EDITORIAIS
Brasil não pode tolerar retrocesso na
vacinação
O Globo
É preocupante a queda nos índices de vacinação das crianças brasileiras,
constatada em reportagem do GLOBO. Em plena pandemia, quando todos ansiamos por
uma vacina que nos proteja do coronavírus, agravou-se a tendência, verificada
desde 2015, de queda nos percentuais de aplicação das vacinas contra
poliomielite, sarampo, caxumba, hepatite, tuberculose e outras previstas no
calendário infantil. O risco é a luta inclemente contra a Covid-19 ser sucedida
por surtos de doenças que há muito deixamos para trás.
É o caso da pólio, tema de campanhas de imunização com o popular personagem Zé Gotinha no passado. O último caso foi registrado no país em 1989. Em 2015, a vacinação contra pólio cobrira 98,3% das crianças de até 1 ano. Em 2020, a cobertura caiu para 73,8% e, de acordo com dados preliminares, neste ano ficará longe da meta necessária para manter a garantia de que a doença estará sob controle, estipulada em 95%. A pólio é uma doença atroz que provoca paralisia nos membros, leva os doentes à dependência de pulmões artificiais ou até à morte.
O temor é que a queda na vacinação possa
trazê-la de volta como já aconteceu com o sarampo, uma doença altamente
contagiosa, mas contra a qual a proteção oferecida pela vacina é extremamente
duradoura e eficaz. Considerado erradicado do país em 2016, voltou a atacar e a
matar com a queda no patamar de vacinados. No ano passado foram registrados
casos em 21 estados. Além da pólio e do sarampo, preocupam doenças como
rubéola, caxumba ou coqueluche — todas evitáveis por meio da vacinação
infantil.
As campanhas antivacinação ganharam espaço
graças à leniência das redes sociais com a desinformação. A parcela da
população resistente às vacinas cresceu no mundo todo com a pandemia e hoje é
um problema em países como França ou Estados Unidos. No Brasil, a propaganda
fraudulenta também prospera, ampliando temores de efeitos adversos. Mas essa
não é a principal causa para a queda nos índices de imunização.
O problema por aqui tem duas causas
essenciais. Primeiro, a degradação da capacidade logística do Programa Nacional
de Imunizações (PNI), resultado de uma gestão absolutamente incapaz na área da
Saúde. Criado em 1973, o PNI se tornou um exemplo internacional de eficiência
na erradicação da varíola, da pólio, da febre amarela nas cidades ou do
sarampo. No governo Bolsonaro, foi esvaziado de sua competência técnica, sua
coordenadora passou a ser investigada pela CPI da Covid e pediu demissão no
final de junho. O PNI se revela hoje incapaz de tomar as decisões mais básicas.
A segunda causa é consequência da primeira: faltam campanhas vigorosas de combate à desinformação e de estímulo para que os pais cumpram o calendário de vacinação. No caso da Covid-19, os veículos de imprensa se uniram numa iniciativa publicitária com artistas e jornalistas para estimular a imunização, enquanto o governo nada fazia. Para as demais doenças, o desafio é fazer a população entender que, embora ainda controladas, elas também podem se transformar em ameaças gravíssimas à saúde pública. Mais que apenas segura e eficaz para as crianças, a vacinação também protege todos os demais contra infecções. O Brasil não pode tolerar tamanho retrocesso.
Protesto na B3 revela incompreensão abissal
do mercado financeiro
O Globo
Um protesto contra o desemprego e a inflação invadiu na última quinta-feira o
edifício da B3, a Bolsa de Valores brasileira, com sede em São Paulo. Havia
faixas e cartazes como “sua ação financia nossa miséria”, “Brasil tem 42 novos
bilionários enquanto 19 milhões passam fome”, “tem gente ficando rica com a
nossa fome”. Uma das líderes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)
declarou ser “inadmissível que quase 100 milhões de brasileiros estejam em
situação de fome e insegurança alimentar enquanto os bilionários movimentam R$
35 bilhões por dia só aqui na Bolsa”. Tal frase — assim como as faixas e o
protesto como um todo — revela a incompreensão abissal que ainda persiste em
vários setores da sociedade sobre o mercado financeiro.
