EDITORIAIS
Leilão do Santos Dumont ainda precisa de
ajustes
O Globo
É positiva a decisão do Ministério da
Infraestrutura de leiloar o Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio,
isoladamente, e não mais em bloco com Jacarepaguá (na Zona Oeste do Rio),
Montes Claros, Uberaba e Uberlândia (em Minas Gerais), como previa a sétima
rodada de leilões do governo federal. A mudança é resultado do grupo de
trabalho criado para analisar o modelo de concessão, após críticas do governo
fluminense e da prefeitura carioca às regras do edital aprovado pela Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac) no fim do ano passado.
No entanto permanece sem solução o principal problema do edital: o risco de esvaziamento do Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim/Galeão. A proposta de turbinar o Santos Dumont para torná-lo mais atraente ao mercado embute a ideia de aumentar o número de voos, ampliar as instalações e até autorizar rotas internacionais. É um absurdo, levando em conta as características técnicas, a história e a vocação desse aeroporto como origem e destino de voos curtos.
Não há dúvida de que a concessão do Santos
Dumont à iniciativa privada trará benefícios. Mas ela não pode ser vista como
algo isolado. Como noutras cidades em situação semelhante, Santos Dumont e Tom
Jobim/Galeão precisam funcionar de forma complementar, cada um com suas vocações
estabelecidas. O Santos Dumont, como todos sabem, é um terminal doméstico, com
número limitado de voos. Qualquer desequilíbrio porá em risco o aeroporto
internacional, com consequências desastrosas para a economia do estado e da
cidade, porta de entrada de turistas estrangeiros no país.
Não se pode ignorar que a operação no
Santos Dumont tem reflexo inexorável na vida da cidade, não só em virtude do
ruído — o aeroporto fica próximo do Centro e da Zona Sul —, mas também de
trânsito. Qualquer aumento no número de voos precisa ser analisado sob a ótica
do impacto de vizinhança. Da mesma forma, a ampliação das instalações, às
margens da já maltratada Baía de Guanabara, teria de passar pelo crivo dos
órgãos ambientais do estado e do município. Não basta resolver com uma
canetada.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD),
deixou claro que pretende levar a questão à Justiça se as demandas da cidade
não forem atendidas. Em entrevista ao GLOBO, disse que, se não houver garantia
de restrição de voos no Santos Dumont, a prefeitura manterá uma representação
no Tribunal de Contas da União (TCU), que analisa a concessão. “Se não tiver um
edital que proteja os interesses do Rio de Janeiro, (…) a vida deles não vai
ser fácil com a prefeitura do Rio”, afirmou.
É preciso reconhecer que o governo federal
não está tão irredutível como antes. Errou ao pensar que poderia fazer a
concessão do Santos Dumont sem levar em conta as demandas legítimas do governo
fluminense e da prefeitura carioca. Prova disso é que criou um grupo de
trabalho para rever o modelo, desistiu de oferecer o Santos Dumont com outros
terminais e concordou em dar assento à prefeitura nas discussões. Uma proposta
em discussão é passar a concessão ao estado, para que leiloe o aeroporto.
Poderia ser uma solução sensata. Qualquer que seja o caminho adotado, será
preciso avançar para resolver o principal: restringir o número de voos no
terminal doméstico. Para o Rio, tão importante quanto levantar o Santos Dumont,
é impedir a derrubada do Tom Jobim/Galeão.
Irregularidades no Auxílio Emergencial
revelam falta de controle do governo
O Globo
Um relatório da Controladoria-Geral da
União (CGU) que aponta irregularidades no pagamento do Auxílio Emergencial em
2020 expõe de forma contundente o descontrole nos benefícios, a despeito da boa
intenção de socorrer milhões de brasileiros afastados do mercado de trabalho
durante a pandemia. De acordo com a auditoria da CGU, o governo pagou
indevidamente R$ 809 milhões a 1.819.284 cidadãos que não tinham direito à
ajuda. A análise diz respeito à segunda fase do programa, entre setembro de
dezembro de 2020, com parcelas de R$ 300 mensais.
