segunda-feira, 25 de julho de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Gargalo pós-Covid

Folha de S. Paulo

Deterioração da saúde mental na pandemia requer mais médicos para tratar do sofrimento humano

Já desde bem antes da pandemia, a saúde mental despontava como um dos principais gargalos do SUS. A Covid-19 e sua cascata de efeitos diretos e indiretos pegam uma situação ruim e a agravam.

Pesquisas mostraram que pacientes que se recuperaram de uma internação pelo coronavírus tiveram seu risco de ser acometidos por doenças psiquiátricas aumentado. O panorama dos poupados das hospitalizações não é muito melhor.

Isolamento social, lutos e desemprego, afinal, levam a mais ansiedade, depressão e consumo de álcool e drogas, o que afeta a saúde mental. O dado que mais preocupa é o acentuado aumento dos suicídios.

Nos últimos 20 anos, seu número no Brasil dobrou, passando de cerca de 7.000 ao ano para 14 mil. É mais do que o total de motociclistas mortos em acidentes, na casa dos 12 mil. Esse movimento pode até esconder uma outra notícia.

O índice de suicídios no Brasil, e na América Latina, era muito inferior à média mundial, de forma até um pouco suspeita. Por razões culturais e religiosas, as pessoas, médicos inclusive, escondiam as reais causas do óbito, contribuindo para uma enorme subnotificação.

Nos últimos anos, porém, o tema passou a ser tratado de forma mais transparente. É possível que parte do aumento reflita uma melhora na qualidade dos registros.

A má notícia é que as razões culturais e religiosas, que funcionavam também como um freio às tentativas de tirar a própria vida, se tornaram menos atuantes.

Ainda não é possível ligar a alta dos suicídios à Covid-19, mas é bastante provável que isso venha a ocorrer no futuro próximo. Os números já mostram um aumento nos casos de depressão que pode ser correlacionado à epidemia.

Pesquisa da Vital Strategies, da Universidade Federal de Pelotas, mostrou que os adultos com diagnóstico de depressão saltaram de 9,6% no período pré-pandêmico para 13,5% no primeiro trimestre deste ano. Não há dados para a dependência, mas pesquisas apontam para um aumento do consumo de álcool.

Depressão e dependência são duas das afecções mentais mais presentes entre suicidas. O suicídio, vale lembrar, é o mais trágico dos desfechos de transtornos mentais, porém não o mais comum. Para cada tentativa, há um número significativamente maior de pessoas em sofrimento e que precisariam de tratamento.

O SUS, como já ocorria antes da Covid, tem enorme dificuldade em atender a essa demanda. Basta lembrar que, dos 433 mil médicos em atividade no Brasil, apenas 12 mil (2,8%) são psiquiatras. É preciso qualificar os profissionais de outras especialidades para lidar com os casos psiquiátricos menos complexos.

Assédio arquivado

Folha de S. Paulo

Faltam à administração federal mecanismos para receber denúncias e punir servidores

Quando ocorrem casos de assédios moral e sexual, mulheres não possuem um canal efetivo para denunciá-los. A conclusão faz parte de um estudo para o Banco Mundial a fim de analisar os mecanismos de denúncias adotados por estados brasileiros e que agora foi estendido para o Executivo Federal.

Segundo a autora, a advogada e consultora para equidade de gênero Myrella Jacob, quando há vias para reportar casos de assédio, a impunidade tem sido a regra.

O estatuto que regulamenta a disciplina dos servidores federais, a lei 8.112/90, não prevê o assédio como infração específica e nem como conduta passível de punição; e há diversos canais de denúncia, o que pode dispersar o encaminhamento e colocar o caso nas mãos de agentes pouco capacitados.

De 2017 para 2019, segundo dados da Controladoria Geral da União coletados na pesquisa, o número de processos administrativos disciplinares sobre queixa sexual saltou de 12,6% para 48,8% entre os casos de assédio, sendo que a maior parte foi encerrada sem punição. O trabalho remoto ajudaria a explicar a redução das denúncias nos anos seguintes, apesar da subnotificação ser uma constante neste tipo de evento.