Na mente torta dos manifestantes, quem
investe na Bolsa é bilionário e ganha dinheiro enquanto cresce a miséria. Na
realidade, o número de pessoas físicas investindo na Bolsa cresceu 45,5% nos 12
meses encerrados em junho e chegou a 3,2 milhões. Elas detinham um quarto do
volume negociado, ou R$ 545 bilhões. A média aplicada em ações era, portanto,
pouco mais de R$ 170 mil, o equivalente às economias de uma família de classe
média. Nada mais distante do mundo dos bilionários da fantasia dos manifestantes.
Na atual crise, ao contrário do que eles
imaginam, praticamente todos os investidores têm perdido dinheiro em ações — e
muito dinheiro. Desde o início de junho, o Ibovespa — que acompanha a variação
das ações da B3 — caiu do patamar de 130 mil pontos para pouco acima de 110
mil, o equivalente à perda de R$ 800 bilhões. Das 46 empresas que lançaram
ações neste ano, 24 perderam valor de mercado, segundo um levantamento da
consultoria Economática publicado pelo GLOBO.
O maior equívoco dos manifestantes, porém,
não é ignorar os fatos numéricos, mas a natureza de uma Bolsa de Valores.
Associam o mercado acionário a um movimento de exploração, quando na verdade
ele é o melhor sistema de alocação de recursos já criado pela humanidade. Por
meio das ações, cada um pode apostar naqueles negócios em cujo futuro acredita.
E todos são protegidos pelo dever de transparência das empresas cotadas em
Bolsa perante seus acionistas.
Tanto é assim que, em contraste com o que imaginam os movimentos que protestaram na sede da B3, outros começam a usar o próprio mercado como forma de levantar recursos para suas atividades. O fundador do Grupo Gaia, João Paulo Pacífico, revelou em entrevista ao GLOBO ter feito uma captação de R$ 17,5 milhões para cooperativas ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) usando certificados cotados no mercado. Os mais de 1.500 investidores puderam aplicar a partir de R$ 100 (o valor médio ficou em R$ 9.500). A oferta enfrentou dificuldades e resistências, mas foi, segundo contou Pacífico, um sucesso. A iniciativa demonstra que não há necessariamente incompatibilidade entre o capitalismo e os movimentos sociais — a não ser na ideologia.
A política e a esperança
O Estado de S. Paulo
Não existe motivo para que o País fique refém de forças do atraso. Há muito a fazer para se ter uma candidatura de centro com viabilidade eleitoral
Nota-se na população um sentimento de
ceticismo em relação à política. Os governos petistas e o bolsonarista parecem
ter minado a esperança de um futuro melhor por meio da política. Diante do
histórico recente do País, seria ingenuidade – esta é a impressão amplamente
difundida – nutrir alguma expectativa de dias melhores por meio da política.
Lula e Bolsonaro não apenas contribuíram
para a atual polarização político-ideológica que divide o País. Com seus
respectivos escândalos, negacionismos e incompetências, o lulopetismo e o
bolsonarismo difundiram uma profunda desesperança em relação à política. Nos
tempos atuais, o slogan da campanha eleitoral do humorista Tiririca – “pior que
tá não fica” – soa falso. Parece já não haver limites para o retrocesso
institucional e a degradação cívica.
Para piorar, Lula e Bolsonaro valem-se
dessa desesperança, que eles mesmos difundiram e continuam a difundir, para
alavancar suas bases eleitorais. Não oferecem propostas políticas
transformadoras, aptas a enfrentar com responsabilidade os problemas e entraves
nacionais. A tática é meramente negativa. Cada um vale-se do medo do outro – do
medo de que as coisas piorem ainda mais – na tentativa de angariar algum apoio
da população.
Diante desse círculo vicioso, não seria
exagero chamá-lo de infernal, é preciso lembrar que os efeitos deletérios do
lulopetismo e do bolsonarismo não podem ser atribuídos à política. Lula e
Bolsonaro são, com todo o rigor do termo, a antipolítica. Em vez de conduzirem
à frustração com a política, os fracassos e escândalos dos governos petistas e
bolsonarista são um poderoso alerta sobre a necessidade da política e,
consequentemente, da esperança.
