Geração "nem-nem" e o mercado de trabalho
Correio Braziliense
Fatores como abandono escolar, baixo rendimento acadêmico e ausência de competências básicas contribuem de maneira significativa para esse problema
O Brasil passa por um momento desafiador com a crescente ascensão dos "nem-nem", jovens que não estudam nem trabalham. Segundo dados do IBGE, aproximadamente um em cada cinco jovens brasileiros, com idades entre 15 e 29 anos, se encontram nessa situação, totalizando quase 11 milhões de pessoas. Esse quadro se torna mais preocupante entre os jovens de 18 a 24 anos, faixa em que a porcentagem de "nem-nem" chega a 24,4%. Os dados são de 2022 e especialistas acreditam que esses números são ainda maiores dois anos depois.
Uma das principais consequências dessa tendência é a escassez de mão de obra qualificada no Brasil. Fatores como abandono escolar, baixo rendimento acadêmico e ausência de competências básicas contribuem de maneira significativa para esse problema. Além disso, aspectos econômicos e sociais, como a realidade familiar e a condição de pobreza, exercem um papel crucial na perpetuação do fenômeno "nem-nem".
Fato é que jovens que não estudam e não trabalham têm menos oportunidades de adquirir habilidades e experiência, tornando-se menos atrativos para os empregadores. É uma reação em cadeia. Menos jovens trabalhando, um ciclo maior de desigualdade social e dificuldades econômicas, o que tende a comprometer o potencial humano do país.
A começar pelo setor de tecnologia da informação — uma das áreas que mais crescerão nas próximas décadas no Brasil —, o rombo entre a demanda e a oferta será assustador. Um estudo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) mostra que até 2025 a expectativa é a criação de quase 800 mil novos postos, mas o Brasil forma pouco mais de 53 mil profissionais de tecnologia por ano— o que deve abrir um déficit de 532 mil pessoas para trabalhar na área.
Para as empresas brasileiras, a escassez de mão de obra qualificada representa um desafio significativo na contratação e retenção de talentos. Conforme o relatório anual The Future of Jobs, divulgado em 2023, entre os 673 milhões de postos de trabalho analisados pela pesquisa, a estimativa é de que 83 milhões sejam eliminados, enquanto outros 69 milhões devem ser criados. Para lidar com essa realidade, é urgente a necessidade de uma resposta estratégica por parte das empresas e das instituições de ensino, no sentido de investir no trabalho e na educação tecnológica.
Além disso, com a ampliação de inúmeras possibilidades proporcionadas pela inteligência artificial (IA) e pela robótica, sua implementação será um faca de dois gumes: de um lado, o aumento de produtividade e redução de custos de produção; de outro, a possível demissão em massa com a substituição de pessoas por máquinas.
Dados do relatório da Resume Builder revelam que 37% das empresas que usam a IA afirmam que a tecnologia substituiu trabalhadores em 2023. A mesma pesquisa aponta que 44% dessas empresas acreditam que a IA levará a demissões em 2024. Resta saber como a geração "nem-nem" vai se comportar diante desse cenário nos próximos meses.
O Globo
Placar apertado cria temor de que, a partir
de 2025, autoridade monetária esteja sujeita a interferência política
A decisão do
Banco Central (BC) de baixar a taxa básica de juros, a Selic, em 0,25 ponto
percentual, para 10,5% ao ano, demonstrou que a autoridade monetária
está atenta à deterioração do cenário econômico e ao risco inflacionário.
Diante do ímpeto gastador do Executivo e do Legislativo, capaz de alterar as
metas do novo arcabouço fiscal nem bem elas entraram em vigor, reduzir o ritmo
de queda dos juros parece ser a alternativa mais adequada. Mesmo assim, a
decisão despertou preocupação com o futuro.
O motivo foi o placar da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) responsável por tomá-la. Os quatro diretores do BC indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva defenderam corte maior na Selic, de 0,5 ponto percentual, outros quatro defenderam apenas 0,25. O voto de desempate foi dado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Foi o bastante para despertar o temor de que, com mais dois diretores escolhidos pelo PT a partir de janeiro, o BC se torne mais tolerante com a inflação.
