terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Inépcia e omissão são as causas da tragédia das chuvas

O Globo

Quase 60% das prefeituras nem sequer têm plano para lidar com os riscos de desastres naturais

Na última quinta-feira, o GLOBO publicou editorial neste mesmo espaço sob o título “O Brasil continua despreparado para as chuvas”. A tragédia vivida no Litoral Norte paulista três dias depois demonstra a presciência daquelas palavras. Não é difícil antever as consequências catastróficas do aguaceiro inclemente nesta época do ano, tamanha a população que continua a viver em áreas sob risco de inundações ou deslizamentos, algo como 5% dos brasileiros pelas últimas estimativas. O inaceitável é que políticos ainda tenham a desfaçatez de culpar São Pedro.

É fato que o volume de chuvas em 24 horas atingiu um recorde histórico. Mas todos sabem que eventos extremos se tornaram mais frequentes em razão das mudanças climáticas. Aconteceu em Petrópolis no ano passado, acontece agora em São Sebastião. Tanto o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) quanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitaram áreas atingidas. É essencial demonstrar solidariedade às vítimas. Mas o que foi feito antes, para evitar a hecatombe?

Ainda não se tem mapa detalhado, nem relato minucioso da destruição em cidades como São Sebastião, Ubatuba, Caraguatatuba, Ilhabela, Bertioga ou Guarujá. É provável que as causas não fiquem distantes do padrão: inépcia e omissão. O Brasil carece de um plano informando quantas moradias em áreas de risco precisam ser reforçadas e quantas deveriam ser demolidas, com realocação dos moradores. Sem essas informações, não se tem ideia de custo e não se pode começar a pensar em fontes de financiamento.

Em dezembro, a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara aprovou projeto de lei que cria mecanismos para integrar o ordenamento urbano das cidades e a política nacional de defesa civil. O texto prevê que estados e municípios tenham plano de gestão de risco para desastres naturais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 59,4% das prefeituras carecem de um. Não será uma nova lei que resolverá o problema, mas ela é um passo no caminho certo.

O mais urgente é que prefeitos, com incentivo dos governadores, quebrem o ciclo vicioso: como temem perder votos, não retiram moradores das zonas de risco. Quando as chuvas matam, desabrigam e destroem, se apressam em declarar estado de calamidade pública e distribuir donativos. Assim que as águas baixam, deixam que os moradores voltem a ocupar áreas sujeitas a inundação e deslizamento. Não é preciso esperar por leis de Brasília para acabar com esse teatro macabro.

São Paulo, estado mais rico da federação, deveria estar na vanguarda das políticas públicas para enfrentar os eventos climáticos extremos. Empossado há menos de dois meses, Tarcísio seguiu até agora o roteiro previsível. O teste começará quando a atenção da opinião pública se voltar para outra questão. Se não estiver preparado para o próximo desastre, as mortes entrarão na sua conta. Hoje as prioridades urgentes dele e dos prefeitos são isolar as áreas de risco para evitar mais mortes e prestar ajuda aos desalojados. Farão um favor se evitarem declarações sobre o ineditismo dos índices pluviométricos. Passada a emergência, é responsabilidade dos gestores públicos trabalhar ao longo do ano para prevenir mais mortes e prejuízos provocados por desastres naturais. Temporais não são controláveis. Seus danos são.

Permanência de concessionária abre perspectiva melhor para Galeão

O Globo

Empresa de Cingapura decidiu manter a concessão se conseguir obter revisão de termos do contrato

A súbita mudança de cenário para o Aeroporto Internacional Tom Jobim/Galeão, no Rio, abre perspectivas menos traumáticas para um dos principais terminais do país. Segundo o Ministério de Portos e Aeroportos, a Changi, empresa de Cingapura sócia da Infraero, desistiu de devolver o negócio à União, recuando da decisão anunciada um ano atrás.

A notícia agradou aos três níveis de governo. O ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, já vinha tentando solução menos dolorosa. Segundo a União, a relicitação levaria de dois a três anos, sem contar pedidos de ressarcimento e entraves gerados por qualquer tentativa de levar a questão à Justiça. O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), disse que a decisão é um primeiro passo para melhorar o turismo e a economia do estado. O prefeito Eduardo Paes (PSD) saudou a maior operadora de aeroportos do mundo por querer permanecer no Brasil.

