador
da Deloitte.
Para
47% dos entrevistados, a vida, em geral, deve piorar; para 39%, deve melhorar.
Mas, na voracidade da crise, um grau de pessimismo deve ser descontado – tanto
mais que a enquete foi feita antes das vacinas. Em outra pesquisa com a
população norte-americana, 51% disseram que sua vida não deve mudar após a
pandemia. As lideranças ouvidas pelo Pew Research, por sua vez, ao descrever
reconfigurações de realidades fundamentais como a “presença” física e as
concepções de verdade e confiança, recorreram frequentemente a expressões como
“ponto de inflexão”, “escala inimaginável”, “processo exponencial” ou “ruptura
massiva”.
Percepções
tão ambivalentes sugerem que não se pode condescender a qualquer forma de
fatalismo. Entre esperanças e apreensões, o futuro está aberto: os riscos estão
aí, mas as oportunidades também.
Cuidado com o retrocesso – Opinião / O Estado de S. Paulo
Mudanças
são necessárias, mas é preciso garantir conquistas recentes
As manifestações de 2013 e a ojeriza generalizada à “velha política” nas eleições de 2018 evidenciam a necessidade de uma ampla reforma política que elimine distorções e anacronismos que induzem, entre outras coisas, à fragmentação partidária em legendas nanicas e ideologicamente invertebradas, subvertendo a atividade parlamentar num balcão de negócios para seus caciques. Nos últimos anos, passos importantes foram dados. Agora, a Câmara criou uma comissão para estudar mudanças no sistema eleitoral. Mas, sob o pretexto de dar um passo à frente, há o risco não desprezível de dar vários para trás.
Entre
o extenso catálogo de temas apresentados pela relatoria, fala-se em adaptações
nas regras da propaganda eleitoral, debates, divulgação de pesquisas, condições
de elegibilidade, recursos judiciais ou sistemas de votação (eletrônicos e/ou
impressos). Há ainda pautas de extrema relevância para a moralização do sistema
partidário, como o financiamento de campanha ou a prestação de contas.
Mas
há mudanças que nem deveriam estar sendo discutidas. Não porque não toquem
temas relevantes e muito menos por não serem de competência do Parlamento, mas
sim, ao contrário, porque já foram deliberadas em amplos processos
participativos de alcance constitucional e, agora que estão em processo de
implementação, correm o risco de serem abortadas antes que a população possa
averiguar seus frutos. As duas mais relevantes são a cláusula de desempenho dos
partidos e a extinção do sistema de coligações.
Desde
a redemocratização, verificou-se uma escalada da fragmentação partidária,
dificultando a governabilidade na mesma proporção em que facilitava o trabalho
dos caciques interessados em acessar recursos públicos e alugar as suas cotas
de horário eleitoral gratuito. Em 1986, a Câmara dos Deputados tinha 12
partidos; em 2018, eram 30 – 1/3 deles tinha apenas de um a nove deputados.
Essa proliferação de legendas sem representatividade foi contida com uma emenda
constitucional de 2017.
A
nova lei impôs uma cláusula de barreira (ou desempenho) impedindo que os
partidos que não recebem um cociente mínimo de votos sejam brindados com
recursos dos fundos partidário e eleitoral e com horário eleitoral. Já em 2019,
os partidos na Câmara precisavam ter ao menos 1,5% dos votos para deputados
distribuídos em ao menos nove Estados, além de um mínimo de 1% em cada Estado.
Dos 30 partidos que elegeram representantes na Câmara, 14 não atingiram esses
patamares. Alguns optaram por se incorporar a outras legendas ou ceder seus
deputados, de modo que hoje há 24 partidos na Casa. A lei prevê que a eficácia
desse filtro salutar seja gradativamente ampliada com a elevação do piso de
votos para 3% até 2030. Mas nos bastidores da nova comissão já se fala em
congelamento da cláusula.
Talvez
mais importante tenha sido a extinção das coligações partidárias, uma
perniciosa distorção dos mecanismos representativos. Pelo sistema proporcional
vigente, a quantidade de votos de cada partido determina a sua quantidade de
vagas, que então são distribuídas aos candidatos mais votados. Ocorre que,
antes da nova lei, os partidos podiam se coligar para somar seus votos. Com
isso, legendas minúsculas podiam eleger candidatos inexpressivos herdando votos
de fenômenos populares – o chamado “efeito Tiririca”. De resto, o eleitor que
votava em um candidato acabava muitas vezes contribuindo à revelia para eleger
um “caroneiro” de orientação ideológica distinta da sua. No pleito municipal de
2020, o primeiro sem essa possibilidade, os partidos nanicos elegeram apenas
1,1% dos vereadores, enquanto na anterior foram 2,4%.
Agora,
alguns deputados flertam com o retorno ao antigo sistema. Mas que sentido pode
haver em sustar as novas regras antes mesmo de serem testadas nas eleições
estaduais e federais de 2022? A menos que a reversão do novo sistema seja muito
bem justificada – o que é difícil, dado que ele está cumprindo sua finalidade –
não é possível classificá-la senão com um nome: retrocesso.