O medo é que os interesses políticos se
sobreponham à análise técnica. Se consumidores e empresários se convencerem
disso, estará em risco não apenas a meta de um ou outro ano, mas a própria
credibilidade do regime de metas que, desde 1999, vigora com sucesso no combate
à chaga inflacionária que tanto custou ao Brasil.
Dois fatos corroboram tais temores. Primeiro,
ainda está na memória de todos os agentes econômicos a intervenção política de
outro governo petista — a gestão Dilma Rousseff — no BC. Em 2011, o então
presidente do BC, Alexandre Tombini, deu um “cavalo de pau” na política
monetária, promovendo redução artificial da Selic, em desafio aos indicadores e
modelos consagrados. O resultado foi o superaquecimento da economia, com
ressurgimento da inflação meses depois, seguido de recessão e de uma ressaca
cujo preço o país paga até hoje.
O segundo fato são os repetidos ataques de
Lula a Campos Neto, usado como bode expiatório em boa parte do ano passado para
justificar os percalços da economia. O primeiro encontro entre os dois só
aconteceu em setembro, quase dez meses depois da posse. Lula é um crítico
contumaz da autonomia do BC, aprovada pelo Congresso no governo passado. A
animosidade injustificada contra a atual gestão reforça a convicção de quem
aposta numa mudança de postura da autoridade monetária quando a maioria dos
diretores for formada pelos indicados por Lula.
É certo que não se podem tirar conclusões
apressadas. A ata da reunião, prevista para a semana que vem, deverá ser
esclarecedora. A divergência pode estar apenas no nível ideal almejado para a
Selic. Em comunicado sucinto, o Copom deu a entender que há convergências: “O
Comitê, unanimemente, avalia que o cenário global incerto e o cenário doméstico
marcado por resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior
cautela. Ressalta, ademais, que a política monetária deve se manter contracionista
até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a
ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. Se a ata e, principalmente,
as decisões futuras do Copom confirmarem essa avaliação, os temores perderão
força. Mas desde já está semeada mais uma incerteza.
Aproveitar catástrofe para aprovar gastos sem
conexão é oportunismo
O Globo
Tragédia climática no RS abriu as portas a
toda sorte de projeto para destinar dinheiro a outras regiões
Não se discute que a catástrofe ambiental
ocorrida no Rio Grande do Sul requer a ação rápida do poder público. O
Congresso apressou-se a aprovar o decreto que reconhece o estado de calamidade
pública, a vigorar até o final do ano. A medida permite a liberação de recursos
fora do limite das regras fiscais, como necessário e como estabelece a
Constituição. As ações para socorrer as vítimas da enchente não podem, porém,
ultrapassar as fronteiras gaúchas e ser estendidas a outras regiões por mero
oportunismo político.
É o que tem acontecido em meio ao
compreensível clamor pela liberação de recursos extraordinários para atender a
uma situação especial. Não é sempre que ocorre uma destruição nas proporções da
gaúcha. O desastre ambiental tem sido usado no Congresso para reivindicar um
aumento descabido de despesas com a finalidade de auxiliar outros estados, por
meio das “emendas Pix”, dinheiro transferido de forma rápida a estados e
municípios sem exigência de projetos nem controle.
O governo acertou ao antecipar o pagamento
dessas emendas apenas aos municípios gaúchos. Mas nesta semana o Congresso
aprovou uma proposta de mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para
dar prioridade às emendas destinadas a todos os municípios em estado de
calamidade ou de emergência em saúde pública. Nessa última condição estão 605
cidades em dez estados. Em ano de eleições municipais, os parlamentares estão
interessados em enviar recursos públicos a suas bases. Mas nada justifica usar
para isso a tragédia ainda em curso no Sul do país.
Não é só por meio das “emendas Pix” que
parlamentares querem aproveitar o momento de cofres públicos abertos. Surgiu a
ideia de reeditar um auxílio emergencial, como o da pandemia, para os
trabalhadores informais e desempregados. Dois projetos com esse objetivo foram
apresentados, pelo deputado Domingos Sávio (PL-MG) e pelo senador Alessandro
Vieira (MDB-SE).