Governo e concessionária deverão voltar a conversar depois do carnaval. As negociações são complexas, pois há inúmeros pontos em aberto. Um dos principais é a intenção da Changi de rever os termos do contrato. O aeroporto foi arrematado em 2013, no governo Dilma Rousseff, por R$ 19 bilhões, com ágio de 294%. O que parecia bom negócio se transformou em fonte de problemas. A concessionária alega que as condições previstas nunca foram alcançadas. O maior aeroporto do Rio foi gradativamente esvaziado. É verdade que a queda brusca na pandemia teve papel importante, mas não foi o único fator. O terminal já vinha perdendo passageiros pelo desequilíbrio evidente em relação ao Santos Dumont.

Apesar do esvaziamento, o governo Jair Bolsonaro concebeu a privatização do Santos Dumont de forma isolada, sem levar em conta o sistema formado pelos dois principais aeroportos do Rio. Num primeiro momento, a despeito da contrariedade dos governos locais, a concessão federal previa aumento no número de voos e autorização para rotas internacionais no terminal doméstico, um absurdo considerando a localização e a capacidade limitada do aeroporto no Centro da cidade. Com o anúncio da desistência da Changi há um ano, a União, em decisão sensata, adiou a privatização do Santos Dumont para que os dois terminais pudessem ser licitados em conjunto.

A permanência da atual operadora naturalmente simplifica o cenário, mas rever contrato não é questão trivial. Outras concessionárias com problemas já fizeram pedido semelhante sem sucesso. Independentemente do rumo que as negociações tomarem, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e o governo precisam urgentemente tratar da regulação dos aeroportos do Rio. Eles têm de funcionar de forma complementar, respeitando a vocação de cada um, como noutros estados e países. Caso contrário, o sistema continuará desbalanceado, causando prejuízos à economia e ao turismo da principal porta de entrada de estrangeiros no Brasil. É um contrassenso turbinar o terminal doméstico e abandonar o internacional, onde já foram investidos tantos recursos públicos e privados.

Tragédia recorrente

Folha de S. Paulo

Chuvas evidenciam mudança do clima a exigir de governos um plano de adaptação

O dilúvio mortífero abatido sobre o litoral norte de São Paulo se enquadra na categoria dos desastres sazonais cuja repetição destoa em tudo da capacidade do poder público —ou falta dela— de se preparar para defender a população.

A cada passagem do ano, Sudeste e Sul do país, assim como o litoral do Nordeste, se veem inundados por chuvas torrenciais. Ruas e bairros deslizam morro abaixo, sepultando famílias inteiras. Desta feita, o epicentro da tragédia calhou de ser São Sebastião (SP) e municípios lindeiros.

Há mais que repetição na pluviosidade e na incúria. Em alguns locais caíram mais de 600 mm em poucas horas, mais de 600 litros por metro quadrado, acima da média de todo o mês de fevereiro.

Tamanho jorro se qualifica como o que meteorologistas e climatologistas chamam de eventos extremos. São paroxismos de precipitação, estiagem ou temperatura que desbordam até das amplitudes máximas sugeridas por curvas obtidas de médias históricas.

Fenômenos que ocorriam só em escalas de séculos se amiúdam em consequência das mudanças do clima ocasionadas pelo aquecimento da atmosfera. Enchentes, secas e incêndios florestais devastadores passam a eclodir em ritmo de décadas, quando não se tornam anuais.

Tudo está previsto há décadas, igualmente, por modelos computacionais de projeção do clima. Médias históricas se tornam de pouca valia para planejar obras de infraestrutura, como estradas, pontes e galerias pluviais, assim como sistemas de defesa civil e salvamento.

Conferências sobre crise do clima se sucedem desde 1992 sem que as nações acordem providências efetivas para mitigar o aquecimento global. Para contê-lo na margem de 1,5ºC, como se decidiu em 2015, seria necessário cortar emissões de carbono pela metade neste decênio e zerá-las até 2050.

A cada ano que passa, a janela de oportunidade se estreita. Governos brasileiros, como tantos outros, concentram políticas públicas na mitigação, ocupando-se quase só do desmatamento na Amazônia, nossa maior fonte de emissões, e mais recentemente no cerrado.

Claro está que é obrigação fazê-lo, em tudo ignorada pela administração de Jair Bolsonaro (PL). Já não basta. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recompôs a prioridade para o tema, mas só o enfrentará de modo consequente quando liderar um plano nacional de adaptação para a mudança incontornável do clima.

Instalar sirenes de alerta que funcionem a tempo é o mínimo; no médio e longo prazo, só uma política portentosa de habitação e saneamento básico defenderá os brasileiros pobres de hecatombes que retornam a cada verão.