O caso mais notório nos últimos meses foi o do ex-presidente da Caixa Econômica Federal Pedro Guimarães, acusado por funcionárias de assédio sexual e moral. O executivo pediu demissão no final de junho, logo após as acusações virem a público. Em depoimento à Folha, uma das funcionárias do banco afirmou que foi puxada pelo pescoço por Guimarães e ouviu palavras de cunho sexual.

Após a renúncia de Guimarães, o conselho de administração da Caixa decidiu contratar uma auditoria externa para apurar as denúncias de assédio, e a nova presidente do banco, Daniella Marques, disse ser inaceitável a violência contra mulheres.

Assédio sexual pode se dar por meio de condutas físicas, verbais, e até não verbais, explícitas ou não. Embora a punição deva acompanhar estratégias de prevenção e educação, permitir o devido encaminhamento de denúncias e responsabilizar os funcionários públicos por tais atos deveria ser a regra.

Isto requer mudança da cultura organizacional, previsão de canais específicos e maior paridade de gênero em diversos níveis da administração federal —e o país está longe de cumprir quaisquer destas metas.

O falso trade-off de Guedes

O Estado de S. Paulo

Para ministro, alternativa à PEC era ‘deixar a pessoa morrer de fome’; como liberal, ele deveria saber: não é preciso abrir mão da responsabilidade fiscal para ajudar os pobres

O ministro da Economia, Paulo Guedes, resolveu defender a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apelidada – por ele mesmo, outrora – de “PEC Kamikaze”. Como se sabe, a tal PEC viola a Constituição, a legislação eleitoral e as normas fiscais para permitir a distribuição de dinheiro para pobres e benefícios para caminhoneiros às vésperas das eleições, com o evidente objetivo de melhorar as chances eleitorais do presidente Jair Bolsonaro. Aos críticos dos atropelos legais e constitucionais para aprovar a PEC, Guedes questionou: “Então deixa a pessoa morrer de fome?”.

Trata-se de um falso trade-off. Seria perfeitamente possível aprovar um robusto pacote de ajuda aos mais necessitados sem atropelar a Constituição e sem ignorar os limites fiscais e eleitorais. É claro que, para isso, seria preciso um governo capaz de se antecipar aos problemas reais do País, de fazer um bom planejamento dentro dos parâmetros orçamentários e de liderar os esforços nacionais para impedir que a catástrofe da fome se consumasse. E o governo que o sr. Guedes integra mostrou-se miseravelmente incapaz disso.

Começando pelo óbvio, não foi exatamente nesta semana ou desde a eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia que o Brasil voltou a marcar presença no vergonhoso mapa da fome. Como mostrou o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022, divulgado por cinco agências da ONU, 15,4 milhões de brasileiros viviam sob insegurança alimentar grave no período de 2019 a 2021.

Ainda que esse fracasso seja uma construção que não pode ser atribuída unicamente ao governo Jair Bolsonaro, era obrigação da administração federal, se pelos pobres realmente tivesse alguma consideração, ter feito algo para resolver a situação, levando em conta a dimensão imediata – afinal, quem tem fome tem pressa – e uma perspectiva de solução de médio e longo prazos. Bastava seguir as etapas de elaboração de uma política pública, desde a identificação do problema e de suas causas até a formulação, implementação e avaliação de seus resultados, em articulação com Estados, municípios e organizações da sociedade civil.