O valor pago irregularmente corresponde a
3,2% do total desembolsado. Não é tão pouco quanto parece. Primeiro, porque o
número de cidadãos que avançaram indevidamente sobre o dinheiro público é
significativo (supera a população de capitais como Florianópolis, Porto Alegre,
Belém ou Recife). Segundo, porque o descalabro comprova a inépcia do governo
para identificar os brasileiros que realmente teriam direito ao benefício.
A CGU descobriu que havia entre os
beneficiados 15.571 mortos, 32.282 detentos em regime fechado, 16.680
residentes no exterior, 821.991 trabalhadores com vínculo formal, 160.662 que
já recebiam simultaneamente outros benefícios, 239.773 com renda familiar
incompatível com as regras do programa, 442.175 que já eram contemplados com o
Bolsa Família (atual Auxílio Brasil) e 75.635 que sacaram mais parcelas que o
previsto. Dos R$ 809 milhões que se esvaíram, apenas R$ 44,4 milhões (pouco
mais de 5%) foram recuperados, via devolução de valores ou estorno de parcelas
não sacadas. Há, portanto, R$ 764,5 milhões “pendurados” na conta do governo.
Os auditores afirmam que os pagamentos
indevidos demonstram “possível insuficiência das providências adotadas pelo
Ministério da Cidadania para a adequada identificação dos beneficiários do
auxílio emergencial”. Recomendam ao governo corrigir inconsistências
cadastrais, confirmar informações, fazer ajustes na base de dados e adotar
validações adicionais para confirmar a elegibilidade do beneficiário.
Não há dúvida da importância do Auxílio
Emergencial, especialmente no primeiro ano da pandemia, quando as atividades
econômicas foram paralisadas ou fortemente impactadas. A ajuda financeira foi
adotada em vários países e, no caso brasileiro, funcionou para deter o avanço
da pobreza e da miséria.
Mas boas intenções não bastam. É lamentável
que cidadãos tenham embolsado recursos públicos indevidamente, enquanto outros
aptos a receber o benefício foram deixados à míngua. São fartos os relatos de
famílias que passaram fome ou só conseguiram comer graças a doações. A
auditoria torna evidentes as falhas dos cadastros oficiais e dos mecanismos
adotados pelo governo para controlar o pagamento desses benefícios. Não deveria
ser tão difícil checar dados óbvios, como se alguém está vivo, preso ou tem
emprego formal. Os vários órgãos do governo nem sequer se comunicam. A
auditoria da CGU deve servir de alerta aos demais programas assistenciais.
Um passo de cada vez
Folha de S. Paulo
Fusão de PSL e DEM é primeiro resultado
relevante da reforma política de 2017
A fusão do PSL com o DEM, aprovada
nesta terça-feira (8) pelo Tribunal Superior Eleitoral, surge como primeiro
resultado concreto e relevante da reforma aprovada em 2017, cujo vetor
principal é a redução do número absurdo de partidos na fauna política
brasileira.
A partir de agora, as duas siglas se
encontram na recém-nascida União Brasil e desfrutam de vantagens inalcançáveis
para cada uma delas caso continuassem em voo solo.
De saída, terão à disposição R$ 780 milhões
do fundo eleitoral, montanha de fazer inveja a qualquer partido em busca de
votos.
Além disso, a bancada da União Brasil
aparece como a quarta maior do Senado e, com folga, a primeira força da Câmara.
Conta por ora com 81 deputados, contra 53 do segundo colocado, o PT.
Essa diferença, porém, não deve durar
muito. Estima-se que de 20 a 30 deputados outrora no PSL deixarão
a nova agremiação rumo ao PL, sigla que acolheu o presidente Jair
Bolsonaro. De certa forma, portanto, a União Brasil nasce sob a sombra da
desunião.
Ironia à parte, a própria debandada
anunciada ajuda a explicar o ímpeto dos líderes do PSL e do DEM. Eles
decerto perceberam que, sem a fusão, seus partidos se tornariam tão
pequenos que, cedo ou tarde, teriam dificuldades de vencer a cláusula de
desempenho.
Implantada
pela reforma de 2017, a regra estabelece certas condições para as legendas
acessarem o pródigo financiamento público e a propaganda no rádio e na TV.
Neste ano, será preciso obter 2% dos votos nacionais para a Câmara ou eleger 11
deputados federais, com alguma distribuição regional.