O gênero da linguagem

Folha de S. Paulo

Línguas mudam lentamente por aceitação popular; não é papel do Estado interferir

A chamada guerra cultural em torno de temas como aborto, drogas e sexualidade intensifica a polarização política entre ditos progressistas e conservadores. O embate surgiu e é mais acirrado nos EUA, mas o Brasil incorpora suas pautas.

Uma delas é a linguagem neutra, que propõe mudanças na língua para incluir pessoas não binárias, que não se identificam com o gênero feminino ou masculino —e segundo estudo publicado na Nature, constituem cerca de 1,2% da população no Brasil e de 2% no mundo.

Pelas alterações propostas, o pronome "todos" vira "todes", adjetivos como "bonito" e "bonita" viram "bonite" ou "bonitx", e, além de "ele" e "ela", acrescenta-se o "elu".

No último dia 11, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional uma lei de Rondônia que proíbe o uso dessa linguagem em instituições de ensino.

A Corte entendeu, corretamente, que a lei estadual viola competências da União. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, federal, estipula regras sobre currículos, conteúdos programáticos, metodologia de ensino e atividade docente.

Além de seguir essa norma técnica, o STF acertou ao impedir que o governo interfira de modo censório no uso da língua. Não é papel do Estado definir como as pessoas se comunicam no dia a dia, e tal restrição vale tanto para interditos quanto para a promoção de novos estilos de linguagem.

A língua, como toda manifestação cultural, não é imutável. Rupturas de valores ao longo do tempo e contatos entre os povos geram novidades cuja aceitação popular é paulatina. Apenas a partir do uso generalizado, palavras são incorporadas aos dicionários.

Em relação à sintaxe (a concordância entre as palavras), mudanças são raras, pois afetam a estrutura da língua —caso da linguagem neutra. Na frase "todas as vítimas morreram", a troca para "todes" exige a criação do artigo "es". Já o termo "vítima" termina em "a", mas não se refere apenas a pessoas do gênero feminino; deveria ou não ser trocado por "vítimes"?

Diferentes identidades sexuais e de gênero merecem respeito, e pessoas que as manifestam têm direitos que devem ser garantidos como para qualquer cidadão. A diversidade é um valor democrático.

Mas pode-se questionar se, num país em que quase metade dos jovens tem dificuldade para interpretar textos, mexer profundamente na língua seria estratégia de fato eficaz contra o preconceito.

Governando com o fígado

O Estado de S. Paulo.

Lula parece se sentir credor do Brasil. Não se governa um país com sede de vingança.

O Diretório Nacional do PT aprovou há poucos dias uma resolução eivada de ressentimentos e mentiras, cujo único objetivo parece ser reescrever a história recente do País para lavar a alma da militância depois de uma série de reveses políticos e judiciais sofridos pelo partido. Quem lê aquele documento sai com a nítida impressão de que o Brasil tem uma dívida praticamente impagável com os petistas, sobretudo com a sra. Dilma Rousseff e com o presidente Lula da Silva.

Ora, todos sabemos que Lula da Silva é hoje muito maior do que o PT. Ao longo de mais de quatro décadas, o lulismo se firmou como um movimento político de expressão muito mais relevante que o petismo, se é que, de fato, existe essa distinção. É óbvio, portanto, que o teor da resolução aprovada pelo partido reflete exatamente o que sente e pensa o presidente da República hoje. E isso não é nada bom para o País.

No universo paralelo de Lula e do PT, Dilma Rousseff era a timoneira de um país que ia de vento em popa rumo ao inescapável encontro com seu futuro de paz social e prosperidade econômica até sofrer um “golpe”, em 2016, perpetrado pelas “elites”, pelos “inimigos do povo brasileiro” ou coisa que o valha. Já o partido, nessa visão mendaz da história, teria sido vítima de “falsas denúncias” de corrupção à época dos escândalos do mensalão e do petrolão.

Não é o caso, aqui, de contrapor com uma enormidade de evidências factuais as grosseiras lorotas difundidas pelo PT em sua resolução, até porque seria um trabalho inútil. Petistas fanáticos jamais aceitariam o fato, de resto incontestável, de que o impeachment de Dilma foi conduzido estritamente segundo a Constituição – salvo quando, em seu desfecho, preservou os direitos políticos de Dilma em vez de cassá-los, numa maracutaia típica daqueles tempos esquisitos. Os fiéis da seita lulopetista igualmente ofendem-se quando se demonstram os inúmeros crimes de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro cometidos pela patota.