É basicamente tudo que não foi feito na criação do Auxílio Brasil, que em seis meses de vigência conseguiu gerar uma fila de quase 3 milhões de famílias e demandar um reajuste de 50% em seu piso. Até aí, não há surpresa nenhuma: é natural, ainda que ilegal, que políticos em campanha queiram usar a máquina pública e criar uma marca própria às vésperas de uma disputa eleitoral. É, no entanto, função da equipe econômica alertar para os efeitos da gastança desenfreada, defender o respeito das leis e da Constituição e, sobretudo, convencer o governo a abandonar iniciativas que custarão muito e entregarão pouco, propondo em seu lugar a adoção de programas que efetivamente funcionam. Mesmo que o presidente de plantão faça ouvidos moucos a esse chamado, esse é o papel que se espera de um ministro da Economia.

É por isso que chega a ser irônico, para não dizer trágico, que o maior ataque aos fundamentos fiscais das últimas décadas tenha vindo de um governo pretensamente liberal. É consenso, ao menos entre economistas ortodoxos, que o desprezo às questões fiscais – praxe no governo Bolsonaro – pode até impulsionar o crescimento, mas se esse aumento de despesas não vier acompanhado pelo corte de outras despesas ou pelo aumento de impostos, a bondade de hoje se materializa na maldade de amanhã. Os resultados são conhecidos: aumento no déficit das contas públicas, aceleração da inflação, juros mais altos para financiar a dívida, desvalorização do câmbio, queda dos investimentos, avanço do desemprego, redução do PIB e, consequentemente, aumento da pobreza e da fome.

Responsabilidade fiscal e responsabilidade social não são conceitos incompatíveis ou excludentes, mas complementares. Ajudar os mais necessitados é um dever do governo, assim como manter um equilíbrio macroeconômico sólido o suficiente para garantir o financiamento de políticas sociais sem gerar descrédito entre os investidores. Devastar o arcabouço fiscal não era um caminho inevitável. Foi uma escolha consciente deste governo, com respaldo vergonhoso de uma oposição pusilânime. Usar as famílias vulneráveis como pretexto para justificar essa decisão revela, mais que incompetência, a falta de escrúpulos de seus representantes.

O vasto ecossistema dos crimes ambientais

O Estado de S. Paulo

Levantamento mostra que ramificações das atividades ilícitas na Amazônia atingem 23 Estados; ou seja, combater o crime na floresta muitas vezes significa olhar para longe dela

A devastação da Amazônia tem ramificações e envolve atividades ilegais em pelo menos 254 cidades brasileiras de 23 Estados e no Distrito Federal. É o que aponta um recém-lançado estudo do Instituto Igarapé, que analisou mais de 300 operações realizadas pela Polícia Federal entre 2016 e 2021. Embora as ações policiais fizessem parte da repressão a crimes ambientais na Amazônia Legal, elas revelaram uma rede de outras ilegalidades, como fraudes, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro, em boa parte do território nacional e em países vizinhos, além de tráfico de drogas, de pessoas, de armas e de animais, homicídios e agressões. 

O estudo desvela o verdadeiro emaranhado de crimes associados à devastação da floresta e à degradação do meio ambiente na Amazônia. De um lado, nos limites da Amazônia Legal, há a prática de crimes ambientais: desmatamento e extração ilegal de madeira, produção agropecuária com passivo ambiental e mineração ilegal, não raro com grilagem de terras públicas. De outro, há o transporte e comercialização de produtos com origem criminosa, o que ultrapassa os limites geográficos da Amazônia e enseja todo tipo de ilegalidade, como corrupção de agentes públicos, falsificação de documentos, contrabando e posse ilegal de armas e explosivos.

É o que os pesquisadores do Instituto Igarapé chamam de ecossistema do crime ambiental na Amazônia: uma série de atividades econômicas ilegais que se complementam e superpõem, sob o comando de organizações criminosas que movimentam fortunas no Brasil e no exterior. Um infográfico elaborado para sintetizar esse ecossistema criminoso lista mais de 20 práticas ilegais. 

O estudo leva o título de Territórios e caminhos do crime ambiental na Amazônia brasileira: da floresta às demais cidades do país. Foi lançado no último dia 20 de julho e faz parte do esforço do Instituto Igarapé, organização sem fins lucrativos que atua como think tank nas áreas de segurança, clima e desenvolvimento, para mapear e compreender como se dá a destruição da selva. O primeiro relatório foi divulgado em fevereiro.

