Estudo soa alarme para devastação da Amazônia
O Globo
Metade da floresta pode atingir ponto
irreversível de destruição até 2050 — mas ainda há tempo de evitar o pior
Um novo estudo de um grupo internacional de 24 cientistas traça cenários dramáticos sobre o futuro da Amazônia. Na pior hipótese, o desmatamento e o aquecimento global levarão quase metade da floresta a um ponto de devastação irreversível — ou “ponto de não retorno”, na tradução do inglês — até 2050. Liderada pelos pesquisadores Marina Hirota e Bernardo Flores, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a pesquisa, publicada na revista Nature, descarta a possibilidade de colapso total da floresta, pelo menos neste século. Mas faz soar o alarme: 47% da floresta poderá ficar exposta a distúrbios climáticos. Será o fim da Amazônia como conhecemos, com impacto no regime de chuvas, no clima do continente, além de efeitos incontornáveis no agronegócio e noutros setores da economia.
É um alento que o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, com Marina Silva à
frente do Ministério do Meio Ambiente e
da Mudança do Clima, tenha conseguido já em seu primeiro ano reverter a
tendência destrutiva da gestão Jair Bolsonaro. A taxa anual de desmatamento na
Amazônia Legal caiu 22% entre 2022 e 2023, segundo dados do sistema Prodes, do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os alertas de perda de
vegetação caíram à metade. Mas será preciso andar mais rápido para evitar o
pior. Em entrevista ao GLOBO, Flores declarou ser imprescindível atingir metas
ambiciosas em duas frentes para garantir a saúde da Amazônia. No âmbito
nacional, acabar com o desmatamento até 2030, como prometido pelo governo. Em
escala global, zerar as emissões dos gases de efeito estufa até 2050.
Intitulada “Transições críticas no sistema da
Floresta Amazônica”, a pesquisa é a análise mais completa já feita sobre a
devastação irreversível, hipótese apresentada há mais de duas décadas pelo
climatologista Carlos Nobre, também coautor do novo estudo. Seu foco são
fatores que regulam o estresse hídrico, como histórico de chuva anual, duração
da estação seca e desmatamento. Para calibrar as projeções, os cientistas
usaram estimativas de quanto a Amazônia deverá esquentar devido ao aquecimento
global. Em seguida, determinaram as áreas em que a água disponível permitirá a
manutenção da cobertura de vegetação atual.
Abaixo de um intervalo entre 1.000mm e
1.250mm de chuva por ano, a floresta é inviável. “A suscetibilidade varia nos
diferentes ecossistemas amazônicos”, diz Marina Hirota. “Não é que as árvores
morrerão de uma vez, mas começarão um processo de degeneração, que não tem
volta porque se retroalimenta.” As regiões de maior risco estão no leste do
Amazonas, no oeste do Pará, no sul de Roraima e no norte de Mato Grosso. Nas
áreas já degradadas é urgente restaurar a mata nativa.
Salvar a Amazônia deve ser uma política de
Estado inegociável. Ela armazena entre 360 bilhões e 730 bilhões de toneladas
de carbono, quase 30 vezes as emissões anuais do maior poluidor mundial, a
China. Mais de 3 milhões de espécies vivem na região, responsável por 10% da
biodiversidade global e hábitat para um terço das árvores tropicais. Garantir a
sobrevivência da floresta e o bem-estar dos 40 milhões de brasileiros que vivem
por lá é um dos principais desafios do país. Mais de 15% dela já foi derrubada.
Mas é possível recuperá-la com políticas determinadas de combate ao
desmatamento e restauração da mata. Só não pode haver espaço para negacionismo
e negligência.
Regulamentação estadual das bets deveria
esperar diretrizes federais
O Globo
Ao encarar mercado de apostas como mera fonte
de arrecadação, estados arriscam gerar confusão regulatória
Após debates intensos no Congresso, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou no fim do ano passado a lei que
regulamenta as apostas em
que o jogador tenta prever resultados de eventos sabendo quanto ganhará caso
acerte — tecnicamente classificadas como “de cota fixa”. A regulamentação das
empresas que oferecem tais apostas, chamadas bets, era necessária para
disciplinar um mercado que, a despeito do crescimento, ainda era tratado com
preconceito.