A questão de fundo é menos a resolução do PT – que, afinal, é uma organização privada e pode defender o que bem entender – e mais o que ela representa: os humores de Lula da Silva.

Seja pelo que se depreende do texto da resolução, seja pelos discursos do próprio presidente, que se recusa a descer do palanque mesmo tendo sido eleito para governar no interesse de todos os brasileiros, este terceiro mandato presidencial do petista, o quinto do PT, parece orientado a reparar as “injustiças” que teriam sido cometidas contra o partido e alguns de seus próceres, e não a reconstruir o País e o tecido social após a tragédia que foi o governo de Jair Bolsonaro.

Ao que parece, o triunfo eleitoral de Lula da Silva na difícil eleição presidencial passada, aos olhos dos petistas, tem o condão de autorizar o presidente a privilegiar os interesses particulares do PT e a trair a aspiração maior de muitas forças políticas que o apoiaram no segundo turno da eleição de 2022: a construção de uma frente ampla pela democracia não só para derrotar Bolsonaro, mas também para governar o País.

Se os ressentimentos de Lula da Silva e a sede de vingança que parece animar as lideranças petistas são genuínos ou nada mais que tática para manter a militância mobilizada a despeito de certas decisões impopulares que o governo logo terá de tomar, pouco importa. O fato é que não é assim que se governa um país. Menos ainda um país que precisa tanto se reconciliar e se reunir em torno de consensos mínimos como o Brasil.

O presidente Lula da Silva precisa ser magnânimo e reconhecer a existência de um centro liberal democrático que foi fundamental para sua vitória, por entender que era ele, e não Bolsonaro, a pessoa mais indicada para governar o Brasil pelos próximos quatro anos. Voltar as costas para essas forças políticas é, na prática, aniquilar as chances de reconstrução nacional já no nascedouro.

O rancor nunca foi um bom guia. Do presidente Lula da Silva se espera a grandeza de compreender que, nesta quadra da história do País, é justamente a diversidade que deve prevalecer, não o espírito de corpo.

Reformar a administração é reformar o País

O Estado de S. Paulo.

Haddad afirma que reforma administrativa não terá ‘grandes ganhos em cortes de despesas’, mas se esquece de que ela terá repercussões positivas que vão além da economia de recursos

Em jantar com empresários ocorrido no último dia 15, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que é ilusório achar que a reforma administrativa trará uma significativa redução de despesas públicas. “Não acho que a reforma administrativa precisa ir na frente. É ilusório achar que a reforma administrativa vai ter grandes ganhos em cortes de despesas. Melhor que a reforma administrativa é digitalizar serviços, fechar torneiras de auxílios. Podemos atacar penduricalhos (de pessoal) na tributária sobre a renda, acabar com algumas isenções”, disse ele.

De fato, a digitalização de serviços públicos deve ser medida prioritária de qualquer governo (e nisso o País já se encontra atrasado), assim como o combate à distribuição seletiva e/ou ineficiente de recursos públicos. Haddad também está correto quanto à reforma da tributação da renda. Pesquisas apontam que os estratos mais ricos da população, além de deter porção esmagadora da riqueza nacional, chegam a ter até 90% de sua renda isenta do imposto correspondente.

Mas isso não significa que a reforma administrativa, objeto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 32, deva ser mantida em seu sono profundo. Essa PEC, apresentada em setembro de 2020, tem amplo e relevante escopo, voltando-se a todos os órgãos estatais nos três níveis de governo e prevendo uma série de normas gerais sobre políticas de gestão de pessoas.

A aceleração de sua tramitação é medida que se impõe, ainda que, como pressente Haddad, fosse “ilusório achar que a reforma administrativa vai ter grandes ganhos em cortes de despesas”. Isso porque não se trata de promover, pura e simplesmente, “cortes de despesas”.

Não se nega a importância dessa medida, ainda mais em um país que gasta um porcentual elevado do seu Produto Interno Bruto com funcionalismo público – cerca de 12%, um dos maiores índices do mundo. Entretanto, para além desse porcentual, é preciso recordar que uma reforma da Administração Pública envolve projetos e iniciativas da maior importância, a começar da melhora na gestão e prestação de serviços públicos como saúde, segurança e educação, serviços que a maior parte da população não tem como usufruir senão através do Estado.