Por tudo o que o instituto publicou até o momento, fica evidente que a preservação da maior floresta tropical do mundo requer uma combinação de ações repressivas e preventivas tanto in loco, onde a devastação efetivamente tem lugar, quanto em municípios localizados a milhares de quilômetros de muitos desses crimes. Um deles é São Paulo, a maior cidade do País. “São Paulo é um grande hub de conexões do que está acontecendo na Bacia Amazônica”, disse a presidente e cofundadora do Igarapé, Ilona Szabó de Carvalho, em entrevista ao Valor.

O raciocínio é simples: as riquezas geradas na Amazônia a partir de crimes ambientais integram cadeias produtivas que, direta ou indiretamente, tiram proveito da destruição da floresta. Seja o ouro de garimpos ilegais, a madeira de origem ilícita ou a produção agropecuária de áreas griladas ou desmatadas ilegalmente, esses produtos alimentam mercados dentro e fora da Amazônia. “São CNPJs que compram estes produtos com passivo ambiental enorme, cadeias de suprimento sujas com ilegalidades e muitas violações aos direitos humanos”, afirmou Ilona na mesma entrevista, ressalvando o caso da pecuária − setor destacado por ela como exceção à regra, por estar sujeito a maior controle para fins de exportação. Ilona arrematou: “Não tem como essas economias ilícitas operarem sem o setor privado e o setor financeiro estarem envolvidos”.

Ao expor o ecossistema dos crimes ambientais na Amazônia, o estudo do Instituto Igarapé deixa claro que a preservação ambiental requer ações em múltiplas frentes. A fiscalização da floresta e de seus rios por órgãos ambientais, com imagens de satélite e atuação firme das polícias, do Ministério Público e da Justiça, é indispensável. Mas não basta. É preciso ir atrás de quem compra e negocia produtos com origem em crimes ambientais, o que, muitas vezes, exige voltar os olhos para longe da floresta. 

É tudo por dez centavos

O Estado de S. Paulo

Em nome das eleições, governo Bolsonaro atira para todos os lados e mira no único programa de descarbonização do País

O governo Jair Bolsonaro começou a desmontar o único programa federal de redução de emissões de carbono atualmente em vigor no País com vistas a diminuir o preço do litro do diesel e da gasolina em exatos R$ 0,10. O Ministério de Minas e Energia (MME) decidiu adiar em quase um ano, para o fim de setembro de 2023, o cumprimento das metas de compra de créditos de descarbonização impostas às distribuidoras de combustíveis fósseis. Oficialmente, a justificativa foi o aumento dos preços desses títulos no mercado, mas o fato de que a defesa da medida pelo ministério se baseou no estado de emergência fabricado pela eleitoreira Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apelidada de PEC Kamikaze não esconde as verdadeiras intenções do governo.

Lançada em 2016, a Política Nacional de Combustíveis (RenovaBio) é fruto de compromissos assumidos no Acordo de Paris, firmado na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015 (COP 21). O objetivo do Brasil, à época, era reduzir suas emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo como referência o ano de 2005. Para isso, além de dar fim ao desmatamento ilegal da Amazônia até 2030, seria crucial aumentar a participação de biocombustíveis na matriz energética. Diferentemente do histórico de intervencionismo que marca o setor sucroalcooleiro, o RenovaBio não impôs subsídios aos contribuintes; pelo contrário, é uma alternativa de mercado inspirada no modelo norte-americano. De um lado, produtores e importadores de biocombustíveis, entre os quais o etanol, geram créditos de descarbonização (CBIOs) certificados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e registrados no ambiente da B3. Na outra ponta, as distribuidoras compram esses títulos como forma de atingir objetivos anuais de descarbonização, calculados pela ANP a partir do volume de combustíveis fósseis comercializado por cada uma delas. O programa vinha funcionando bem, a ponto de que quase 97% das empresas do setor conseguiram cumprir suas metas em 2021.