O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR)
apresentou projeto prorrogando pagamentos do crédito rural e anistiando a
dívida dos pequenos agricultores que tenham perdido a plantação em todo o país.
É certo que o produtor rural das áreas mais atingidas do Rio Grande do Sul
precisa de auxílio. Mas não faz sentido estendê-lo ao resto do país. A
benemerência descuidada praticada hoje criará dificuldades para financiamentos
no futuro.
A trajetória desse projeto reflete bem o
clima no Congresso criado em torno da catástrofe. Na sua origem, a proposta
visava a aliviar a situação de agricultores prejudicados pela seca. Com as
inundações, foi reciclada e sua abrangência foi ampliada. O senador Alan Rick
(União-AC) tentou aprová-la de forma terminativa, sem passar pelo plenário, na
Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Não conseguiu, mas o projeto continua na
pauta. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), pediu calma “para não
aprovar todo tipo de projeto sem saber quanto custa”. Pelo visto, não tem sido
ouvido.
Divisão eleva temores sobre o futuro do BC
Folha de S. Paulo
Divergência entre indicados do governo atual
e do anterior reforça dúvida sobre política monetária ante pressões de Lula
Diferenças de opinião em colegiados
responsáveis por definir as taxas de juros são
normais em bancos centrais que disponham de autonomia, inclusive no brasileiro.
No entanto a divisão de quarta (8) no Comitê
de Política Monetária do BC, que decidiu por 5 votos a 4 pela redução da
taxa Selic em 0,25 ponto percentual, para 10,5% ao ano, traz dúvidas
sobre motivações de diretores e riscos para a credibilidade da política
monetária.
Os quatro que votaram pelo corte maior, de
0,5 ponto, são justamente os indicados pelo atual governo —grupo que
inclui Gabriel Galípolo, o mais cotado para suceder o presidente da
instituição, Roberto
Campos Neto, cujo mandato vence no final do ano.
É fato, goste-se ou não, que há uma incerteza
elevada em relação à conduta a ser adotada pelo Copom a
partir de 2025, quando os indicados pela administração petista serão maioria.
Dado o pendor de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
a criticar irresponsavelmente o BC, os juros e até o regime de metas de inflação,
o temor de permeabilidade a ingerência política é fundado e agora reforçado,
embora seja conveniente aguardar a ata da reunião para entender as bases da
divergência.
Há razões que justificam a cautela. Nas
últimas semanas piorou o cenário internacional, dada a alta
pressão inflacionária nos EUA, que aumentou as taxas no principal
centro financeiro do mundo.
A robustez da atividade econômica no Brasil,
com boa geração de emprego e renda, tem mantido as pressões na inflação de
serviços, que permanece acima do que seria compatível com a plena convergência
do IPCA para a meta de 3% ao ano.
A deterioração da gestão fiscal, com
afrouxamento das metas para as contas do Tesouro Nacional em 2025 e 2026, além
disso, é outro fator destacado pelo Copom para o maior conservadorismo.
Por fim, as expectativas de inflação para os
próximos dois anos vêm subindo, o que limita o espaço para cortes mais
significativos.
Por essas razões, nas últimas semanas alguns
dirigentes do BC, inclusive Campos Neto, já sinalizavam que o corte da Selic
poderia ser menor que o antes indicado.
Um corte maior não teria sido uma afronta
técnica, dadas as incertezas em torno das variáveis, a comunicação anterior e o
difícil ajuste fino inerente ao processo.
A estranheza advém da mudança de tom no
anúncio da decisão, que sugere ter sido desfeito um alinhamento que prevalecia
até então.
A falta dessa convergência, no momento atual
e com divisão tão clara entre os indicados pelo governo anterior e o atual,
torna mais nebuloso o cenário futuro da política monetária. Todos perderam.
Cerrado em risco
Folha de S. Paulo
Desmate no bioma afeta o país, pois destrói
mananciais e turbina crise do clima
A atenção do país se volta para a tragédia no
Rio Grande do Sul, com toda justiça. Mas não se deve perder de vista que
desastres climáticos resultam de cadeias de fatores que superam fronteiras
regionais e nacionais, pois o aquecimento da atmosfera é fenômeno mundial.
