segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Pablo Ortellado: O Telegram cedeu

O Globo

Após ultimato do ministro Alexandre de Moraes, plataforma finalmente cumpriu uma decisão judicial brasileira

Depois de muita especulação sobre o que fazer com o Telegram, o ministro Alexandre de Moraes deu um ultimato e a empresa finalmente cumpriu uma decisão judicial brasileira. Em sua decisão, o ministro determinou a suspensão do canal do ativista bolsonarista Allan dos Santos, sob pena de multa de R$ 100.000 diários e a suspensão do aplicativo de mensagens no país, inicialmente por 48 horas. O Telegram, que sistematicamente se negava a atender decisões judiciais, cedeu e bloqueou no Brasil os canais de dos Santos. A mudança de postura da empresa terá grandes repercussões para o processo eleitoral no Brasil.

O Telegram é um aplicativo de mensagens criado pelo empresário russo Pavel Durov com o propósito declarado de proteger uma visão radical da liberdade de expressão. A empresa tomou algumas ações para isso: estabeleceu sua sede em uma jurisdição favorável e remota (Emirados Árabes Unidos) e distribuiu a guarda de dados dos seus usuários em servidores em diferentes países, de maneira que, para entregar dados íntegros, seriam necessárias decisões judiciais em diversas jurisdições. Além disso, o Telegram se notabilizou por não constituir representantes nos mercados nos quais operava e não atender decisões judiciais desses países.

Nos últimos anos, à medida que a base de usuários do aplicativo crescia, crescia também a pressão de autoridades policiais e judiciais para combater atividades ilícitas no aplicativo, que iam do terrorismo à pedofilia. Até o ano passado, o Telegram fez concessões pontuais a sua defesa radical da liberdade de expressão, colaborando pontualmente com a polícia europeia em processos que envolviam terrorismo e violência. Sua postura resistente em atender a justiça fez com que o aplicativo fosse bloqueado em muitos países, a maioria deles pouco democráticos.

Tudo começou a mudar com as pressões de Alemanha e Brasil desde o final do ano passado. Na Alemanha, ameaças contra políticos e a organização de manifestações violentas levaram a polícia e a justiça alemãs a aumentar a pressão contra a empresa, chegando a ameaçar bloquear o aplicativo. No Brasil, o TSE tentou convidar o Telegram para planejar a aplicação das regras eleitorais e a empresa sequer se dignou a receber a correspondência. Depois disso, o ministro Luis Roberto Barroso começou a discutir em entrevistas o bloqueio do aplicativo e, no Congresso, o PL das Fake News retomou a tramitação com um artigo que obrigava empresas com muitos usuários a constituir representantes no Brasil, prevendo o bloqueio para quem não o fizesse.

Nas últimas semanas discutiu-se muito no Brasil como fazer o Telegram acatar ordens judiciais sem efetivamente bloquear o uso do aplicativo no Brasil, uma medida extrema que prejudicaria milhões de usuários. Na Alemanha, a pressão parece ter funcionado com o Telegram finalmente bloqueando contas e canais por determinação das autoridades do país.

A justiça brasileira estabeleceu contato com as autoridades alemãs e não se sabe, neste momento, o quanto isso colaborou para que o Telegram também atendesse a justiça brasileira. Além disso, descobriu-se, recentemente, que o Telegram tinha constituído advogados no país para proteger seus interesses em propriedade intelectual. Foi essa empresa de advogados que o ministro Alexandre de Moraes citou na sua decisão.

O cumprimento de uma decisão judicial brasileira abre um precedente que pode ter grandes consequências para o processo eleitoral. Nos últimos anos, os bolsonaristas vêm construindo um sólido ecossistema de grupos e canais no Telegram complementando a rede de grupos de WhatsApp que criaram desde 2018.

Além dos usos lícitos para mobilização e propaganda, esses grupos e canais têm sido usados para difundir informações falsas que tentam minar a confiança dos eleitores nas urnas e no sistema eleitoral brasileiro. Há motivo para supor que esses grupos e canais vão ser cada vez mais utilizados para sabotar a confiança nas eleições e, em caso de derrota de Bolsonaro, mobilizar ativistas para contestar o resultado. Com o estabelecimento deste precedente, esses grupos e canais podem agora ser monitorados e eventuais ações ilícitas podem ser punidas antes que seja tarde demais.

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