O sentido do dispositivo é claro: siglas
sem relevância mínima devem desaparecer. Por trás desse mandamento está a
constatação de que a fragmentação partidária excessiva torna o Parlamento
disfuncional, criando barreiras desnecessárias ao processo legislativo.
Nada justifica a presença de 24
representações na Câmara, como ocorre hoje em dia. A existência de tantas
agremiações se explica não pela diversidade de ideias a serem defendidas —estas
podem se abrigar em correntes dentro dos partidos—, mas pela generosidade das
normas que autorizavam a distribuição de recursos públicos.
É claro que as novas regras não produzirão
todos os efeitos de uma hora para a outra. A União Brasil, por exemplo, ainda
não sabe dizer muito bem a que veio, e a quantidade de partidos resistirá em
patamar elevado por vários anos.
Não faz mal. O gradualismo é mesmo o melhor
caminho para a reforma política. Aos poucos haverá convergência para um número
adequado de agremiações —e, se não for pedir demais, elas se organizarão em
torno de plataformas programáticas, e não do puro instinto de sobrevivência.
Ainda incipiente
Folha de S. Paulo
Convém de fato obter mais dados para
avaliar a necessidade de 4ª dose de vacina
Uma das muitas coisas de que o governo Jair
Bolsonaro (PL) nos privou foi a possibilidade de confiar nas orientações
técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde.
Nos últimos tempos, a pasta, que deveria
ser um polo de divulgação de boa informação científica, mostrou-se mais de uma
vez fonte de fake news —chegou a escrever há pouco numa nota técnica que a
hidroxicloroquina era efetiva no manejo da Covid-19, e a vacina não.
Mas o ministério conta com um corpo
qualificado de servidores e consultores, que, a despeito das lambanças da
cúpula, continuam a produzir documentos de qualidade e relevância. É o caso do
texto recém-divulgado que concluiu não
haver ainda dados que permitam recomendar a todos uma quarta dose de imunizante.
Por ora, apenas imunossuprimidos recebem o
reforço adicional. A dúvida sobre estender a medida ao restante da população
não assola apenas as autoridades brasileiras, mas as de todo o mundo.
Até aqui, apenas Israel começou a ministrar
a quarta dose de forma mais disseminada. Nesta quarta (9), o governador João
Doria (PSDB) afirmou
que pretende fazê-lo em São Paulo, sem fixar data.
No país do Oriente Médio, os resultados,
ainda preliminares, mostram um aumento de duas vezes na proteção contra
infecções e de três contra quadros graves. É preciso, entretanto, considerar
que se trata de uma população pequena e vacinada muito rapidamente.
Já se contam alguns meses desde que os
idosos israelenses receberam sua terceira dose, e é até certo ponto esperado
que sua imunidade comece a decair. Ademais, Israel usou quase exclusivamente
vacinas de RNA (Pfizer e Moderna), enquanto nós nos servimos de uma combinação
bem mais variada.
O efeito de uma quarta dose depende não
apenas dos fármacos utilizados mas também do nível de circulação do vírus. Quem
teve a doença e foi vacinado está mais protegido do que quem só passou por uma
das experiências.
É bastante provável que populações mais
vulneráveis, como idosos e portadores de comorbidades, ainda precisem receber
reforços, mas o nível de evidência à nossa disposição ainda não é suficiente.
Será preciso atenção às taxas de
hospitalização e óbitos dos diferentes recortes demográficos. Daí surgirão os
sinais mais confiáveis para uma tomada de decisão.
‘Está entendendo como funciona?’
O Estado de S. Paulo.
Líder do governo na Câmara escancara o que
todos já intuem: o País não tem presidente, pois as vontades de Bolsonaro não
têm qualquer valor
O líder do governo na Câmara, Ricardo
Barros (PP-PR), deu uma explicação muito didática sobre o posicionamento da
gestão de Jair Bolsonaro a respeito da desoneração de combustíveis e que vale
para praticamente qualquer assunto que é debatido no Legislativo: “O governo
não tomou nenhuma iniciativa para mandar nenhuma Proposta de Emenda à
Constituição (para desonerar combustíveis). É o presidente Bolsonaro que diz
querer zerar os tributos dos combustíveis. O presidente Bolsonaro é contra a
vacina, e o governo dá vacina para todo mundo, está entendendo como funciona?”.