Além da queima de combustíveis fósseis, a
crise do clima tem origem no desmatamento a
grassar pelo território brasileiro.
No Centro-Oeste, a consequência é oposta à
verificada no Sul: perda de recursos hídricos. Isso decorre do aquecimento
global, que diminui chuvas, e da derrubada da vegetação natural para dar espaço
a campos de soja, milho e algodão.
Diz-se que o cerrado é
uma floresta invertida. Suas raízes penetram no solo a profundidades que podem
alcançar o dobro da altura das árvores acima dele. Nessa busca pelos lençóis
freáticos, as raízes favorecem sua reposição —a água da chuva penetra mais
facilmente no solo já descompactado por elas.
Assim, o bioma é conhecido como a caixa
d’água do Brasil. A captação pluvial nesse local, que cobre um quarto do país,
garante boa parte da vazão de bacias tão importantes quanto as dos rios Doce,
Jequitinhonha, Paraíba, Tapajós, Xingu e Madeira, além do Pantanal.
O
abastecimento de mananciais pela savana brasileira é tema da
segunda reportagem da série Cerrado Loteado, publicada pela Folha. E as
notícias não são boas, em especial no Matopiba, zona com expansão acelerada
do agronegócio.
Monoculturas mecanizadas enriquecem o país
com exportação, mas, sem controle, o empobrecem ao diminuírem a percolação
(movimento descendente da água no interior do solo) até os aquíferos, afetando
a vazão de nascentes e rios.
O fluxo também diminui com a irrigação, que
desvia volumes diários várias vezes acima do consumo numa metrópole como São
Paulo.
Seria disparate pressupor ligação direta entre a destruição do cerrado, hoje muito mais acelerada do que a da floresta amazônica, e o flagelo dos gaúchos. Por outro lado, esses processos estão conectados e se radicalizam sob a omissão de governos diante do imperativo de conter a crise ambiental que põe em risco a vida na Terra.
A confusão que o BC terá de desfazer
O Estado de S. Paulo
Se para alguns a decisão da maioria do Copom
soa como provocação a Lula, para outros a dissidência dos novos diretores
sugere que eles estão dispostos a obedecer ao petista
Fazia tempo que uma reunião do Comitê de
Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) não causava tanto ruído no
mercado. Não pela decisão em si, que já era esperada, mas pela forma como ela
se deu.
Como se viu, o Copom reduziu a taxa básica de
juros em 0,25 ponto porcentual (p.p), de 10,75% para 10,50% ao ano. Esse era o
palpite majoritário do mercado, que estava relativamente dividido sobre a
magnitude do corte.
Pesquisa realizada pelo Projeções Broadcast
revelou que 25 analistas esperavam uma redução de 0,25 p.p., enquanto 20
apostavam em uma diminuição de 0,50 p.p. Um corte maior, portanto, não seria
mal recebido pelo mercado.
O problema tampouco foi o placar da decisão.
Colegiados promovem discussões e favorecem o dissenso. É natural que as
decisões não gerem unanimidade e, para evitar empates, o número de integrantes
é ímpar. O Copom tem nove membros, entre eles o presidente do BC, mas seu voto
tem o mesmo peso que o dos demais diretores na decisão final.
A questão é que a divisão entre os
integrantes do Copom abriu margem para dúvidas sobre o caráter técnico da
decisão, o que é muito ruim para um órgão como o Banco Central. Os cinco
membros que votaram pela redução de 0,25 p.p. foram todos indicados pelo
ex-presidente Jair Bolsonaro, enquanto os quatro nomeados pelo presidente Lula
da Silva se uniram em torno de um corte de 0,50 p.p.
Como informou o comunicado divulgado após a
reunião, há fatores sobre os quais todos os diretores concordam. O cenário
externo está mais adverso em razão das incertezas sobre quando o Federal
Reserve começará a reduzir os juros nos Estados Unidos, enquanto o ambiente
doméstico requer cautela em um momento de economia resiliente e expectativas de
inflação desancoradas.
A ata do Copom, a ser divulgada na próxima
semana, certamente trará argumentos favoráveis a cada um dos lados – tanto para
quem defendia uma redução de 0,25 p.p. quanto para quem preferia uma queda de
0,50 p.p.