PEC da impunidade – Opinião / Folha de S. Paulo
Deputados
pretendiam atropelar a discussão para obter blindagem injustificável
Sob
o pretexto de regular o que estaria confuso no ordenamento jurídico brasileiro,
uma parcela dos deputados federais achou por bem apresentar uma proposta de
emenda à Constituição para definir de modo mais preciso os limites da imunidade
parlamentar.
Na
prática, porém, a medida não limita nada; ao contrário, o que se propõe é
ampliar a blindagem constitucional a que deputados e senadores já têm direito.
Não surpreende que, nos bastidores do Congresso Nacional e nas redes sociais,
tenha circulado um apelido merecido: PEC da impunidade.
Fique
bem entendido que o problema não está nas atuais imunidades. Parlamentares
precisam de algumas garantias para que exerçam seus mandatos com a máxima
liberdade e o mínimo de receio. Somente assim poderão defender os interesses de
seus eleitores sem censuras externas nem internas.
É
por esse motivo que congressistas são invioláveis por votos e opiniões emitidas
no exercício do mandato. Pela mesma razão, só podem ser presos em
circunstâncias específicas —flagrante de crime inafiançável. E, ainda, têm a
oportunidade de suspender um processo contra um de seus pares ou mesmo de
tirá-lo da cadeia.
A
ideia por trás de todas essas vantagens é proteger o mandato parlamentar contra
abusos de outros Poderes. A democracia seria muito mais frágil se o Judiciário,
sem nenhum freio, pudesse tirar do Congresso deputados e senadores que não
fossem de seu agrado.
O
sistema funciona. Se o Judiciário exorbitar, basta o Legislativo corrigir o
erro —os mecanismos para isso já existem.
Não
satisfeitos, alguns deputados queriam mais. Decerto ficaram impressionados com
o encarceramento de Daniel Silveira (PSL-RJ) e, ao que parece, se mexeram para salvar
a própria pele.
O
sentido de urgência foi tão intenso que, sob comando do presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), tentaram atropelar o rito regular de tramitação das PECs,
driblando a discussão na Casa e na sociedade. Não pegou bem.
Para
piorar, o conteúdo da proposta cria regalias penais inaceitáveis, deixando os
parlamentares quase sem controle judicial.
Se
algo desse debate merece consideração, é a sugestão de regular as ocasiões em
que um congressista pode ser afastado do mandato por ordem do Judiciário. O
ideal, nesses casos, é seguir o rito que já existe para prisões: submeter a
decisão ao crivo do Legislativo.
Caso
o Congresso queira conduzir um debate maduro sobre esse tema, a oportunidade
está dada. Arthur Lira, pressionado por seus colegas, decidiu
restabelecer o ritmo normal e criou uma comissão para analisar
a PEC. Melhor assim.
A hora mais grave – Opinião / Folha de S. Paulo
Mortandade
atinge pico, mas autoridades têm dificuldade em impor restrições
Nunca
se morreu tanto no país devido à pandemia de Covid-19 como agora. A chamada
média móvel diária atingiu seu número mais alto na quinta-feira (25), com 1.129
óbitos, mesma data em que o recorde para
24 horas foi batido.
Nunca
o Sistema Único de Saúde esteve tão próximo de colapsar, enquanto a vacinação
avança lentamente. Dezessete capitais registram taxa de ocupação de UTIs de ao
menos 80%, de acordo com a Fiocruz, numa lista capitaneada por Porto Velho,
Florianópolis, Manaus, Goiânia e Fortaleza.
Filas
já começam a se tornar comuns nos hospitais Brasil afora, e estados vêm sendo
obrigados a suspender cirurgias eletivas e outros procedimentos não
relacionados à doença —o que também se observa na rede privada, inclusive em
hospitais de referência como Albert Einstein e Sírio Libanês, em São Paulo.
Completa
a nossa desgraça o comportamento de Jair Bolsonaro, cujo empenho diuturno em
sabotar as medidas de enfrentamento se voltou, no mais recente desvario, para o
uso das máscaras, nada menos que o item de proteção mais importante neste
momento.
Ante
a desídia criminosa da administração federal, prefeitos e governadores agem
como podem. Nos últimos dias, estados e
cidades do país anunciaram medidas para restringir a circulação
do público.
Na
região Sul, que enfrenta verdadeira explosão de casos e internações, Santa
Catarina e Paraná decretaram suspensões de atividades não essenciais, além de
toques de recolher no início da noite.
A
Bahia impôs uma lei seca, restringiu a circulação a partir das 20h e suspendeu
a maior parte dos serviços —mas apenas durante este fim de semana. Já
Pernambuco adotou um controle mais brando, embora por tempo maior.
No
estado de São Paulo, onde a ocupação média de leitos está acima de 70%, a região
metropolitana da capital e outras cinco áreas retrocederam sua classificação no
plano estadual —duas delas para a fase vermelha, a mais restritiva. Araraquara
mantém há uma semana confinamento rígido.
Sem
qualquer coordenação nacional, quase sempre de alcance restrito e frequentemente
efêmeras, tais medidas tendem a ter efeito limitado na contenção da pandemia.
Contudo os temores de consequências econômicas, somados ao cansaço de parte da população e à oposição cruenta de Brasília, tornam difícil para as autoridades implementar ações mais severas.
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