Mas o desempenho sofrível de Bolsonaro nas pesquisas eleitorais tem feito o governo atirar para todos os lados. Sem ter o que apresentar na campanha, o presidente escolheu os combustíveis como uma obsessão particular. Primeiro, o Executivo impôs perdas bilionárias aos Estados fixando um teto para o ICMS de bens essenciais sem compensação. Agora, o MME voltou a alça de mira contra o RenovaBio. Na semana passada, antes de anunciar o novo prazo para as metas do programa, cobrou do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que investigasse uma suspeita de manipulação e conluio nos preços dos CBios – suspeita esta que carece de qualquer indício ou prova, um padrão bolsonarista. O governo alega que suas ações são uma forma de conferir segurança jurídica a esse mercado, como se sua atuação intempestiva não significasse exatamente o oposto. Traduzido em dez centavos, eis o nível do desespero eleitoral à custa de um mecanismo bem-sucedido e que vai de encontro ao nosso status de pária ambiental.

Recuo na vacinação infantil é desafio para o mundo todo

O Globo

OMS aponta retrocesso histórico nos índices globais de cobertura — risco é a volta doenças já controladas

Acendeu o alerta vermelho no prontuário de vacinação infantil. Em meio à pandemia de Covid-19, os índices sofreram o maior retrocesso em 30 anos, revelaram neste mês o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). Considerando a cobertura contra 11 doenças, o percentual recuou de 71% em 2019 para 68% no ano passado. O mais preocupante não são apenas os três pontos percentuais, mas ser a primeira vez, em uma geração, que se anda para trás.

A queda se mostra ainda mais acentuada para vacinas específicas. O índice de cobertura da tríplice bacteriana (DTP), que protege contra difteria, tétano e coqueluche, caiu cinco pontos percentuais no período (de 86% para 81%, pior marca desde 2008). No mundo, as crianças que não receberam a primeira dose ou não completaram o esquema da DTP foram de 19 milhões em 2019 para 25 milhões em 2021 — a maioria em países de renda média ou baixa (os piores índices estão na Nigéria, Etiópia, Indonésia e Filipinas).

Também chama a atenção a baixíssima cobertura da vacina contra o papilomavírus humano (HPV), que protege de doenças graves como câncer de colo do útero. Apenas 15% das crianças receberam a primeira dose no ano passado. Como a vacina é relativamente nova e não é usada em larga escala, corre-se o risco de perder o esforço de imunização já realizado.

São vários os fatores que contribuíram para o retrocesso. Um deles, a pandemia de Covid-19, que impôs quarentenas, com impacto na logística sanitária. A própria OMS afirma, porém, que isso não pode servir como desculpa, pois alguns índices já estavam estagnados. Não devem ser desprezados o contingente de crianças em áreas de conflito, a atuação de grupos antivacina, as mentiras disseminadas pelas redes sociais e a hesitação daqueles que pensam não haver mais risco de contrair certas doenças, ignorando que elas só estão controladas devido à vacinação. Na semana passada, os Estados Unidos confirmaram o primeiro caso de poliomielite após quase uma década.

No Brasil, a situação não é muito diferente. Embora em tese não faltem vacinas, os índices de cobertura estão perigosamente baixos. O relaxamento tem se revelado trágico. O sarampo, que era considerado erradicado no Brasil, reapareceu na Região Norte em 2018 e se espalhou por quase todo o país. Não é improvável que o mesmo aconteça com outras doenças hoje controladas, caso da pólio.

Uma das preocupações da OMS e do Unicef é o aumento populacional, principalmente nos países de baixa renda, que geralmente apresentam índices mais baixos de cobertura vacinal. A perspectiva exige esforço maior para elevar os percentuais de vacinação.