O ponto não é esse, mas sim o fato de que uma
nuvem de suspeição se instalou sobre o colegiado, e quem contribuiu muito para
criar esse clima foi o verborrágico presidente Lula da Silva, que não perde a
oportunidade de criticar o presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Se para alguns a decisão da maioria do Copom
soa como provocação a Lula da Silva, para outros a dissidência manifestada
pelos novos diretores sugere que eles estão dispostos a obedecer aos comandos
demagógicos do petista. Desfazer essa confusão será bastante desafiador.
Já se sabia que o BC não mais indicaria a
trajetória a ser trilhada tão claramente desde a reunião de março, mas o órgão
deixou o mercado no escuro em um momento que já era suficientemente delicado em
razão do cenário externo.
Afinal, entre a reunião do Copom de março e a
desta semana, o governo alterou as metas fiscais de 2025 e 2026. Tal decisão
elevou sobremaneira a desconfiança sobre o compromisso com o reequilíbrio das
contas públicas. Aparentemente, isso não preocupa quatro dos nove membros do
Copom.
Sobre esse tema, o sucinto comunicado
informou que o Copom acompanha com atenção os “desenvolvimentos recentes” da
política fiscal e seus impactos sobre a política monetária. Para não dizer que
esse risco foi menosprezado, o BC reforçou, “com especial ênfase”, que a
extensão e a adequação de ajustes futuros na taxa de juros serão ditadas pelo
firme compromisso de convergência da inflação à meta – o que envolve, de
maneira indireta, a política fiscal.
A todas as incertezas que já existiam,
soma-se agora o receio de que haja um viés político nas decisões. Para piorar,
tudo isso ocorre no fim do mandato de Campos Neto, que votou pelo corte menor,
enquanto o mais cotado para substituí-lo no cargo, Gabriel Galípolo, votou por
uma redução maior. E em 2025, os indicados pelo petista serão maioria no
colegiado.
O BC terá muito trabalho para explicar a
decisão desta semana de maneira convincente. E o problema é que não bastarão
argumentos técnicos, pois terá de vencer uma batalha que entrou no campo da
política. Uma eventual derrota pode custar a credibilidade da própria
instituição.
O teatro ambiental de Lula
O Estado de S. Paulo
A escalada dos incêndios na Amazônia é só
mais um indício de que a cenografia de Lula para disfarçar a distância entre as
promessas e a ação está em processo acelerado de desmoralização
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais, no primeiro quadrimestre de 2024 os focos de queimadas na Amazônia
aumentaram 154% em relação ao mesmo período de 2023. Em todo o País, o aumento
foi de 81%.
É verdade que parte desse volume é um efeito
colateral da estiagem provocada pelo El Niño. É verdade também que, apesar do
aumento dos incêndios, o desmatamento na Amazônia em 2023 caiu 50% em relação a
2022. Em geral, o desempenho do atual governo em relação ao meio ambiente é bem
melhor que o do anterior. Mas seria preciso um esforço incomum para piorar o
legado ambiental – este sim, genuinamente “maldito” – de um entusiasmado
antiambientalista como Jair Bolsonaro.
Ainda assim, no primeiro ano do governo Lula,
o desmate no Cerrado aumentou 43%, e os 9 mil km² de desmate na Amazônia ainda
deixam o Brasil muito longe da meta de desmatamento zero até 2030. E o recorde
histórico de incêndios na Amazônia em 2024 – 17.182 focos, quebrando a marca de
16.888 em 2003 – está aí para expor o abismo entre a retórica e a realidade
numa área que foi vendida a Deus e ao mundo como uma grife do novo governo.
Lula nunca foi exatamente um entusiasta da
causa ambiental, e sua relação com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
nunca foi exatamente um mar de rosas. Mas, como formidável animal político que
é, Lula sabe como ninguém farejar votos e loas. A defesa do meio ambiente
entrou em cheio nas planilhas de seus marqueteiros petistas, e o presidente
conseguiu passar uma borracha na campanha de difamação contra Marina em 2010.
