O Globo
Após ultimato do ministro Alexandre de
Moraes, plataforma finalmente cumpriu uma decisão judicial brasileira
Depois de muita especulação sobre o que fazer com o Telegram, o ministro Alexandre de Moraes deu um ultimato e a empresa finalmente cumpriu uma decisão judicial brasileira. Em sua decisão, o ministro determinou a suspensão do canal do ativista bolsonarista Allan dos Santos, sob pena de multa de R$ 100.000 diários e a suspensão do aplicativo de mensagens no país, inicialmente por 48 horas. O Telegram, que sistematicamente se negava a atender decisões judiciais, cedeu e bloqueou no Brasil os canais de dos Santos. A mudança de postura da empresa terá grandes repercussões para o processo eleitoral no Brasil.
O Telegram é um aplicativo de mensagens
criado pelo empresário russo Pavel Durov com o propósito declarado de proteger
uma visão radical da liberdade de expressão. A empresa tomou algumas ações para
isso: estabeleceu sua sede em uma jurisdição favorável e remota (Emirados
Árabes Unidos) e distribuiu a guarda de dados dos seus usuários em servidores
em diferentes países, de maneira que, para entregar dados íntegros, seriam
necessárias decisões judiciais em diversas jurisdições. Além disso, o Telegram
se notabilizou por não constituir representantes nos mercados nos quais operava
e não atender decisões judiciais desses países.
Nos últimos anos, à medida que a base de
usuários do aplicativo crescia, crescia também a pressão de autoridades
policiais e judiciais para combater atividades ilícitas no aplicativo, que iam
do terrorismo à pedofilia. Até o ano passado, o Telegram fez concessões
pontuais a sua defesa radical da liberdade de expressão, colaborando
pontualmente com a polícia europeia em processos que envolviam terrorismo e
violência. Sua postura resistente em atender a justiça fez com que o aplicativo
fosse bloqueado em muitos países, a maioria deles pouco democráticos.
Tudo começou a mudar com as pressões de
Alemanha e Brasil desde o final do ano passado. Na Alemanha, ameaças contra
políticos e a organização de manifestações violentas levaram a polícia e a
justiça alemãs a aumentar a pressão contra a empresa, chegando a ameaçar
bloquear o aplicativo. No Brasil, o TSE tentou convidar o Telegram para
planejar a aplicação das regras eleitorais e a empresa sequer se dignou a
receber a correspondência. Depois disso, o ministro Luis Roberto Barroso
começou a discutir em entrevistas o bloqueio do aplicativo e, no Congresso, o PL
das Fake News retomou a tramitação com um artigo que obrigava empresas com
muitos usuários a constituir representantes no Brasil, prevendo o bloqueio para
quem não o fizesse.
Nas últimas semanas discutiu-se muito no
Brasil como fazer o Telegram acatar ordens judiciais sem efetivamente bloquear
o uso do aplicativo no Brasil, uma medida extrema que prejudicaria milhões de
usuários. Na Alemanha, a pressão parece ter funcionado com o Telegram
finalmente bloqueando contas e canais por determinação das autoridades do país.
A justiça brasileira estabeleceu contato
com as autoridades alemãs e não se sabe, neste momento, o quanto isso colaborou
para que o Telegram também atendesse a justiça brasileira. Além disso,
descobriu-se, recentemente, que o Telegram tinha constituído advogados no país
para proteger seus interesses em propriedade intelectual. Foi essa empresa de
advogados que o ministro Alexandre de Moraes citou na sua decisão.
O cumprimento de uma decisão judicial
brasileira abre um precedente que pode ter grandes consequências para o
processo eleitoral. Nos últimos anos, os bolsonaristas vêm construindo um
sólido ecossistema de grupos e canais no Telegram complementando a rede de
grupos de WhatsApp que criaram desde 2018.
Além dos usos lícitos para mobilização e propaganda, esses grupos e canais têm sido usados para difundir informações falsas que tentam minar a confiança dos eleitores nas urnas e no sistema eleitoral brasileiro. Há motivo para supor que esses grupos e canais vão ser cada vez mais utilizados para sabotar a confiança nas eleições e, em caso de derrota de Bolsonaro, mobilizar ativistas para contestar o resultado. Com o estabelecimento deste precedente, esses grupos e canais podem agora ser monitorados e eventuais ações ilícitas podem ser punidas antes que seja tarde demais.
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