Dito de outra forma, não é que a política
fracassou ao tentar resolver os problemas nacionais. Lula e Bolsonaro nunca
quiseram resolver os problemas nacionais. Suas pretensões sempre se limitaram a
perpetuar-se no poder. É precisamente essa perversão da política que produz a
desesperança.
Também não é verdade que Lula e Bolsonaro
sejam forças políticas imbatíveis, contra as quais não valeria a pena se
insurgir. As eleições de 2020 mostraram uma realidade política bem mais plural
do que o lulopetismo e o bolsonarismo gostariam de admitir. Cinco partidos se
destacaram quanto ao número de prefeitos eleitos: MDB (783), Progressistas
(687), PSD (654), PSDB (521) e DEM (466). O PT e o PSL, a última legenda de
Jair Bolsonaro, elegeram 182 e 90 prefeitos, respectivamente.
Há espaço para a política, como também o há
para a esperança. Não existe nenhum motivo, a não ser o interesse de Lula e de
Bolsonaro, para que o País fique refém dessas forças do atraso. Ainda há muito
a fazer para se ter uma candidatura de centro competente e responsável, com
vigorosa viabilidade eleitoral. Mas as condições já estão dadas. Basta ver os
altos índices de rejeição de Lula e de Bolsonaro.
É gritante que a população prefere ter
outras opções políticas. O eleitor não tem nenhum interesse em ficar refém –
afinal, tal limitação não lhe traz nenhum benefício – dos mesmos nomes e dos
mesmos problemas. Aqui, entra em cena a política. Se Lula e Bolsonaro produzem
desesperança e se valem dela para seus objetivos eleitorais, as lideranças
políticas têm a responsabilidade de realizar a equação inversa, tão própria da
política: a propositura de nomes e programas consistentes, capazes de tornar
visível à população a possibilidade de um futuro diferente, de um futuro
melhor.
Nessa empreitada por dias melhores, deve-se destacar também outro aspecto. Ainda há tempo, mais que suficiente, para a construção de opções políticas responsáveis e viáveis para as eleições presidenciais de 2022. Logicamente, os mercadores da desesperança não têm nenhum interesse em admitir esse fato e ficam repetindo suas asfixiantes disjuntivas. Tentam, assim, negar não apenas a essência da política e da democracia, como o núcleo da esperança e da liberdade: a existência de outros caminhos possíveis.
Educação abaixo do medíocre
O Estado de S. Paulo
Lacuna entre a educação do Brasil e a dos países da OCDE aumentou na pandemia
A um só tempo, a pandemia agravou
disparidades socioeconômicas em todo o mundo e causou a maior ruptura educacional
da história. Era natural que o relatório anual Education at
a Glance, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) fosse dedicado à igualdade de oportunidades. “Igualdade de oportunidades
é um ingrediente-chave para uma sociedade democrática forte e coesa”, disse o
secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann. “Diferentemente de políticas que
podem combater as consequências, a educação pode atacar as raízes da
desigualdade de oportunidades.”
Essas raízes foram aprofundadas na
pandemia. O fechamento das escolas foi maior nos países de menor renda. As
crianças mais pobres tiveram menos acesso a tecnologias digitais. A crise
ressaltou a importância da requalificação contínua dos adultos para torná-los
resilientes a megatendências (como a revolução digital) ou choques externos
(como a pandemia). Ainda assim, na média dos países da OCDE a participação dos
trabalhadores pouco escolarizados em programas de formação é 40% menor em
relação aos mais escolarizados.
“Reforçar investimentos em uma educação
melhor e mais relevante será fundamental para ajudar os países a oferecer
prosperidade social e econômica de longo prazo”, disse Cormann. A admoestação
foi feita a todo o mundo, em especial aos 40 países-membros e parceiros da
OCDE. Mas parece ter sido feita sob medida para o Brasil. Em termos
estruturais, o País é um dos que pior remuneram seus professores, tem recordes
de jovens que nem estudam nem trabalham e algumas das maiores disparidades
entre alunos com diferentes condições socioeconômicas. Na conjuntura da
pandemia, o País bateu o recorde de fechamento de escolas, não aumentou seus
gastos com educação e teve mais dificuldade de empregar os jovens menos
escolarizados.