No mundo, as vacinas têm operado milagres na erradicação ou no controle de doenças. Esse trabalho não pode ser perdido. Num momento de arrefecimento da Covid-19 — graças à vacinação —, as forças-tarefas arregimentadas em todos os países deveriam ser aproveitadas para ampliar também a vacinação contra outras moléstias. Depois da pandemia devastadora, que matou milhões em todo o planeta, é impensável ressuscitar doenças que a humanidade deixou para trás. Como disse a diretora executiva do Unicef, Catherine Russell, “as consequências serão medidas em vidas”.

Secretaria do Consumidor acerta ao coibir as ligações indesejadas

O Globo

Depois de fracassarem as tentativas para regular o setor, 180 empresas são suspensas por telemarketing abusivo

É acertada a decisão da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) de subir o tom contra as ligações indesejadas que atormentam milhões de brasileiros, oferecendo produtos e serviços sem autorização. Em parceria com órgãos de defesa do consumidor, ela anunciou a suspensão parcial ou total de 180 empresas que praticam telemarketing abusivo, sob pena de multas pesadas. A lista inclui grandes companhias telefônicas, instituições financeiras e associações do setor. É positiva também a intenção de criar um canal para denunciar quem desrespeita as normas.

Evidentemente, o telemarketing é uma prática que pode ser eficaz para empresas e consumidores quando dirigida ao público interessado. O setor reúne alguns dos maiores empregadores privados do país, responsáveis por gerar milhares de postos de trabalho. O problema é quando sai de controle — o que acontece com enorme frequência. Segundo a Senacon, o que caracteriza o telemarketing abusivo é a falta de consentimento por parte do usuário.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tentou disciplinar a questão, mas sem sucesso. Em março, anunciou que todas as chamadas de telemarketing passariam a usar o prefixo 0303, permitindo que o usuário as identificasse e pudesse recusá-las — a regra não atinge instituições que pedem doação ou fazem cobrança. De início, a medida valia para chamadas a partir de celulares. Em junho, incluiu também telefones fixos. Qualquer um pode pesquisar em seu telefone quantas ligações de telemarketing usaram o prefixo recomendado. Certamente uma minoria. Foi um dos fatores que motivaram a atual suspensão, além da profusão de reclamações.

É natural que empresas telefonem para cidadãos oferecendo produtos e serviços. Mas não que usem robôs para ficar ligando insistentemente, mesmo depois de o usuário recusar a chamada. Uma pesquisa da Senacon feita em 2019 mostrou que 93% dos entrevistados já tinham recebido ligações de telemarketing. A maioria (65%) disse atender até dez por semana. Na tentativa de contornar o problema, alguns não atendem chamadas de números desconhecidos, mas há sempre o risco de perder ligações importantes. Outros recorrem a serviços como o NãoMePerturbe, em que o usuário indica as empresas que pretende bloquear. Ele tem quase 10 milhões de inscritos, mas nem sempre funciona a contento.

As empresas de telemarketing podem exercer seu trabalho, desde que respeitem os direitos dos usuários. Regulamentar a prática da atividade será benéfico para todo mundo. O cidadão tem o direito à proteção de seus dados. Além disso, cabe a ele dizer se quer receber ofertas. As operadoras alegam que as últimas decisões poderão reduzir os empregos no setor. Obviamente, isso não é uma justificativa para descumprir as normas. Claro que se trata de uma questão a levar em conta, especialmente num momento de crise econômica aguda. Mas não pode ser salvo-conduto para que as empresas infernizem a vida de oito em cada dez brasileiros que têm telefone.

Ação contra fraudes ligadas à Codevasf serve de alerta

Valor Econômico

Com os recursos do “orçamento secreto”, a Codevasf tornou-se o braço de execução das ações de interesse de deputados e senadores

Deflagrada na última quarta-feira, a cerca de 70 dias do primeiro turno das eleições, a operação da Polícia Federal contra fraudes e desvios de recursos públicos transferidos pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) vem em hora oportuna. Exige-se, das instituições e dos eleitores, uma reflexão sobre como anda o controle do poder público em relação à utilização dos recursos do chamado “orçamento secreto”.