A regulamentação traz várias vantagens.
Primeiro, fixa normas para um mercado que vivia no limbo. Segundo, permite que
o Estado passe a arrecadar com a atividade (a lei determina outorga de R$ 30
milhões e taxação de 12% sobre a renda das plataformas). Já neste ano, o
governo federal prevê receber R$ 10 bilhões, valor que deverá aumentar no
futuro. Parte do que for arrecadado será destinada às áreas de educação,
segurança pública, esporte, turismo, seguridade social e saúde (para mitigar
danos do vício em jogos).
Não era difícil prever que esse mercado
promissor despertaria cobiça. É o que está acontecendo. Como mostrou
O GLOBO, antes mesmo de o governo federal concluir a regulamentação,
estados correm para criar suas próprias regras. Rio de Janeiro e Paraná
definiram valores para o pagamento de outorgas e estipularam percentuais sobre
a receita inferiores ao previsto na legislação federal. O Ministério da Fazenda
teme uma guerra entre as unidades da Federação em torno das bets e tenta
convencer governadores a esperar os detalhes finais de Brasília. Até o mês que
vem, novas portarias devem ser publicadas com diretrizes para auditorias,
publicidade e inscrições de bets.
Não é ilegal a atitude dos governadores. As
bets podem optar por ter uma licença local, que lhes permita atuar no estado
onde estão registradas. Nesse caso, somente apostadores que moram nesses
estados ou lá estejam poderiam acessar a plataforma. Não há impedimento também
para que estados ofereçam outorgas e taxações próprias. Apenas nos aspectos não
financeiros deverá prevalecer a legislação federal.
O risco da correria é os estados criarem uma
confusão regulatória, deflagrando uma guerra para atrair as empresas. Eles têm
direito de criar suas próprias normas, mas seria mais sensato esperar a
definição federal que disciplinará o mercado de apostas. Os governos estaduais
agem como se a arrecadação fosse um fim em si. Há outras questões relevantes na
regulamentação, como as mencionadas pelo Ministério da Fazenda (auditoria,
propaganda e inscrição das bets).
Outro ponto crítico é coibir as fraudes. A
tramitação da lei ganhou fôlego depois que eclodiu o escândalo de jogadores que
recebiam propina para cometer pênaltis ou levar cartões, de modo a favorecer
apostas fraudulentas. O esquema mostrou que o mercado precisava de regras para
atribuir responsabilidades e estabelecer punições nesses casos. Evidentemente,
a arrecadação é importante, mas é só parte da questão. O risco é a lei se
transformar apenas num instrumento de alívio aos cofres da União e dos estados.
Explosão inédita de dengue testa articulação
da Saúde
Valor Econômico
Casos podem chegar a 4,2 milhões este ano e
há risco de aumento da pressão sobre as redes pública e privada de saúde
Hospitais públicos e privados estão prestes a
ser submetidos a um novo teste. Depois da tragédia da pandemia de covid-19,
quando não havia leitos nem médicos em número suficiente para a atender a uma
repentina massa de brasileiros doentes, desta vez é a dengue que pode causar
problemas.
A memória dos piores momentos da pandemia
talvez faça com que a atual crise seja, em alguma medida, minimizada. De fato,
são dois momentos bem diferentes. Em 2020, por semana, chegaram a ser
registrados mais de 300 mil novos casos de covid. Em 2021, mais de 500 mil por
semana. E em 2022, mais de 1 milhão. Durante a crise sanitária, um colapso se
instalou em hospitais pelo país, de São Paulo a Manaus.
Os números da dengue são de outra magnitude.
Desde janeiro, os novos casos ficam na casa dos 50 mil por semana. Nas últimas
duas semanas do mês passado, essa marca pulou para mais de 120 mil. Se os
números são bem menores do que os do pesadelo da covid, ainda assim são
preocupantes. As cifras da dengue de janeiro de 2024 já são os maiores em 40
anos.
Na primeira semana epidemiológica de janeiro
de 2023, 12.643 casos de dengue foram registrados no país. Na primeira semana
de janeiro de 2024, 54.496 casos. Na quinta semana epidemiológica (entre o fim
de janeiro e o início de fevereiro) de 2023, foram contabilizados 27.932 casos
de dengue. Na mesma quinta semana de 2024, foram registrados, segundo o
Ministério da Saúde, 126.731 casos.
A dengue é uma velha conhecida. Chegou a ser
erradicada no Brasil e de grande parte dos países das Américas na primeira
metade do século 20, mas voltou como um problema de saúde pública nos anos
1980. Sua evolução anual obedece a um calendário também conhecido. Começa a
crescer em janeiro, e em abril e maio, a recuar.
Em 2023, foram, ao todo, 1.658.816 casos da
doença. Este ano, o Ministério da Saúde trabalha com alguns cenários, e no pior
deles o país terá 4,2 milhões de casos. Nunca desde o retorno da doença houve
uma marca tão grande. Para o médico Kleber Luz, professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte e consultor da Opas e da OMS sobre arboviroses,
o risco deste ano é de um congestionamento nos serviços de saúde de algumas
regiões mais afetadas. Em algumas regiões, a preocupação é que o sistema não aguente
tanta gente adoecendo, segundo ele.
A pressão no sistema de saúde tende a ser
menos por UTIs - como foi na pandemia - e mais nos postos de saúde e
atendimentos hospitalares. Em geral, são pacientes com um grau menor de
complexidade. A questão neste ano é a quantidade dos casos.
Fabio Baccheretti, presidente do Conselho
Nacional dos Secretários de Saúde e secretário de Saúde de Minas Gerais, diz
que cerca de 10% dos casos tendem a precisar de internação. E que num quadro de
1 milhão ou 1,5 milhão de casos por ano de dengue, esse percentual de pacientes
consegue ser atendido. O problema, aponta ele, será a pressão exercida por 4
milhões de casos.
A vacina do laboratório Takeda, aprovada no
fim de 2023 pela Anvisa e adquirida pelo governo federal, tem ainda oferta
muito limitada. Segundo o Ministério da Saúde, serão 6 milhões de doses
entregues este ano (para imunizar 3 milhões de pessoas) e 9 milhões de doses em
2025. A população a ser imunizada contra a dengue é de cerca de 60 milhões.
Eliminar pontos de água parada, que servem de
criadouros para o Aedes aegypti, continua sendo a tarefa número 1 no combate à
doença. Há quase um século, a erradicação se deu com o uso de pesticidas
extremamente agressivos, que hoje não seriam aceitos como método de controle em
grande escala do mosquito. Campanhas e as ações de fiscalização em residências,
empresas e áreas públicas - embora indispensáveis e urgentes - não têm surtido
o efeito necessário.
A disparada dos casos deste ano indica que a
população não consegue levar tão ao pé da letra a atenção com possíveis focos
do mosquito da dengue em casa ou no trabalho. As altas temperaturas provocadas
pelo El Niño e a atípica circulação de quatro sorotipos da dengue no país
também pioram a situação.
Em dezembro, o ministério repassou R$ 256
milhões a Estados e municípios para ações contra as arboviroses (dengue, zika e
chicungunya). Ethel Maciel, secretária da Secretaria de Vigilância em Saúde e
Ambiente, do Ministério da Saúde, ou diz que, dada a evolução dos números, o
valor repassado poderá ainda crescer R$ 1,5 bilhão. Além de verba, o ministério
tem tratado com profissionais de saúde de instituições públicas e privadas
sobre protocolos de cuidado.
De acordo com ela, a preocupação principal é
evitar mortes. Muitas vezes não é possível evitar de contrair dengue e adoecer.
Mas a morte por essa doença é evitável, ressalta. De 524.066 casos prováveis de
dengue registrados até quarta-feira 14, havia 346 mortes em investigação e 84
confirmadas por dengue.
A epidemia de dengue exige este ano mais do
um conjunto de ações do ministério. Demanda, diz Adriano Massuda, médico
sanitarista e professor da FGV-Eaesp, uma articulação bem azeitada entre
Brasília e os 5.568 municípios, que, na grande maioria das vezes, são os
executores das ações.
Se essa articulação falhar, as redes de saúde estarão sob pressão pelos inéditos 4,2 milhões de casos de dengue no ano.
Fuga inédita pede reação à altura
Folha de S. Paulo
Gestão de penitenciárias federais entra em
xeque após presos escaparem em Mossoró, o que trará desgaste óbvio ao governo
Em uma preocupante demonstração de força e
desfaçatez do crime organizado no Brasil, dois detentos escaparam na
quarta-feira (14) de uma penitenciária federal de segurança máxima em Mossoró
(RN), a 277 quilômetros de Natal.
Fugas como essa deveriam ser uma contradição
em termos. Estabelecimentos dessa natureza foram desenhados para isolar líderes
de facções criminosas e aprisionar bandidos de alta periculosidade, mantendo-os
sob vigilância constante e grau elevado de restrições.
Ainda não se sabe como conseguiram driblar
todo o aparato de segurança; suspeita-se que tenham se valido de materiais de
uma obra no pátio do local para abrir um furo no teto da cela —e é de imaginar
que não possam tê-lo feito sem o concurso de ao menos um agente.
Para o juiz federal Walter Nunes, corregedor
da Penitenciária Federal de Mossoró, esse foi o episódio mais grave da história
dos presídios de segurança máxima no país. Com efeito, instalados em nível
nacional a partir de 2006, não tinham registrado fuga, rebelião ou entrada de
materiais ilícitos —até agora.
Dado que tais estabelecimentos integram o
Ministério da Justiça e da Segurança Pública, o ineditismo e a gravidade da
situação envolveram Ricardo Lewandowski em uma
crise meros 13 dias após ter assumido o comando da pasta.
Como resposta, o ministro destituiu o diretor
da penitenciária e nomeou um interino para o cargo. Além disso, mobilizou um
exército para tentar localizar os fugitivos e adotou medidas questionáveis,
como a suspensão de
banhos de sol e de visitas sociais ou de advogados nos presídios federais.
Qualquer reação, contudo, será vista como
insuficiente pela oposição, que se aproveitará dessa circunstância para
fustigar a claudicante política de segurança do PT.
Que o episódio custará caro para o governo,
isso não se discute. Seria precipitado, entretanto, assumir qualquer ligação
entre a fuga e as diretrizes de Lewandowski —ou de seu antecessor, Flávio Dino—
para a área; é preciso que as investigações esclareçam quantos degraus na
cadeia de comando foram de fato comprometidos.
Enquanto isso, medidas como a revisão dos
equipamentos e protocolos de segurança nas cinco unidades penitenciárias
federais, já determinadas pelo ministro, devem ser apenas o primeiro passo para
detectar outros possíveis pontos vulneráveis do sistema.
Em paralelo, é pertinente o debate acerca do
emprego e da gestão de tais estabelecimentos. Alguns analistas acreditam que
eles têm baixa eficiência na redução dos crimes —ou pior, que ajudaram a
nacionalizar as facções.
Diplomados de baixa renda
Folha de S. Paulo
Cresce no Bolsa Família fatia de formados no
ensino superior, que tem distorções
A conclusão do ensino superior está
relacionada ao aumento da renda pessoal, mas a mera posse de um diploma tem
sido menos garantia de emprego ou bons salários.
Segundo estudo do Instituto Mobilidade e
Desenvolvimento Social, com dados do IBGE, 3,6% dos brasileiros entre 18 e 65
anos em moradias que se enquadram no cadastro de famílias pobres (1,6 milhão de
pessoas) tinham curso superior em 2022 —expressiva alta de 1,5 ponto percentual
ante 2016.
O cadastro é necessário para obter
assistência social de programas como o Bolsa Família. Das pessoas da mesma
faixa etária que disseram ter recebido esse benefício, 256 mil
(2,1%) concluíram uma faculdade, ante 84 mil (0,9%) em 2016.
A pandemia provavelmente contribuiu para a
alta, mas de todo modo os números reforçam tendência já apontada em pesquisas
amostrais de queda da renda dos mais escolarizados nos últimos anos.
Como de costume no país, há grande
desigualdade no ensino superior brasileiro —neste caso, acentuada pelo Estado.
As universidades públicas e gratuitas, que
têm gasto por aluno comparável aos de países desenvolvidos (US$ 14.735,
ante US$ 14.839 na OCDE), atendem pouco mais de 2 milhões de alunos,
enquanto outros cerca de 7,3 milhões recorrem à rede privada, de qualidade
sabidamente inferior.
Um fenômeno recente e preocupante, aliás, é a
explosão das matrículas na educação a distância.
Enquanto isso, alternativas como o ensino
técnico não recebem a devida atenção. Relatório de 2022 da OCDE mostra
que só 8% dos
brasileiros no nível médio cursam essa modalidade; na média dos
países da entidade, são 44%. Estamos bem abaixo até de vizinhos como Chile
(29%) e Colômbia (24%).
Cumpre, nesse sentido, ofertar mais cursos em
compasso com as necessidades do mercado e avançar na reforma do ensino médio,
que valoriza a formação técnica.
Já no ensino superior, é necessário diversificar o financiamento das universidades públicas, buscando aportes dos beneficiários de renda mais elevada, e tornar mais efetivo o sistema de avaliação dos cursos a cargo do MEC.
O Estado de S. Paulo
Como não há condições de reverter o arrocho
bolsonarista de uma só vez, o correto seria priorizar os servidores da base da
pirâmide salarial, o oposto do que o governo Lula tem feito
O governo Lula da Silva está prestes a
encarar uma pressão ainda maior dos servidores públicos. Para garantir
reajustes salariais e repor as perdas dos anos anteriores, o funcionalismo não
descarta deflagrar uma greve geral e paralisar a máquina pública.
A ministra da Gestão e da Inovação em
Serviços Públicos, Esther Dweck, está ciente desse risco desde o fim do ano
passado. À época, ela reconheceu, em tom de brincadeira, que parte dessa
responsabilidade era do próprio presidente, que sempre incentivou os
trabalhadores a brigar por seus direitos.
Mais do que natural, o respaldo que o governo
tem dado às reivindicações de algumas categorias tem servido de estímulo para
as demais. Em dezembro, a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal
(PRF) conquistaram reajustes escalonados, entre 2024 e 2026, que, a depender da
função, podem chegar a até 27%.
Na semana passada, foi a vez dos auditores da
Receita Federal. Após uma paralisação iniciada no fim de novembro, eles
conseguiram negociar a regulamentação de um bônus de eficiência mensal que
começará em R$ 4,5 mil neste ano e chegará a R$ 11,5 mil em 2026. Funcionários
do Banco Central (BC), por sua vez, rejeitaram uma proposta de aumento de 13%,
parcelado entre 2025 e 2026, e devem paralisar suas atividades nos dias 20 e 21
deste mês.
Muito dessa pressão é consequência das
decisões do governo anterior, de Jair Bolsonaro, que não realizou concursos
públicos e recusou-se a aprovar reajustes em seus quatro anos de mandato. À
exceção das muitas benesses concedidas aos militares, pode-se dizer que o
funcionalismo público pagou o preço do ajuste fiscal bolsonarista.
Quando abriu espaço fiscal adicional por meio
da emenda constitucional da transição, o governo Lula da Silva concedeu um
aumento linear de 9% para todas as categorias, no ano passado. Neste ano,
porém, com a vigência do arcabouço fiscal, o governo tem muitas limitações, e a
opção tem sido negociar aumentos em benefícios como vale-alimentação e
auxílio-creche com recursos que já estavam previstos no Orçamento.
Para conter a pressão, Esther Dweck mencionou
a possibilidade de o governo antecipar reajustes programados para os próximos
dois anos, a depender do resultado da arrecadação. O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, e o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, já disseram
que as receitas surpreenderam positivamente em janeiro e aventaram a
possibilidade de dispensar um contingenciamento em março.
A questão é que não se sabe, ao menos até o
momento, o quanto a arrecadação federal efetivamente subiu, e muito menos se
essa melhora se deve a fatores conjunturais ou estruturais. Se esse aumento se
deve à taxação dos fundos offshore, por exemplo, não é improvável que ele não
se repita ou desacelere nos próximos meses, uma vez que a lei recém-aprovada
criou um incentivo para atualizar os estoques até 31 de dezembro do ano
passado.
Nesse caso, atrelar um aumento pontual da
arrecadação a um reajuste de despesas obrigatórias e permanentes seria
absolutamente temerário. E, na hipótese de que essa melhora seja definitiva, os
recursos deveriam ser poupados de forma a contribuir para o cumprimento da meta
e a construção da credibilidade fiscal do arcabouço.
Por óbvio, é legítimo que os servidores
públicos pleiteiem reajustes salariais e tenham seu poder de compra recomposto
ao longo dos anos. Mas isso deve ser feito sem improvisos e de maneira
planejada, sem comprometimento das metas fiscais.
Como não há condições financeiras de reverter
o arrocho bolsonarista de uma só vez, o correto seria priorizar os servidores
da base da pirâmide salarial. É o oposto do que o governo tem feito, ao
privilegiar as carreiras historicamente mais bem pagas e com remunerações mais
próximas do teto constitucional.
A continuar com essa estratégia questionável,
o governo poderá colher tempestades nos próximos meses. Áreas sensíveis como a
fiscalização ambiental já têm sido afetadas pela greve dos servidores do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama). As perspectivas não são boas.
Só a inteligência protegerá a Amazônia
O Estado de S. Paulo
A pesquisa que estima que até 47% da Amazônia
pode atingir o ponto de destruição irreversível atiça catastrofistas e
negacionistas. O fato é que há tempo e modos de evitar colapso
Se houver inércia, até quase metade da
Floresta Amazônica poderá estar exposta a fatores de degradação grave em 2050,
informou estudo liderado por pesquisadores brasileiros publicado na respeitada
revista científica Nature. Mapeando os fatores de estresse impostos à Amazônia
e como os diferentes tipos de degradação interagem entre si, o estudo estima
que entre 10% e 47% da floresta pode atingir o limiar de transição no
ecossistema, capaz de desencadear transformações irreversíveis. Seria assim o
início do colapso do bioma, aquilo que cientistas chamam de “não retorno”. O
aumento da temperatura acima de 1,5ºC do planeta e o desmatamento acumulado de
20% da cobertura florestal são os dois principais fatores que traçarão o limite
crítico para a floresta, diz a pesquisa.
Em termos resumidos, diante desses alertas,
certamente haverá quem opte pelo simples negacionismo, minimizando os riscos e
os efeitos do desmatamento e das mudanças climáticas sobre a floresta. E também
haverá quem parta para o catastrofismo ruidoso, com pressão ancorada nas
perspectivas mais sombrias, para fazer campanha delirante pelo abandono
completo da exploração econômica da floresta. O risco que une os dois extremos
é a inércia. No primeiro caso, se se nega o problema, não há o que discutir
para corrigi-lo. No segundo, se o colapso está batendo à porta, conclui-se que
serão inúteis as medidas para evitá-lo. Ambas as visões enganam e atrapalham.
É preciso reconhecer que não existe consenso
científico sobre o ponto de não retorno, e que já há alguns anos pesquisas são
publicadas prevendo uma devastação irreversível da floresta. Os críticos do
conceito afirmam que pesquisas baseadas nessas previsões subestimam a
capacidade da floresta de se adaptar à perda de umidade e ao aumento das
temperaturas. Data de 1991, por exemplo, a hipótese de savanização da floresta
(transição para um bioma seco) lançada pelo climatologista Carlos Nobre.
Como lembram os próprios autores, a maioria
dos trabalhos sobre o ponto de não retorno são modelos. Parte deles busca
entender como a Amazônia responderá ao aquecimento global. Outra linha observa
e analisa o papel do desmatamento. Nesses casos, há dois pontos distintos de
não retorno. A mais recente pesquisa revisa os diferentes fatores que estressam
a Amazônia para chegar a um único ponto. Esse é um dos seus méritos, apesar da
falta de consenso científico sobre o não retorno.
Olhando modelos e projeções, o melhor é não
pagar para ver. Não é trivial saber que, até a década de 1960, o desmatamento
da Amazônia não passava de 1% da floresta. Hoje há regiões que beiram os 20%.
Ainda que eventuais transformações projetadas não venham a ocorrer, e se
ocorrerem impactarão as áreas florestais de maneira heterogênea, o fato é que
há tempo e modos de evitar qualquer colapso. Um dos meios mais eficazes é
adotar medidas que aumentem o que pesquisadores chamam de “resiliência
ecológica”, a capacidade de um ecossistema de manter estrutura e interações
semelhantes às originais.
Frear o desmatamento e a degradação florestal
são duas das principais ações para promover essa resiliência. Falta ao Brasil
também pensar um modelo de desenvolvimento que concilie a valorização da
floresta em pé com possibilidades econômicas locais. A sustentabilidade, no
caso, não pode se resumir apenas à preservação da floresta. Deve envolver
também o revigoramento do progresso econômico numa região marcada por pobreza,
desigualdade e criminalidade.
Aos céticos, convém lembrar que há avanços e
possibilidades. Segundo dados oficiais, o desmatamento da Amazônia caiu 50% em
2023 em relação ao ano anterior. Desconsiderando a base de comparação sofrível
da gestão anterior – que desmontou a estrutura de fiscalização e abriu a
porteira para o ecossistema de crimes ambientais –, trata-se de um bom
recomeço. Em paralelo, é preciso expandir as iniciativas de restauração e
recuperar as perdas da floresta. O outro veio requer esforço global: a redução
das emissões de gases de efeito estufa, uma tarefa internacional.
Todo esse emaranhado de causalidades e
possibilidades demonstra que não se resolverá o problema com números e frases
de efeito. Tampouco com alarmismo.
O escárnio das emendas PIX
O Estado de S. Paulo
Nem mesmo o Portal da Transparência é capaz
de identificar em que foi usado o dinheiro
O Portal da Transparência, o site do governo
federal com acesso livre e que, ao menos em tese, serve de instrumento a
qualquer cidadão para monitorar para onde e como o dinheiro público é
utilizado, incorporou um ambiente específico para o acompanhamento das chamadas
“emendas PIX”. O que a princípio parecia ser um bom sinal em direção à lisura
dos gastos públicos revelou-se a comprovação cabal da opacidade em relação à
aplicação de bilhões destinados por parlamentares a seus redutos eleitorais.
Como revelou a Coluna do Estadão, a
ferramenta permitirá saber qual parlamentar indicou o recurso e a prefeitura ou
Estado que o recebeu. Mas a finalidade para a qual se destina o dinheiro
público continuará um mistério. E não é pouco dinheiro: para este ano, um terço
do que senadores e deputados programaram em emendas individuais, ou R$ 8,2
bilhões, é referente à modalidade “transferência especial”, apelidada de “PIX”
pela facilidade com que sai da conta do erário e entra na conta do
beneficiário.
No caso, o apelido nada tem de meritório. Ao
contrário. Se nem o Portal da Transparência é capaz de esclarecer em que é
aplicado o dinheiro que os parlamentares usam para irrigar suas bases, o
descontrole está consagrado; e a incompetência de fiscalizar, sacramentada.
Largamente utilizadas nos últimos quatro anos a pretexto de “desburocratizar” o
processo de financiamento público, as “emendas PIX” na verdade são o estado da
arte da desfaçatez.
Nada tem de desburocratizante uma medida
desenhada para driblar filtros criados justamente para zelar pelo uso de
recursos públicos, depois dos diversos escândalos de corrupção e desvios. Desde
as fraudes cometidas pelos infames “anões do Orçamento”, no fim dos anos 1980,
são inúmeros os exemplos de uso indevido de verbas públicas.
Mas não é apenas a potencial corrupção que
torna a transparência obrigatória. É preciso que os cidadãos sejam capazes de
avaliar se a obra para a qual se destinam os recursos escassos é realmente
necessária e se está de acordo com as reais prioridades do País – e não com os
interesses paroquiais dos caciques de Brasília e seus apadrinhados regionais.
Com as “emendas PIX”, o dinheiro chega às
prefeituras e administrações estaduais antes mesmo das licitações, ou até mesmo
sem que existam quaisquer projetos ou programas de política pública, o que é
claramente um absurdo. A prestação de contas, bem como a elaboração de métricas
para saber se o dinheiro foi de fato bem aplicado, não é um favor, mas uma
obrigação.
A transparência é o principal obstáculo à
corrupção. Já a discricionariedade, caso das emendas parlamentares, costuma ser
uma espécie de convite ao desvio. Portanto, se é concedido o poder de decidir
para onde serão encaminhados os recursos, quanto mais clareza houver no
procedimento, menores serão as chances de desvio.
Por razões evidentes, as “emendas PIX” são um estrondoso sucesso. No ano eleitoral de 2020, elas somaram R$ 621 milhões. Neste ano, que também é de eleição, o valor é 13 vezes maior. E nada faz supor que vai parar por aí.
Câncer infantil: uma discussão necessária
Correio Braziliense
Para este ano, o Instituto Nacional do Câncer
(Inca) estima que serão registrados 8.460 novos casos no país e 2.425 mortes de
pacientes com até 19 anos
Falta de profissionais e dificuldade de
acesso a medicamentos. Ontem, Dia Internacional de Luta Contra o Câncer
Infantil, várias entidades, pediatras e oncologistas expuseram a triste
realidade de bebês e crianças diagnosticados com a doença no Brasil. Diferentemente
de outras patologias, o câncer infantil raramente tem aquela lista de fatores
de risco. Não é porque o pai é tabagista há décadas ou a mãe consome bebida
alcoólica com certa frequência que a criança tem maior chance de desenvolver
alguma neoplasia. Entre todos os tumores, o câncer infantil representa cerca de
3%. Para este ano, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima que serão
registrados 8.460 novos casos no país e 2.425 mortes de pacientes com até 19
anos.
A Sociedade Brasileira de Oncologia
Pediátrica (Sobope) e a Confederação Nacional de Instituições de Apoio e
Assistência à Criança e ao Adolescente com Câncer (Coniacc) se uniram para
divulgar um levantamento sobre a assistência a pacientes com idades até 19
anos. Os primeiros resultados são altamente negativos. Mesmo o câncer sendo a
principal causa de morte por doença entre crianças e adolescentes no Brasil, há
poucos dados sobre as condições de assistência a esse público.
A fragilidade das instituições faz com que o
acesso a informações básicas como principais sintomas, diagnóstico, exames e
tratamentos adequados seja deficitário. A escassez de especialistas, no caso
oncologistas pediátricos, impede que os doentes e suas famílias sejam acolhidos
pelas unidades de apoio por total falta de informação.
Essa imprecisão e, de certa forma, abandono a
esse grupo faz com que o diagnóstico seja tardio, ou seja, grande parte das
crianças chega aos hospitais e unidades de saúde com a doença em estágio
avançado, o que leva a um descompasso entre a intensidade do câncer e a
realização de exames e, posteriormente, o tratamento.
Um outro estudo, publicado em 2021 pelo
Instituto Desiderata, mostra que 43% dos adolescentes são atendidos em
hospitais não especializados em oncologia pediátrica. O mesmo ocorre com 30%
dos bebês menores de um ano e com 24% das crianças e adolescentes até 14 anos;
dos pacientes que não iniciam o tratamento, 40% alegam ser por falta de
informação.
Mas nem tudo é negativo. Desde que o
diagnóstico seja feito precocemente, com o tratamento correto, a chance de cura
pode chegar a 85% dos casos. Daí a importância da ida ao pediatra e a
observação de sintomas como febre, dor de cabeça e indisposição. Em alguns
casos, esses sintomas podem estar associados à anemia por deficiência de
vitaminas e viroses. A leucemia, por exemplo, é marcada por febre, palidez e
surgimento de linfonodos.
É preciso um olhar do poder público sobre a
falta de conhecimento que retarda ou impede chances de cura. Campanhas voltadas
para famílias podem ajudar a fazer circular as informações, com orientações aos
pais sobre a atenção a possíveis sinais como sangramentos, hematomas, caroços e
inchaços, dor nos ossos e letargia. Nunca é demais reforçar a necessidade de
conversar com o filho, observar possíveis incômodos e estar em dia com as
visitas ao médico.
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