Sim, deputado, o País já entendeu
perfeitamente bem como funciona: Bolsonaro, eleito com 55 milhões de votos, é
um presidente decorativo, cujas determinações são ignoradas por seu próprio
governo e por seus aliados no Congresso. A bem da verdade, é uma sorte danada
que as sandices de Bolsonaro não sejam levadas a sério nem na Esplanada dos
Ministérios, mas a esdrúxula situação mostra a que ponto o presidente
esculhamba o cargo que ocupa.
Alvo de críticas na mais recente ata do
Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), as propostas de
isenção de tributos sobre combustíveis da Câmara e do Senado são tão
irresponsáveis quanto irreais. Qualquer presidente sensato não cogitaria abrir
mão de uma arrecadação estimada em até R$ 100 bilhões em troca de uma incerta
redução de centavos no preço final ao consumidor. De quebra, como destacou o
Copom, as medidas podem acelerar a já pressionada inflação, desvalorizar ainda
mais o real ante o dólar e exigir a continuidade do ciclo de aperto na taxa
básica de juros.
Depois de três anos, esperar sensatez de
Bolsonaro é ingenuidade, mas as explicações de Ricardo Barros jogam luz no
cenário político: o que Bolsonaro diz não tem valor, e o apoio do senador
Flávio Bolsonaro, filho do presidente, a uma das propostas de desoneração,
contrariando o Ministério da Economia, só confirma o divórcio entre o
presidente e seu próprio governo. “Bolsonaro disse que quer zerar impostos dos
combustíveis, certo? Como o governo não escreve o texto para isso, porque é
contra, quem deveria escrever o texto? A Economia, mas a Economia é contra, não
quer escrever o texto, e aí o Parlamento está tomando uma iniciativa”, afirmou
Ricardo Barros.
É aqui que o líder do governo escancara o
fato de que nem a opinião do ministro da Economia, Paulo Guedes, que assentiu
com o desmonte constitucional das regras fiscais, precisa ser levada em conta.
Em certo ponto, Barros até tem razão, dado que o supostamente liberal Paulo
Guedes já se mostrou favorável a subsidiar o diesel e a indústria, com a
redução linear das alíquotas do IPI. Diante de uma administração que se recusa
a governar e que não sabe o que quer, o País assiste ao triunfo de um
parlamentarismo de ocasião e precisa contar com a responsabilidade de uns
poucos heróis que restaram. Salvo esparsas iniciativas vindas de outras áreas
do Executivo, o Centrão reina sozinho.
Se Ricardo Barros foi quem melhor traduziu
o valor de face do pensamento bolsonarista e a resposta do Legislativo a essas
sandices, coube aos especialistas do Fundo Verde definir o trabalho do
Ministério da Economia. O fundo, que apresenta retornos consistentes desde sua
criação, classificou a proposta de eliminar os impostos sobre os combustíveis
como “um desvario completo”, algo “que não resiste a um minuto de considerações
sobre sua qualidade ou conveniência”. “O governo Bolsonaro chega ao fim de
maneira praticamente indistinguível do governo Dilma do ponto de vista
econômico, bem como o ministro da Economia converge para o ministro da Fazenda
que gerou o maior desastre econômico de que se tem registro”, diz o relatório.
“Quem poderia imaginar que o governo eleito em 2018 acusando o governo petista
de instaurar o comunismo e implementar políticas econômicas totalmente
equivocadas iria começar o último ano de seu mandato recorrendo às piores
práticas do governo petista?” Como diz o título da análise, trata-se da mais
perfeita representação de “terraplanismo econômico”.
O Brasil no último pelotão dos latinos
O Estado de S. Paulo
A economia regional perde impulso, segundo
o Fundo Monetário Internacional, e o Brasil se destaca por seu baixo potencial
de crescimento
Superado com vigor o primeiro impacto da
pandemia, a economia latino-americana perde impulso, volta ao ritmo anterior ao
surto de covid-19 e se defronta com três desafios simultâneos: garantir contas
públicas sustentáveis, elevar o potencial de crescimento econômico e promover
importantes ganhos sociais, favorecendo a coesão e combatendo as desigualdades.