No programa de avaliação da OCDE (Pisa), o
Brasil está na 57.ª colocação. Ao final do ensino médio, apenas 37% dos alunos
sabem o básico da língua portuguesa e 10% o mínimo de matemática.
O salário dos professores no Brasil é cerca
de metade do valor médio nos países da OCDE. Um professor brasileiro recebe em
geral menos que seus pares na Grécia, Letônia, Colômbia, México, Chile ou Costa
Rica.
Que o problema não é só de investimento,
mas de gestão, fica claro quando se compara a interrupção escolar. No Brasil,
as aulas foram interrompidas por 178 dias em 2020, mais do que o triplo do
tempo dos países da OCDE. Não por coincidência, os países que fecharam as
escolas por mais tempo também são os que têm pior desempenho no Pisa.
O Brasil não investe pouco em educação: o
gasto público com escolas responde por 4% do PIB, enquanto a média da OCDE é
3,2%. Mas isso não justifica a falta de recursos para enfrentar os desafios
excepcionais da pandemia. Cerca de dois terços dos países da OCDE aumentaram
seus gastos para cobrir despesas de adaptação, sobretudo para fornecer mais
suporte digital. Já o governo federal, com um afinco e diligência excepcionais
para o seu padrão de trabalho, fez o que pôde para bloquear um programa do
Congresso para aumentar a conectividade da comunidade escolar. Na educação
básica, o Orçamento federal foi o menor em uma década.
Na média da OCDE, a proporção dos alunos de
baixa renda que atingem o nível básico de leitura é 29% menor do que a dos
alunos ricos. No Brasil essa diferença é de 55%, uma disparidade que
inexoravelmente aumentará no pós-pandemia.
Dois terços dos jovens brasileiros de 18 a
24 anos não estudam, e a taxa dos que nem estudam nem trabalham (35,9%) é o
dobro da média da OCDE. Em todo o mundo, o impacto da pandemia sobre o emprego
foi maior entre os trabalhadores menos escolarizados de 25 a 34 anos, mas no
Brasil o desemprego entre eles também cresceu acima da média da OCDE.
A pandemia impactou a formação dos jovens
no mundo inteiro e aumentou as desigualdades entre eles. No Brasil, contudo, o
que já era ruim ficou muito pior. Para cicatrizar as feridas abertas nesta
geração de jovens brasileiros, o remédio também precisará ser redobrado.
Um Tietê mais limpo
O Estado de S. Paulo
Avanço da despoluição é um alento. Mas ainda restam grandes desafios para a segurança hídrica
Em meio a uma enxurrada de desastres na
área ambiental – o descontrole do desmatamento na Amazônia; a voragem do fogo
no Pantanal; a crise hídrica; o negacionismo do Planalto; e o sucateamento do
Sistema Nacional de Meio Ambiente –, um fio de esperança corre em São Paulo.
Segundo o levantamento Observando
o Tietê da SOS Mata Atlântica, entre setembro de 2020 e agosto
de 2021, a área com qualidade de água ruim no Rio Tietê foi reduzida em 50%. O
avanço confirma uma tendência consistente de melhora nos últimos anos.
Embora ainda não tenha sido verificado
nenhum trecho considerado “ótimo”, também não se verificou nenhum “péssimo”. A
mancha de água “ruim”, imprópria para usos e inadequada para a vida aquática,
ficou restrita a dois trechos – entre o município de Suzano e a capital, e no
município de Porto Feliz – totalizando 85 km ou 17% dos 492 km
monitorados.
Já a área “boa” (124 km) e a “regular” (283
km) cobrem 83%. Toda essa extensão permite usos múltiplos de água para
abastecimento público, irrigação, produção de alimentos, pesca, lazer, turismo,
navegação e geração de energia, além da manutenção de ecossistemas e o resgate
da cultura nos municípios ribeirinhos, cuja história é associada ao rio.
