De 1945, quando acabou a Segunda Guerra
Mundial, até a queda do Muro de Berlim (09.11.1989) – anunciando o fracasso da
experiência do socialismo real instituído pela União Soviética (URSS), criada
em 1922 por Lenin, então líder da Revolução Bolchevique -, a Europa ficou
dividida entre o leste, que “pertencia” à União Soviética liderada pela Rússia,
e o oeste, que “pertencia” aos países do ocidente participantes e vencedores da
Segunda Guerra (EUA, Reino Unido e França).
O sentimento era de pertencimento mesmo, dados os níveis de obediência e restrições das quais se tinha notícia.
Quem visitava Berlim Ocidental encontrava
um muro de pedra, cimento e arame farpado que impedia que pessoas atravessassem
a trágica fronteira. O muro foi palco de muitas perseguições e mortes que
aconteciam quando alguém se atrevia a transpor, tentando ludibriar a guarda
permanente. Famílias inteiras que se distribuíram em moradias distintas entre
leste e oeste da cidade ficaram impedidas de ver ou visitar os parentes durante
45 anos.
Durante esse período a Alemanha chamada
Oriental deveria se transformar em socialista, seguindo as orientações dos
pressupostos da Revolução Socialista de outubro de 1917, liderada por Lenin, já
implantado em outras repúblicas. O lado Ocidental receberia todos os incentivos
para continuar se desenvolvendo no formato do modo de produção capitalista.
O muro na verdade era o instrumento rudimentar
que emprestava visibilidade a todos sobre a nova forma de manutenção do grande
troféu da guerra das forças aliadas (EUA, Reino Unido e França), a Alemanha.
Ao terminar a tragédia que foi a guerra,
com a morte de cerca de 60 milhões de pessoas – dessas, 6 milhões eram judeus
-, parecia tudo normal aos olhos do mundo sobrevivente aquela situação que foi
logo se transformando noutro tipo de guerra, intitulada de Guerra Fria – espaço
no qual se processavam trocas ou impedimentos de informações, espionagens e
todos os tipos de intimidação à liberdade das pessoas que por vontade própria
ou não, fossem convocadas à participação desse processo, muito complicado. Uma
nova geopolítica mundial.
A dissolução da União
Soviética ocorreu em 26 de dezembro de 1991, com reconhecimento
da independência das antigas repúblicas.
Concorreu para a dissolução as denúncias e
consequências dos crimes ocorridos no governo de Stalin: a falta de liberdade
interna; o fechamento do sistema soviético para as nações externas pertencentes
ao mundo capitalista; a baixa produtividade da indústria; a burocratização do
sistema de governo acrescida de processo de corrupção; dificuldades econômicas
necessárias à manutenção da população e dos gastos com a corrida armamentista.
Todo poder, decisões e controles emanavam
do Partido Comunista, único. E as promessas de prosperidade e igualdade
propagandeadas pelos veículos de comunicação estatais, faziam contrastes com os
privilégios a uma classe que vivia à custa da riqueza controlada pelo governo.
Durante o período da Perestroika, concebido
por Gorbatchov como a forma de fazer a transição para a concepção transparente
de estado, tive a oportunidade de passar dois meses, agosto e setembro de 1987,
com outras quatro companheiras do Partido Comunista Brasileiro (PCB) para
conhecer o legado da política social desenvolvida na Rússia, Bielorrússia e
Estônia.
Pudemos observar as dificuldades
enfrentadas culturalmente pela população russa, que havia experimentado uma
passagem tão drástica do regime feudal para o socialismo a ser construído, sob
grande pressão da comunidade internacional.
Mas, naquele momento, o planejamento estatal cuidava para que todos frequentassem as escolas básicas, tivessem assistência à saúde, alimentos básicos, moradia digna. A política do pleno emprego foi ficando difícil se não havia aumento da produtividade e reposição do maquinário da indústria.
A coletivização do campo, da produção
agropecuária, desde o início foi um grande problema, e como dizia Marx em O
Capital, o fetiche da mercadoria perseguia a todos.