Formulados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o diagnóstico e a receita
são dificilmente contestáveis por qualquer político responsável, informado e
disposto a trabalhar pelo desenvolvimento de seu país e da região. Nesse
quadro, as perspectivas de expansão do Brasil são inferiores, sem surpresa, às
de outras grandes economias da América Latina e do Caribe – uma desvantagem
visível já no período petista e mantida, e até agravada, nos três anos de
mandato já completados pela presente administração.
A forte reação econômica foi suficiente, no
ano passado, para a maior parte da região voltar aos níveis de atividade
anteriores à pandemia, normais para os latino-americanos e geralmente
inferiores aos de outros emergentes, principalmente da Ásia. O Produto Interno
Bruto (PIB) da América Latina e do Caribe encolheu 6,9% em 2020, cresceu 6,8%
em 2021 e deve expandir-se 2,4% neste ano e 2,6% no próximo, segundo informe do
Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, desde janeiro chefiado pelo
brasileiro Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central do Brasil. Na América
do Sul, o PIB deve aumentar 1,8% em 2022 e 2,2% em 2023. O ganho estimado para
2021, de 7,1%, compensou com folga a perda de 6,5% na onda inicial da pandemia.
Nessas contas, a economia brasileira se distingue duplamente das demais.
A primeira diferença aparece no balanço de
2020. Nesse ano o PIB do Brasil diminuiu 3,9%, num recuo bem menor que o
observado em outros países da América Latina e de grande parte do mundo
capitalista – uma vantagem proclamada mais de uma vez pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes. A segunda, bem visível quando se volta ao cenário mais
comum, confirma o menor vigor da economia brasileira, já evidente em anos
anteriores ao choque inicial da pandemia.
O crescimento projetado para o Brasil – de
0,3% em 2022 e de 1,6% em 2023 – é bem inferior ao estimado para outras
economias da região. Exemplo: depois de uma perda de 5,9% em 2020, a produção
chilena cresceu 12% em 2021 e deve aumentar 1,9% neste ano e também no próximo.
As taxas estimadas para a Colômbia são de 4,5% em 2022 e de 3,7% em 2023. O
salto do ano passado, de 10,2%, superou amplamente a queda de 2020, estimada em
6,8%.
Houve avanços inegáveis na maior parte da
América Latina, no último quarto de século. As economias ficaram menos frágeis,
houve menos crises graves e os países tornaram-se menos dependentes do socorro
do FMI. Acordos de financiamento ainda foram assinados, mas em situações menos
dramáticas e acompanhados de condições mais suaves.
No Brasil, o cenário favorável durou cerca
de dez anos, neste século. Os padrões de governo começaram a ser afrouxados no
segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e entraram em colapso
nos primeiros anos da presidente Dilma Rousseff. Muitos bilhões foram queimados
em políticas erradas, como a dos “campeões nacionais”, enquanto se deteriorava
a infraestrutura, a ineficiência era favorecida pelo protecionismo, a Petrobras
era pilhada e a indústria de transformação perdia competitividade e relevância.
A recuperação econômica nunca se completou, depois da recessão de 2015-2016, e
as noções de planos e programas federais praticamente sumiram a partir de 2019.
O Brasil tem recuado duplamente – em
relação à própria história de modernização econômica e em relação aos padrões
mundiais e regionais. Embora menos industrializados, outros países
latino-americanos têm mostrado dinamismo bem maior que o brasileiro, condições
fiscais mais saudáveis e menor propensão a surtos inflacionários. As novas
projeções do FMI confirmam a evidente desvantagem brasileira, mas quem, no
Ministério da Economia, ainda leva a sério o FMI?
Negociações ainda detêm Putin na fronteira
da Ucrânia
Valor Econômico
Obter um status independente garantido para
a Ucrânia exigirá esforço diplomático de grande porte
O presidente russo Vladimir Putin viu uma
oportunidade de tentar expandir seus tentáculos na vizinhança e criar um escudo
de proteção para a Rússia nas divisões e rusgas entre os aliados ocidentais,
Estados Unidos e União Europeia, e na perda de prestígio da política externa
americana após a caótica retirada do Afeganistão. O pretexto usado para colocar
106 mil soldados ao longo da fronteira ucraniana, que não é novo, veio do
pedido do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para que a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan) acelerasse os trâmites de adesão de seu país.
A escalada russa abriu possibilidade de ações que não se veem desde a Guerra
Fria: tanques russos invadindo um país vizinho e a criação de “esferas de
influência” para a Rússia, hoje uma pálida cópia decadente da antiga e poderosa
União Soviética.
A Rússia não é mais uma potência econômica,
mas conserva-se como uma potência militar temível por dispor do enorme arsenal
nuclear da era stalinista. Putin, ex-membro da KGB, manteve seus métodos de
pensamento e conduta do passado. Os EUA e seus aliados são inimigos sempre
dispostos a tramar sua derrubada e os adversários do Kremlin merecem ser
esmagados. O despotismo de Putin dura 22 anos, mais do que o de Stálin e pode
se estender por mais tempo.
A tentativa de reviver o império da URSS é
ciclotímica e depende em parte da situação política doméstica e das lealdades
de seus vizinhos. Em 2008 Putin investiu contra a Georgia, em 2014 anexou a
Crimeia e hoje ampara os separatistas de Donbas na Ucrânia, um país que
considera sem nacionalidade própria, e sua independência da Rússia, uma
anomalia histórica.
A Ucrânia virou preocupação para Putin após
protestos de massa desalojarem seu aliado, o presidente Petro Poroshenko,
substituído pelo comediante Zelensky, que busca adesão à Otan como proteção ao
expansionismo russo.
Putin manteve ótimas relações com o
presidente americano Donald Trump e a espionagem russa prestou serviços
eleitorais a Trump na campanha em que venceu Hillary Clinton. Não seria
surpresa se a Rússia estivesse por trás das acusações de um promotor ucraniano
contra o grupo Burisma, de gás natural, de cuja direção participava Hunter
Biden, filho de Joe Biden, então candidato. Trump chantageou Zelensky para
investigar o assunto, mas o episódio só serviu para aumentar a lista de
ilegalidades que baseou processo de impeachment contra ele.
Putin tem aliados firmes em Belarús,
vizinho da Ucrânia, onde faz exercícios com 30 mil soldados, e no Cazaquistão.
Em dezembro, exigiu que a Otan não considerasse o pedido de adesão da Ucrânia,
e, em seguida mobilizou tropas na fronteira do país. EUA e União Europeia,
estremecidos por ações unilaterais de Biden para conter a China na Ásia, buscam
uma linguagem comum para deter Putin. As sanções adotadas quando a Crimeia foi
invadida não demoveram a Rússia de ameaçar novamente a integridade dos
vizinhos.
Biden disse que o gasoduto Nord Stream 2,
que liga a Rússia à Alemanha, jamais entrará em operação se Putin invadir a
Ucrânia. Para os europeus isso é um pesadelo. A UE importa 40% de todo seu gás
da Rússia e um terço de seu petróleo, além de boa fatia das commodities das
quais os russos são grandes produtores, como cobre, níquel, alumínio, platina,
valádio e paládio. Enquanto Biden fala duro, o chanceler alemão Olaf Scholz e,
com mais desenvoltura, o presidente francês, Emmanuel Macron, que disputa as
eleições, tentam manter as negociações para demover Putin. O impasse prossegue
e ameaça a segurança europeia.
A Rússia alega, com razão histórica, que as
invasões de seu território sempre ocorreram pela fronteira oeste, na qual Ucrânia
primeiro e Belarús, depois, tem as maiores extensões. Putin não aceita tropas
da Otan, tidas como inimigas, em suas fronteiras. Quando a antiga URSS tinha
seu Pacto de Varsóvia, essa possibilidade não existia. Putin quer recriar um
simulacro em menor escala, com governos subservientes, e a Ucrânia é um
obstáculo em seu caminho. UE e EUA defendem a soberania da Ucrânia, o que
inclui sua decisão independente de aderir ou não à aliança militar. Mantidas as
posições, entra-se em perigoso beco sem saída.
Obter um status independente garantido para
a Ucrânia que a livre da ameaça russa sem que se alie aos supostos rivais de
Putin exigirá esforço diplomático de grande porte. De qualquer forma, não há
momento mais impróprio para uma visita do presidente Jair Bolsonaro ao país.
Será difícil a Bolsonaro desvencilhar-se da propaganda de apoio às pretensões
do déspota russo.
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