A série histórica de 2010-2020 aponta uma
reversão na degradação do Tietê. Entre 2010 e 2015, a área de água ruim ou
péssima saltou de 36% para 48% e a regular diminuiu. Medidas como o aumento das
ligações de redes coletoras de esgotos e dos volumes de tratamento reverteram
essa trajetória. Entre 2015 e 2020, os trechos de água regular aumentaram de
59% para 66%, e os de água ruim caíram de 44% para 25%. A mancha de água
péssima, que cobria quase 10% do Tietê em 2010, foi reduzida para cerca de 1%
em 2020 e desapareceu em 2021. No mesmo período, a água boa aumentou de 4% para
7%.
A redução consistente da poluição traz
algum alívio para os paulistas, por tantos anos resignados a ver o seu
principal rio em estado terminal. Mas não é hora de relaxar. Ao contrário, essa
evolução deveria energizar o poder público e a sociedade civil para que
mobilizem suas melhores forças no enfrentamento de desafios ainda críticos.
Mesmo com a redução dos trechos ruins,
ainda não há trechos ótimos. Dos 53 pontos de coleta distribuídos no Tietê e em
21 rios afluentes, também não há nenhum ótimo, enquanto 4 foram considerados
péssimos. Três deles estão no Rio Pinheiros, na capital, que se mostra bem
aquém das metas de despoluição.
A melhoria do saneamento e a integralidade
da coleta e tratamento de esgoto doméstico e industrial são as principais
ferramentas de despoluição e devem ser robustecidas. Também é importante
aprimorar o planejamento do uso da terra, o controle da erosão e pôr fim à
poluição dos rios por agrotóxicos, além de investir na proteção e na
restauração das florestas e ecossistemas da bacia do Tietê, que têm o papel de
regularizar a vazão dos rios e protegê-los de sedimentos e poluentes de áreas
urbanas e rurais.
Como alerta a SOS Mata Atlântica, a
legislação ainda tolera uma categoria de água (a Classe 4) que permite que um
rio tenha como única função receber resíduos industriais e agrícolas, servindo
praticamente como um diluidor da poluição, sem condições de manter a vida e
servir a usos coletivos. Isso precisa ser revisto.
A severa estiagem deste ano é um alerta de
que os desafios à segurança hídrica tendem a aumentar. Vale lembrar que 35
milhões de brasileiros não têm acesso à água limpa e mais da metade do esgoto
não é tratada. Nos últimos 20 anos, segundo a ONU, a disponibilidade de água
diminuiu em 20% para cada habitante do planeta. Num futuro previsível as crises
hídricas e os extremos climáticos serão mais frequentes – fatores que, de
resto, sempre podem ser agravados quando as forças do retrocesso ambiental
assumem o poder, como no atual governo federal.
Por essas razões os paulistas devem se manter vigilantes. Mas, até para revigorar as suas forças, também podem tomar alento no fato de que o seu principal rio está, aos poucos, voltando a respirar.
Recessão partidária
Folha de S. Paulo
Senado assegura proibição de coligações
para eleger deputados e evita retrocesso
Apesar das ameaças de retrocesso aprovadas
de afogadilho na Câmara dos Deputados, o Senado assegurou a continuidade do
processo que deverá paulatinamente reduzir a quantidade absurda e disfuncional
de partidos políticos no Brasil.
A câmara alta derrubou
o dispositivo que permitia a volta das coligações partidárias em
eleições de vereadores e deputados. Essas associações haviam sido proibidas de
ocorrer pela reforma de 2017. A nova regra funcionou pela primeira vez no
pleito municipal de 2020 e, graças à intervenção dos senadores, estreará em
escrutínios estaduais e federais no ano que vem.
Por meio das coligações, siglas nanicas e
de aluguel obtinham assentos nas câmaras legislativas parasitando agremiações
maiores. A partir de 2022, a legenda que não conseguir acumular por conta
própria o número mínimo de votos para conquistar uma vaga correrá alto risco de
ficar sem representação.
