Bolsonaro
é paranoico, vê conspiração em tudo. Acredita que os defensores do lockdown
querem desestabilizar seu governo e aprovar o seu impeachment
O
presidente Jair Bolsonaro bateu no teto do negacionismo quando atacou
governadores e prefeitos que adotaram medidas de lockdown. Em Fortaleza,
durante evento que causou aglomeração e ao qual compareceu sem máscara, na
sexta-feira, disse: “Agora, o que o povo mais pede, e eu tenho visto, em
especial no Ceará, é trabalhar. Essa politicalha do ‘fique em casa, a economia
a gente vê depois’, não deu certo e não vai dar certo”. Aproveitou para ameaçar
os governadores que não seguirem a sua cartilha: “O auxílio emergencial vem por
mais alguns meses e, daqui para a frente, o governador que fechar seu estado, o
governador que destrói emprego, ele é quem deve bancar o auxílio emergencial”.
Mirou, sobretudo, o governador cearense Camilo Santana (PT), que havia endurecido as medidas de distanciamento social. Fortaleza está com uma taxa de ocupação de leitos de UTI de 94%, sendo uma das capitais em risco de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). As demais são: Porto Velho (RO), 100%; Florianópolis (SC), 96,2%; Manaus (AM), 94,6%; Goiânia (GO), 94,4%; Teresina (PI), 93%; e Curitiba (PR), 90,0%. O país já contabilizou 10,4 milhões de casos e 252 mil óbitos por covid-19 desde o início da pandemia. Na véspera das declarações, Bolsonaro havia questionado o uso de máscaras, enquanto o país batia o recorde de mortos num único dia: 1.582.
Psicologicamente,
negacionismo é uma forma de escapar de uma verdade desconfortável. Na ciência,
o negacionismo é definido como a rejeição dos conceitos básicos, incontestáveis
e apoiados por consenso científico a favor de ideias radicais e controversas.
Costuma se fortalecer quando a sociedade se depara com situações de
instabilidade, como essa crise sanitária, ou diante de algo nunca presenciado,
um vírus novo e letal, como é o caso. O negacionismo apela para teorias e
discursos conspiratórios, que acabam favorecendo disputas ideológicas, interesses
políticos e religiosos. Bolsonaro é paranoico, vê conspiração em tudo. Acredita
que os defensores do lockdown (medida para conter a velocidade de propagação do
vírus e evitar o colapso do sistema de saúde) querem desestabilizar seu governo
e aprovar o seu impeachment.
O
negacionismo é insidioso e perigoso, pois atua no campo ideológico para
influenciar a opinião pública e legitimar governantes com posições
anticientíficas. Com isso, pode resultar em tragédias humanitárias. É o caso da
epidemia de Aids na África do Sul, que chegou a registrar 5,4 milhões
infectados, para uma população de 48 milhões de pessoas. O ex-presidente
sul-africano Thabo Mbeki (1999-2008) ficou para a história como o principal
negacionista do HIV/Sida, que mandou tratar com erva, o que custou a vida de
mais de 300 mil pessoas. Há quem exija que seja julgado por crimes contra a
humanidade.
A negligência no combate à pandemia, a negação das vacinas e a insistência na promoção de tratamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19, pelo presidente Jair Bolsonaro, porém, provocou ampla mobilização de médicos, pesquisadores e entidades científicas, que atuam nos meios de comunicação e nas redes sociais para combater a fake news e explicar à população o que realmente está acontecendo. O negacionismo irresponsável é tanto que até hoje o governo não fez uma campanha oficial de esclarecimento e incentivo à vacinação, que é a última fronteira do combate ao negacionismo em relação à pandemia da covid-19.
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