Nas eleições de 2022, Lula foi vendido aos brasileiros como uma espécie de
herói da floresta e continua a se vender assim nos palcos internacionais.
Todo esse teatro teve seus momentos de
emoção: Lula conseguiu contratar a realização da COP-30 em 2025 e recebeu a
Cúpula da Amazônia em 2023. Com o presidente francês, Emmanuel Macron – aquele
que quer fazer terra arrasada do acordo de livre comércio Mercosul-União
Europeia para proteger seus agricultores –, apareceu saltitando em fotos e
promoveu literalmente uma pajelança na floresta amazônica. Mas os números não
se comoveram. A lua de mel com Macron foi festejada bem longe das comunidades
yanomamis, onde as mortes em 2023 (363) superaram as 343 do ano de 2022,
durante a era bolsonarista, qualificada de “genocida” pelos petistas.
O sucateamento dos órgãos de fiscalização
ambiental por Bolsonaro foi catastrófico. Mas o Brasil logo descobrirá se a
atual greve desses órgãos, que dura desde janeiro, terá um impacto ainda maior.
Não é só melhoria salarial. Em carta aberta, os servidores denunciaram
explicitamente as contradições da gestão petista e a distância entre as
promessas e a prática. Já no fim de fevereiro, os autos de infração na Amazônia
tinham caído na ordem de 70% a 90%. Não só os criminosos estão agindo
impunemente, como as emissões de licenças para obras de infraestrutura estão
paralisadas, com imensos custos para a população mais pobre do Brasil.
Em meados do ano passado, Lula deu de ombros
à evisceração dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas no
remelexo ministerial feito para aplacar o Centrão. Em fóruns internacionais,
fala grosso contra os “ricos” e cobra alto o dinheiro para financiar a
transição energética. Mas, aqui, o gasoduto de dinheiro público para subsidiar
combustíveis fósseis opera a todo vapor.
Que o governo orgulhosamente
desenvolvimentista manobre para desmoralizar o arcabouço e as metas fiscais que
ele mesmo aprovou, não chega a ser surpresa. Já a desmoralização em áreas
especialmente caras para a esquerda – sobretudo para uma nova linhagem progressista
para quem o meio ambiente é uma prioridade absoluta, do tipo “custe o que
custar” – é um pouco mais enigmática. Falta o quê? Competência? Vontade? Talvez
ambos?
Invocar a ameaça do ogro Bolsonaro, apelidado
de “Nero” nas redes sociais progressistas, ainda rende frisson na claque
lulista. Mas para o grande público esse expediente cênico começa a perder o
viço. Os números desabonadores continuam a sair, e a epopeia ambiental do
demiurgo de Garanhuns assume cada vez mais ares de uma tragédia, e da pior
qualidade.
Comando de caça aos ‘traidores’
O Estado de S. Paulo
Em guerra partidária, o governo se aproveita
da tragédia no Sul para intimidar seus críticos
Catástrofes despertam o melhor e o pior das
pessoas. Ante a tragédia do Rio Grande do Sul, o Brasil testemunha gestos de
abnegação, caridade e heroísmo de indivíduos, solidariedade de empresas e
organizações civis e cooperação de instituições públicas. Mas o pânico também
desperta confusão e paranoia. Para as pessoas atingidas diretamente pela
calamidade, a situação ou a percepção de uma ameaça existencial pode ser uma
atenuante para erros ou mesmo um excludente de ilicitude. Para os que estão a
distância, aproveitar-se da comoção para auferir ganhos pessoais é um agravante
moral e eventualmente penal.
A pretexto de combater a desinformação e o
oportunismo, o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência, Paulo
Pimenta, disseminou ele mesmo desinformação para tirar proveitos políticos.
Durante a reunião da Sala de Situação criada pelo governo, Pimenta denunciou
furiosamente “uma indústria de fake news alimentada por parlamentares e
influencers” para atrapalhar os esforços do governo. “Estamos numa guerra”,
disse, e quem age “contra nós” é como uma “quinta coluna”: “traidores” que
devem ser tratados como “criminosos”. Ele prometeu acionar a Polícia Federal
para punir autores de “desinformação” e “mentiras”.
