domingo, 26 de setembro de 2021

Míriam Leitão - Alerta na ONU sobre a Amazônia

O Globo

Duzentos cientistas lançaram durante a reunião da ONU um alerta que não deixa dúvidas sobre a dimensão da importância da Amazônia, sobre os riscos que ela corre e, portanto, o mundo corre. Avisaram que é preciosa a proteção que os povos indígenas e as comunidade locais oferecem à floresta. A Amazônia está à beira do ponto de não retorno, diz o Painel Científico para a Amazônia, uma espécie de IPCC para a Amazônia, que lançou durante a Assembleia Geral da ONU o sumário executivo do seu primeiro relatório.

— A gente já não tem mais tempo. Infelizmente, entre os cientistas, há essa discussão, até alguns autores do relatório acham que já perdemos o sul da Amazônia. Eu acho que não. Se a gente conseguisse zerar o desmatamento, criar programas de restauração de grande escala, a floresta conseguiria se restabelecer. Mas estamos vendo uma enorme degradação em quase dois milhões de Km2 em toda a Amazônia — explica o cientista Carlos Nobre, co-presidente desse painel. O presidente é o economista Jeffrey Sachs, do Sustainable Development Solutions Network das Nações Unidas. O documento todo será divulgado na reunião do clima em Glasgow.

Os cientistas começaram a se organizar para esse trabalho enorme de produção de conhecimento sobre a Amazônia um pouco antes da pandemia. O distanciamento obrigou todo mundo a se reunir remotamente e trabalhar online. Dois terços dos cientistas são dos países amazônicos, mas o desafio que eles se propuseram era ainda mais difícil na pandemia. Eles integraram representantes de povos indígenas, alguns deles, cientistas. Estão convencidos de que a ciência avançará se respeitar o conhecimento ancestral dos indígenas e os incluir no estudo.

A professora da UnB Mercedes Bustamante, também parte do Painel, explicou que o estudo científico é também “socioecológico”.

— O relatório fala da agrobiodiversidade que foi gerada também pelo trabalho dessas comunidades e populações. E elas têm toda uma história de perseguição, de exclusão dos seus territórios, de exclusões sociais, por isso eu acho que o relatório foi feliz de resgatar isso — afirmou.

A ideia explicada pelos dois cientistas é que a floresta é o resultado das transformações sustentáveis que os primeiros povos fizeram ao longo do tempo. Quando os europeus chegaram, havia entre 8 a 10 milhões de indígenas, mais de mil etnias.

— Eles transformaram a Amazônia, mantendo a Amazônia. Para se ter uma ideia, existem mais de 400 variedades de mandioca no sudoeste da Bolívia, Peru e Brasil. Isso foi resultado do cultivo das mulheres nos jardins ou quintais indígenas. Essa é uma coisa muito interessante que aprendi na preparação do relatório. O conhecimento indígena está se perdendo — afirmou Nobre.

Na quinta-feira passada eu fiz a mediação de uma mesa do Global Landscapes Forum com autoridades e líderes comunitários do Brasil, Peru, Equador e Colômbia sobre bioeconomia. Uma das palestrantes era a liderança indígena equatoriana Mery Salazar, da comunidade de Kichawa de Puyupungu. Ela disse que o mais urgente agora é preservar a medicina ancestral indígena que pode morrer com as mães e as avós.

Na entrevista com Nobre e Bustamante, eles também falaram da necessidade de proteção desse patrimônio. Mercedes explicou que há uma correlação entre a proteção desse conhecimento milenar e a preservação dos idiomas. Tudo isso, disse ela, torna a ideia de que se possa estabelecer o marco temporal, a data de 5 de outubro de 1988 como o começo de tudo, uma insensatez. Os povos indígenas estão na região há milhares de anos. Outro avanço desse estudo foi unir cientistas da PanAmazônia.


— Temos que olhar a Amazônia como entidade regional. Os problemas são semelhantes, a cadeia de eventos de ilegalidade é a mesma — alertou a professora.

O modelo de bioeconomia para a região tem que ser baseado na biodiversidade, gerar riqueza para as populações locais, avisam. Alertam também que a Amazônia hoje é muito mais suscetível ao fogo e está ficando menos capaz de gerar a umidade que vai chover em outras partes do Brasil, até porque os biomas estão todos interligados. A agricultura perderá a produtividade se esse processo não for detido. “O estudo mostra que 18% da floresta já foi desmatada e 17% foi degradada em diversos estágios”, diz Carlos Nobre.

 

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