Essa melhora é alcançável, por exemplo, a partir da seleção e alocação criteriosa dos servidores públicos, com avaliação de seu desempenho para eventual perda do cargo ou recompensa via políticas de remuneração, respeitado o teto. Disso provavelmente decorrerá o aperfeiçoamento da formulação e execução de políticas públicas, o ganho de eficiência dos serviços prestados e o próprio incremento das condições de trabalho dos servidores. Além disso, um Estado bem organizado administrativamente poderá substituir gastos com cargos obsoletos ou extintos – uma realidade visível em qualquer repartição pública no Brasil – por investimentos em infraestrutura. Mais ainda: um Estado bem organizado administrativamente é também fonte de atração de investimentos nacionais e estrangeiros, com as consequências que conhecemos em termos de emprego e modernização.

A progressiva aproximação a esse estado de coisas trará consigo os “ganhos em cortes de despesas” mencionados por Haddad, do que decorrerá maior disponibilidade de recursos para uso do Estado, algo mais do que bem-vindo em um país como o nosso, cujas despesas obrigatórias já superam 90% do Orçamento público federal.

Enfim, a realização de uma reforma administrativa pode contribuir também para a redução da desigualdade no País, uma das principais bandeiras do partido do ministro da Fazenda. A PEC 32 proíbe, por exemplo, benefícios como as promoções e progressões baseadas exclusivamente no tempo de serviço, as férias de mais de 30 dias e a aposentadoria compulsória como modalidade de punição. Benefícios como esses comprometem a capacidade financeira do Estado, inclusive para prover serviços básicos às pessoas que dependem dele para obter tais serviços, o que só reforça a desigualdade. Diante de tudo isso, não parece haver argumentos racionais para tratar a reforma administrativa como algo que possa esperar.

Médicos para todos

O Estado de S. Paulo.

Desafio do País é garantir que profissionais da saúde estejam onde a população precisa

O Estadão informou que o Ministério da Saúde pretende ampliar o programa Mais Médicos, priorizando a contratação de profissionais formados no Brasil e, corretamente, sem recorrer a novo acordo com o governo de Cuba. A notícia é boa, na medida em que ajudará o País a oferecer atendimento de saúde à população, um direito fundamental que esbarra na dificuldade de garantir a presença de médicos em todo o território nacional. O governo acerta ao investir em estratégias específicas para levar profissionais de saúde às localidades mais remotas, assim como aos distritos indígenas e às periferias das grandes cidades.

Um dos obstáculos para a fixação de médicos nos rincões do País segue sendo a falta de infraestrutura, seja da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), seja das condições de acesso e moradia em áreas afastadas. O exercício regular da medicina demanda condições adequadas de trabalho, da mesma forma que muitos profissionais relutam em se instalar onde é preciso abrir mão do conforto dos centros urbanos mais desenvolvidos. Tudo isso, claro, é potencializado pelas dimensões continentais do Brasil, bem como por suas desigualdades regionais.

A nova edição da Demografia Médica, levantamento elaborado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), jogou luz sobre a complexidade do tema: o número de profissionais que anualmente ingressam no mercado de trabalho brasileiro bateu recordes nos últimos anos. Em 2022, como informou o Estadão, foram 39,5 mil novos médicos, mais que o dobro do registrado em 2010 (18,7 mil). O dado é positivo e sinaliza que o verdadeiro problema não tem relação com a falta de profissionais, mas com a sua distribuição.

De fato, a quantidade de médicos em atuação no Brasil − 545,5 mil − corresponde a uma taxa de 2,56 profissionais por mil habitantes, índice similar ao de nações desenvolvidas como o Japão (2,5), os Estados Unidos (2,6) e o Canadá (2,7). O CFM projeta que o Brasil deverá superar a taxa média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) daqui a cinco anos. Não se justifica, portanto, que o território nacional possa ter áreas desassistidas.

Criado em 2013, o Mais Médicos continuou existindo após o lançamento de programa similar pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro − o Médicos pelo Brasil. Hoje ambos estão em funcionamento. O Mais Médicos permite a atuação de profissionais formados no exterior que não tenham revalidado o diploma no Brasil − os chamados intercambistas. Ora, uma das estratégias do programa foi fomentar a expansão de cursos de medicina em áreas com menos profissionais. Uma decisão acertada que explica o boom de novos médicos nos últimos anos.

Diante desse novo cenário, cabe ao governo repensar a contratação de médicos sem diploma revalidado. Uma das propostas para tornar o programa mais atrativo é a oferta de cursos de pós-graduação aos participantes, o que parece ser um acerto. O Brasil tem médicos em número suficiente. Cabe ao governo criar incentivos e condições para que eles estejam onde a população precisa.

 

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