São chocantes as imagens do resultado da ação. Elas foram divulgadas pela PF, após o cumprimento de 16 mandados de busca e um de prisão em diferentes cidades do Maranhão. Mostram maços de dinheiro vivo, muito dinheiro, todo ele encontrado com os alvos da operação, batizada de “Odoacro”.

Trata-se de uma referência ao sobrenome do soldado italiano que capitaneou uma revolta que colocou fim ao Império Romano, uma vez que um dos investigados pela PF é um empresário conhecido como “Imperador”. Na casa dele, segundo os investigadores, apreendeu-se um montante superior a R$ 1,3 milhão em dinheiro vivo.

Não se tem notícia, por enquanto, de envolvimento de altas autoridades do governo federal ou com foro privilegiado. Ainda assim, é este o retrato do governo de um presidente que diz não haver corrupção em sua administração, embora aqui e acolá cada vez mais tenha que explicar o que sempre criticou. A começar pela velha política de promover o “toma lá, dá cá” para conseguir manter-se no poder.

Diante do risco de ser alvo de um processo de impeachment, Bolsonaro cedeu às pressões do Centrão: perdeu margem para gerir o Orçamento da União, teve que nomear lideranças desses partidos para cargos estratégicos no Palácio do Planalto e terceirizar para representantes destas mesmas siglas a administração de órgãos federais responsáveis por verbas bilionárias.

Em paralelo, manobrou-se no Congresso Nacional de forma a aumentar o volume das emendas de relator ao Orçamento, instrumento também conhecido como RP9 ou “orçamento secreto”. A alcunha, como já se tornou de conhecimento público, deve-se às dificuldades de se rastrear quem destinou esse dinheiro, para onde ele foi enviado e quem recebeu tais recursos. É a receita perfeita para reduzir a eficiência do manejo das verbas públicas e abrir brechas para potenciais irregularidades.

Neste contexto, vale relembrar a transmutação pela qual passou a própria Codevasf, um dos órgãos federais que se transformou em grande destino de emendas de relator e local de trabalho de profissionais indicados por políticos.

A história da Codevasf remonta à Constituição de 1946, quando seus autores determinaram a execução de um plano de aproveitamento das possibilidades econômicas da bacia hidrográfica do rio São Francisco. Isso deveria ser feito em um prazo de 20 anos, estabeleceram os constituintes daquela época, e com uma quantia anual não inferior a 1% da renda tributária da União. Aí foi criada a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF).

Para sucedê-la depois desse período, veio a Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), criada em 1967. A Codevasf, por sua vez, foi instituída em 1974. Mas para atuar na bacia do rio São Francisco.

Ocorre que sua jurisdição foi sendo ampliada com o passar do tempo. E, quando isso ocorre, normalmente é para atender interesses políticos.

Como resultado, de acordo com dados da própria instituição, a empresa agora atua em 15 Estados, 2.675 municípios, ou 36,59% do território nacional. Além disso, passou a implementar não apenas projetos de irrigação ou iniciativas relacionadas à missão para a qual foi criada, mas também a envolver-se em obras de pavimentação e entrega de maquinário. Com os recursos do chamado “orçamento secreto”, cada vez mais tornou-se o braço de execução das ações de interesse de deputados e senadores.

Sua atuação já recebe atenção especial do Tribunal de Contas da União (TCU). Na quarta-feira, ficou claro que a Polícia Federal também está atenta. Mas, está evidente que os órgãos de controle não podem baixar a guarda.

Além de desequilibrar a correlação de forças entre parlamentares alinhados ao Executivo e a oposição, os mecanismos do chamado “orçamento secreto” podem dificultar o esclarecimento de todos os responsáveis por eventuais malfeitos. Este tema precisa ser debatido durante a campanha.

Nenhum comentário: