Folha de S. Paulo
Inflação da comida no Brasil é vice-campeã
na América Latina; dólar é aberração mundial
A
inflação da comida no Brasil perde apenas para a carestia da
Argentina, entre as doze maiores economias da América Latina —não faz sentido
comparar a situação brasileira com a de países-ilha ou muito diminutos. A
inflação em geral também é a segunda maior da região.
Além disso, desde a epidemia foi a que
acelerou mais nesse universo latino-americano.A Argentina é “hors concours” em
matéria de inflação, com uma taxa de mais de 50% nos doze meses até julho, dado
mais recente da Comissão Econômica para a América Latina da ONU, a Cepal.
De resto, a inflação argentina de alimentos e bebidas foi parecida com a da média, de uns 54%. No Brasil, a carestia da comida é quase 50% maior que a inflação geral, média. Enfim, a inflação é um modo de vida ou de sobrevivência do governo argentino.
Sem a excepcional Argentina, o Brasil é
líder.Temos outras extravagâncias, que talvez ajudem a explicar parte dessa
liderança lúgubre.
Entre as moedas de 38 países habitualmente
acompanhadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o real foi a que mais
perdeu valor em relação ao dólar, na comparação da média de setembro deste 2021
com a de fevereiro de 2020, o mês que antecedeu a explosão da epidemia de
Covid. É fácil perceber que o real desvalorizado, o
“dólar caro”, é um fator importante da alta de preços.
Não é tão simples explicar a aberração da
taxa de câmbio brasileira. Alguns economistas dirão que a dívida do governo
excepcionalmente alta e crescente é um motivo. O aumento do déficit público em
2020, também foi extraordinário e pesaria na nossa conta.
Além do mais, dirá com mais ênfase outra
corrente de economistas, o mercado financeiro brasileiro, o de câmbio em
especial, um dos maiores do mundo dito emergente, é extremamente sensível a
sacolejos e especulações da finança mundial. Uma economia instável, de
crescimento entre volátil e nenhum, também não ajuda. Enfim, tivemos uma
sucessão de governos incompetentes, culminando na ruína perversa de Jair
Bolsonaro.
No ano de explosão da pandemia, 2020, entre
79 países “emergentes”, de renda média e baixa, a alta do déficit primário no
Brasil foi a 5ª maior, atrás de três países petrolíferos e da Croácia (segundo
dados do Monitor Fiscal do FMI). Déficit primário: o governo gastou mais do que
arrecadou, desconsideradas as despesas com juros. O Brasil já estava no
vermelho e fez um déficit ainda maior em 2020, pois gastou mais em saúde,
auxílios e em apoio a estados e municípios.
Em termos proporcionais, a dívida do governo
brasileiro não está entre as que mais aumentaram em 2020 (a dívida como
proporção do PIB). Mas temos uma das maiores dívidas da América Latina. Afora
alguns países-ilha, perdemos
apenas para a Venezuela e para a Argentina.
No entanto, no curto prazo ao menos, o
gasto extra e grande parece ter contribuído para evitar recessão ainda maior em
2020, embora o tamanho do efeito colateral desse remédio seja motivo de
discussão amarga entre economistas. No ano passado, o PIB do Brasil foi dos que
menos decresceu na América Latina inteira (33 países), ficando em 6º lugar,
ainda assim com uma recessão horrenda de 4,1%. Afora países muito diminutos, apenas
o Paraguai se saiu melhor.
O resumo dessa ópera trágica é que o Brasil é aberrante, não apenas agora. A perda de renda per capita entre 2013 e 2017 foi excepcional na comparação com o mundo quase inteiro, por exemplo. O PIB (renda) per capita será inferior ao de 2013 pelo menos até 2023, muito provavelmente até 2025. Nunca, pelo menos na República, fomos tamanha extravagância desastrosa.
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