sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Vera Magalhães - Segurança mínima

O Globo

Fuga deflagra primeira crise de Lewandowski à frente da Justiça, e expõe vulnerabilidade de presídios federais

A crise deflagrada a partir da fuga de dois presos de uma das principais facções criminosas de um presídio federal que, em tese, era de segurança máxima é de proporções bem maiores que as sugeridas pelas primeiras providências do Ministério da Justiça e pelas declarações ligeiras do ministro Ricardo Lewandowski.

Desde que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal foi designado por Lula para substituir Flávio Dino na pasta que é o centro nervoso do governo, já se sabia que a segurança pública era, a um só tempo, a área mais sensível e aquela com que o indicado tinha menos familiaridade.

Ele, aliás, reconheceu os dois lados da moeda nas declarações que deu e levou em conta a dificuldade específica quando montou sua equipe, preferindo convidar alguém com experiência na prática de combate ao crime organizado para a Secretaria de Segurança Pública, e não um acadêmico defensor das teses tradicionais da esquerda para o tema.

Lewandowski não esperava que a primeira crise viesse do sistema federal de presídios, que, desde seu estabelecimento, em 2006, não havia sido devassado por fugas, rebeliões ou infiltrações comuns a outras prisões tomadas pelas facções. Mas foi de lá que veio o tiro, e a evidência de que essas instituições são mais vulneráveis do que se imaginava faz soar um alerta sobre a possibilidade de as organizações tentarem novas investidas, até mais ousadas.

É justamente por a fuga dos dois presos oriundos da carnificina ocorrida no ano passado num presídio no Acre ser um precedente gravíssimo que as explicações de Lewandowski não são nem de longe satisfatórias. O ministro não dispõe de nenhum elemento fático para afastar a hipótese de que a fuga dos presos tenha contado com premeditação, planejamento externo ou grandes quantias de dinheiro, como fez.

O que explicaria, não fossem justamente essas circunstâncias, os dois, presos em celas individuais, submetidos ao regime disciplinar mais duro, terem escapado no mesmo horário, usando ferramentas que nunca poderiam estar à sua disposição?

Lewandowski procurou usar o fato de os fugitivos não terem contado com um cinematográfico esquema de fuga com carros para sustentar a tese de que não houve infiltração da facção a que pertencem na fuga. Mas nem o resultado da perícia estava disponível quando de sua entrevista breve, em que demonstrou o desconforto de tatear numa área que não é a sua e usou oratória muito semelhante à que empregava para proferir os votos no STF.

A coincidência da fuga inédita com a ausência de Lula do país em razão de uma agenda internacional também cai como uma luva para o intento da oposição de fustigar o governo federal no tema que lhe é mais desfavorável, a segurança, e, de quebra, tentar equilibrar o noticiário e o tráfego dos assuntos nas redes sociais, nas últimas semanas tomados pela sucessão de revelações a respeito dos planos golpistas do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados.

Lewandowski terá de apertar alguns parafusos e demonstrar mais garra e empenho na resolução de uma fuga que pode fazer com que um dos poucos trunfos de que o governo federal dispõe no debate sobre o combate ao crime organizado, justamente a robustez do sistema carcerário federal, caia por terra.

Medidas como as que ele anunciou ontem — reforço de pessoal, adoção de técnicas mais modernas de reconhecimento facial para acesso aos presídios e construção de uma muralha — denotam certo desespero na busca por ter o que dizer quando faltam respostas mais prementes e diretas.

Afinal, quase 48 horas depois, os foragidos não haviam sido recapturados, o que deixa a crise fermentando e contribui para a sensação, por parte da sociedade, de que as autoridades estão perdidas nas buscas e na apuração das circunstâncias da fuga.

 

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