Havia também uma força que emergia do
pensamento intelectual, nas universidades, que através de pesquisas apontava a
estagnação da sociedade e, sobretudo, das consequências da falta de liberdade.
Posteriormente fui ter maior clareza sobre
essas questões quando li o livro O fim do homem soviético, de autoria de
Svetlana Aleksiévitch, ucraniana vencedora do prêmio Nobel de Literatura de
2015. Ela fala que apesar do povo russo ser acostumado a revoluções e grandes
reviravoltas políticas, “assistiu espantado” ao silêncio que acompanhou a queda
do império soviético e a passagem ao capitalismo. “A população se dividia entre
os que almejavam a passagem para a democracia e os que lamentavam o fim da
ideologia que havia dirigido suas vidas”.
A história não terminou com o fim do
socialismo real. Mudou o rumo, a história se refaz sempre e o capitalismo, que
vem produzindo com muita profundidade cada vez mais situações de desigualdades
no mundo, tem sido responsável por muitas situações de conflitos e guerras pelo
mundo afora, após a queda do Muro de Berlim, deixando rastros de verdadeira
desordem e incompetência, como no Iraque e Afeganistão.
Hoje, podemos assistir a invasão da Ucrânia
em seus detalhes pela televisão ou por celulares. É uma vergonha mundial. Não
se pode aceitar mais a interferência de um país sobre outro, nem que a decisão
tenha origem no desejo da população que instituiu o representante agressor.
O que acontece na Ucrânia atualmente tem
como referência também a crise de 2014, quando uma maioria da população chamada
pós-soviética se mobilizava por novas alianças com a Comunidade Europeia,
sofrendo repressão com mais de cem mortes durante cerca de 90 dias, cujo
processo foi muito bem documentado por jornalistas e participantes que se
concentravam permanentemente na Praça Maidan, e pode ser visto através do filme
Winter on Fire.
Essa guerra do presidente Putim, diferente
da Segunda Guerra, é cibernética, e também é uma ameaça ao mundo, onde se usa a
mais avançada tecnologia para o mapeamento dos pontos a serem atacados e os
mísseis são detonados a partir de programas com controles remotos. Isso não nos
impediu de observar a maldade do ser humano que ao dirigir o tanque russo
passou por cima de um automóvel que seguia em sentido contrário. A imagem dessa
insanidade viralizou nas redes sociais pelo mundo inteiro.
Também temos observado que protestos vêm
acontecendo pelos países no mundo inteiro, bem como a atitude de abstenção da
Índia e da China na reunião do Conselho da Organização das Nações Unidas (ONU).
Putim e seus comparsas seguem isolados nesta atitude alucinada na sua busca
incessante para refazer a história, do seu jeito.
A invocação da paz e da liberdade para o
povo ucraniano e os territórios rebeldes, reconhecidos pela Rússia, é uma
farsa.
Outras questões estão no fundo do conflito.
O imperialismo americano nunca reconheceu de verdade que o socialismo real
findou a sua história no formato em que foi concebido. Continuou estimulando o
fortalecimento da Organização do Tratado do Atlêntico Norte (OTAN),
arregimentando forças contra a Rússia e falando para o mundo que “comunistas
comem criancinhas”. Parece que a seu modo, do seu jeito, o presidente da Rússia
tenta rearrumar a história reabilitando antigos poderes.
Portanto, me alinho ao pensamento de Pepe
Mujica. É preciso que se abandone o estágio em que nos encontramos e se tente
melhorar a humanidade, “abandonando as guerras como forma de resolver os
conflitos, o egoísmo, e em alguma medida trabalhar sobre nós mesmos, com a
intenção de criar uma humanidade um pouco melhor, com empatia para aqueles que
nos acompanham pela vida, mas seguimos prisioneiros de uma civilização que se
confunde lutando sempre por mais riqueza para alguns, porém, com
estancamento de valores e de solidariedade entre os humanos”.
Qual o sentido da vida humana se
continuamos avançando com grande criatividade na ciência, mas não somos capazes
de desenvolver uma responsabilidade coletiva com a sociedade em que vivemos?
Tarefa nossa é criar as condições para que
crianças e os jovens aprendam que é possível construir um mundo melhor.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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