Além da obrigatoriedade de concorrer
sozinhas nas disputas proporcionais, as agremiações no ano que vem estarão
sujeitas a uma cláusula de desempenho mais exigente para acessarem o generoso
financiamento público e também a propaganda gratuita em rádio e TV.
Estarão privados dessas vantagens os
partidos que não obtiverem ao menos 2% do total nacional de votos válidos para
a Câmara dos Deputados. Essa votação terá de ser distribuída em ao menos nove
unidades federativas, com no mínimo 1% dos escrutínios em cada uma delas. Passa
no requisito também a sigla que eleger 11 deputados federais, distribuídos em
pelo menos 9 unidades da Federação.
Asfixiadas pela falta de financiamento e
visibilidade, e pouco capazes de obter vagas com as próprias pernas,
agremiações menores tenderão a desaparecer ou ser absorvidas. Após alguns
ciclos —a cláusula de desempenho continuará se elevando a cada pleito nesta
década—, não será surpresa se restarem menos de 10 partidos na Câmara dos
Deputados. Hoje há 24.
Provavelmente com essa perspectiva no
horizonte, lideranças
do DEM e do PSL articulam uma fusão entre as legendas. As duas
agremiações somadas congregam 81 deputados federais (16% da Casa), contra 53 do
PT, o segundo maior partido. Movimentaram juntas R$ 320 milhões em fundos
públicos de campanha em 2020, contra R$ 201 milhões dos petistas.
A despeito do que aconteça nessa negociação
entre siglas à direita, parece inequívoco que o estímulo das regras eleitorais,
se mantidas, doravante será o da aglutinação.
O processo prova a eficácia da abordagem
gradualista, antítese do que a Câmara e seu presidente tentam impingir ao país
nas últimas semanas. Felizmente têm sido contrariados pelos senadores.
Reforma a esmo
Folha de S. Paulo
PEC que deveria aperfeiçoar serviço público
avança na Câmara com texto tortuoso
Aprovada
em comissão especial da Câmara dos Deputados, a proposta de emenda
constitucional que trata da reforma administrativa entra para a coleção de
textos ruins que avançam com notável facilidade desde a chegada de Arthur Lira
(PP-AL) ao comando da Casa.
O desleixo legislativo já ficara evidente
na açodada votação da reforma do Imposto de Renda, cheia de concessões para
agradar a grupos de interesse. Agora, em vez de buscar maior eficiência do
Estado, o que se vê é a manutenção de privilégios injustificáveis.
Uma grande falha do relatório é
levar à Constituição temas que deveriam ser tratados em legislação inferior,
como a definição de carreiras de Estado e as rotinas de avaliação de
servidores. Ademais, categorias poderosas, notadamente as ligadas à segurança
pública, conseguiram tratamento especial.
A proposta também peca por valer apenas
para novos servidores. Para os atuais, ficam preservados várias prerrogativas,
como a possibilidade de progressão automática de carreira por tempo de serviço.
Escapa a qualquer racionalidade que o
funcionário deva ter o direito adquirido de ser promovido periodicamente pelo
simples fato de já estar empregado.
Há algumas mudanças importantes, como a
possibilidade de corte de remuneração em até 25%, com redução proporcional da
jornada, no caso de crise fiscal, entendida como o estouro dos limites de gasto
com pessoal estipulados na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Tal previsão já constava da lei, mas foi
declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. A PEC sanaria a inconsistência
apontada pela corte, mas também apenas para novos entrantes.
Em mais uma injustiça, a proposta não
abarca setores que concentram as maiores distorções. É difícil crer que o
Judiciário e o Ministério Público serão incorporados mais adiante, o que
compromete a equidade das alterações.
Quanto às regras de avaliação, já há
previsão de regulamentação em lei. Normativos podem dar conta da tarefa, desde
que haja disposição real. Cristalizá-las na Constituição pode se mostrar
contraproducente e dificultar ainda mais a boa gestão do serviço público.
Em suma, apesar de alguns acertos, a PEC não atende aos objetivos de reforma do Estado e, pior, tende a tornar mais prolixo e confuso o texto constitucional. Apenas ajustes pontuais, infelizmente, não bastarão para torná-la virtuosa.
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