Valor Econômico
Em Alagoas, 99% das mortes violentas em
2019 foram de negros
Será que, se fosse um branco andando e
mexendo na mochila, tinham atirado no meu irmão três vezes?” Foi dessa forma
que Fabiana Teófilo reagiu ao assassinato de seu irmão Durval Teófilo Filho, no
dia 2 deste mês, em São Gonçalo (RJ), uma das cidades mais violentas do país.
Durval tinha 38 anos, era casado e pai de uma menina de seis anos, Letícia, que
tinha o hábito de esperar o pai retornar do trabalho.
Antes de trabalhar como repositor de supermercado _ o profissional que reabastece as prateleiras, à medida que estas vão sendo esvaziadas _, Durval foi letrista em plataformas da Petrobras. O pintor letrista é responsável por escrever sinalizações para orientar, por exemplo, a aproximação de barcos e helicópteros às plataformas.
Na noite fatídica, ao chegar perto do
portão de entrada de seu condomínio no Colubandê, em São Gonçalo, Durval parou
para buscar a chave do portão dentro da mochila. Naquele momento, foi alvejado
por três tiros disparados por Aurélio Alves Bezerra, sargento da Marinha. Ele
atirou de dentro de seu carro, sob a alegação de que temia ser assaltado. O
militar era vizinho da vítima no condomínio.
“É mais um preto morto, e vai ficar por isso
mesmo?”, questionou, indignada, Fabiana, a irmã de Teófilo. “Já passei por isso
diversas vezes. [A morte de] meu pai foi assim, já tive primos que foi assim,
mas, agora, de novo? Agora, não! Vou atrás de onde tiver que ir, entendeu? A
justiça tem que ser feita.”
Durval se mudou com a família para o
Colubandê, justamente para fugir da comunidade do Capote, um exemplo da
violência em forma de guerra-civil que assola os grandes centros urbanos deste
país há décadas. E a intensidade está aumentando.
Os dados oficiais de mortes violentas
mostram queda no número de casos, segundo o Atlas da Violência. O problema é
que a qualidade e, portanto, a credibilidade das informações, repassadas pelas
secretarias estaduais de segurança pública, são hoje discutíveis, uma vez que o
número de cidadãos mortos de forma violenta, mas sem causa determinada, tem
crescido de maneira exponencial. Como essa estatística não entra no cômputo
geral de assassinatos, criou-se a falsa impressão de que a violência está
diminuindo. Em alguns Estados, o número de casos que não entram na estatística
é superior ao de registro de mortes violentas com causa determinada, o que nos
remete à famosa frase de Hamlet: “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.
No fundo, do jeito que estão, as
estatísticas sobre violêdncia mascaram a verdadeira dimensão da tragédia que
nos leva a concluir que, no Brasil, viver não é preciso. “Vendo as câmeras,
ouvindo a fala do delegado e pelo que os vizinhos estão falando, tenho certeza
de que isso aconteceu porque ele é preto. Mesmo eles falando que ele era
morador do condomínio, o vizinho não quis saber. Para mim, foi racismo sim”,
disse Luziane, a viúva de Durval.
Ora, Durval morreu porque era negro. Quando
um negro é visto nas ruas de São Paulo, por exemplo, a primeira reação dos
viventes, principalmente, dos que estão devidamente acomodados dentro de seus
automóveis, com as janelas e portas travadas, e com o ar condicionado ligado
porque ninguém suporta o calor que faz aqui nos trópicos, é achar que se trata
de um assaltante. Isso está impregnado no imaginário coletivo de uma sociedade
racista desde a sua fundação.
Durval agora é parte de uma estatística
macabra que, de tão comum, integra a paisagem de nossa sociedade. Em 2019
(último dado disponmível), e nos anos anteriores, do total de brasileiros que,
ao longo daquele ano, saíram de casa para morrer, 77% eram negros. No gráfico,
a proporção por Estado. Em Alagoas, apenas 1% dos cidadãos que sucumbiram, vítimas
de morte violenta em 2019, não eram negros.
“Pelo menos desde a década de 1980, quando
as taxas de homicídios começam a crescer no país, vê-se também crescer os
homicídios entre a população negra, especialmente na sua parcela mais jovem.
Embora o caráter racial da violência letal tenha demorado a ter presença
constante nos estudos mais gerais da violência, as organizações que compõem o
movimento negro há décadas tematizam essa questão, nomeando-as de diferentes
modos, conforme apontado por Ramos (2021): discriminação racial (1978-1988),
violência racial (1989-2006) e genocídio negro (2007-2018). Nesse sentido, a
desigualdade racial se perpetua nos indicadores sociais da violência ao longo
do tempo e parece não dar sinais de melhora, mesmo quando os números mais
gerais melhoram”, diz o último Atlas de Violência.
*Cristiano Romero é diretor-adjunto de redação
Um comentário:
O Atlas da Violência não é confiável,simples assim.
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