Não há o tipo penal de “fake news” ou
“desinformação”. Opiniões repulsivas ou errôneas, e mesmo mentiras, não são
crimes. O que há, sim, é o uso da mentira para cometer crimes, por exemplo,
contra a honra, como calúnia ou difamação, ou ilícitos patrimoniais, como
estelionato.
No caso, há muitas denúncias de perfis
fraudulentos utilizados para captar doações. São crimes que devem ser
devidamente reprimidos. De resto, há uma profusão de informações desencontradas
e falsas, por exemplo, sobre a tributação das doações ou a fiscalização de
veículos utilizados para o socorro. É o tipo de desinformação danosa, não
necessariamente dolosa, que deve ser combatida com mais informação. O governo
gaúcho criou uma força-tarefa para rastrear esse tipo de falsidade e esclarecer
a população.
O ânimo punitivista de Pimenta é de outra
natureza. Em ofício encaminhado ao Ministério da Justiça, o ministro listou
postagens em redes sociais que, segundo ele, são “narrativas desinformativas e
criminosas”. Com base em uma delas, acusa, por exemplo, que “Eduardo Bolsonaro
criticou a ajuda do governo federal ao Rio Grande do Sul, ao mencionar que o
governo levou quatro dias para enviar reforços”. Eis o “crime”: criticar o
governo petista. Um interlocutor na Sala de Situação sugeriu: “Mandar
prendê-los?”. E Pimenta responde: “Manda prender, não aguento mais ‘fake
news’”.
Se o ministro mistura assim alhos com
bugalhos, não é por ignorância, mas por cálculo. É a “guerra” contra quem age
“contra nós” e deve ser tratado como “traidor”. Jornalistas presentes na
reunião ouviram de viva voz os desejos inconfessáveis do ministro: “Botar para
f... com os caras”.
Nada disso promove a solidariedade e a justiça, só mais cizânia e justiçamentos. Se Pimenta quer castigar oportunistas que disseminam desinformação para ganhos políticos, deveria começar por si mesmo.
Ata do Copom pode esclarecer rumo da política
monetária
Valor Econômico
A sombra da política invadindo decisões técnicas é um pesadelo para a atuação do BC
O rumo da política monetária mudou
rapidamente de uma sequência de seis cortes de 0,5 ponto para a perspectiva de
um abrupto encerramento do ciclo de que da dos juros entre duas reuniões do
Comitê de Política Monetária (Copom). Houve uma guinada entre elas, sinalizada
pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em 17 de abril. A
decisão do BC de reduzir em 0,25 ponto percentual a Selic, para 10,5%,
corresponde a uma das quatro possibilidades listadas por Campos, a que
qualificou de incerteza alta, porém “sem mudanças significativas”. A mudança
dividiu o Copom em dois, com o voto de minerva do presidente do BC dando
maioria aos quatro votos de membros da diretoria indicados pelo governo
Bolsonaro, contra quatro a favor de corte de 0,5 ponto, vindos de membros
indicados pelo governo Lula. A suspeita de alinhamentos políticos diante de
difíceis decisões técnicas trouxe mais incertezas sobre a política monetária no
médio prazo.
Os investidores viram na redução menor da
Selic um sinal de que os juros poderão não cair mais. A possibilidade de a taxa
estacionar em 10,5% subiu de 27% para 40% no mercado de opções digitais,
enquanto que a redução de mais 0,25 ponto recuou de 68% para 49%. Ações caíram,
o dólar chegou à máxima de R$ 5,18 para arrefecer depois. O boletim Focus já
havia detectado piora no ambiente, com projeções de juros de 9,75% ao fim de
2024 em 9,75% e de 9% em 2025, mas menos pessimista. Pesquisa do Valor com
118 instituições constatou que apenas 8 delas apostavam em uma Selic em 10,25%
no fim do ano. É possível que o lacônico comunicado do Copom tenha induzido a
uma visão mais dura da política monetária futura do que a que será praticada.
O comunicado aponta unanimidade do Copom na
avaliação de que “o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por
resiliência na atividade e expectativas desancoradas demandam maior cautela”.
Mas na reunião anterior, em que se decidiu por mais um corte de 0,5 ponto, o
Copom também avaliava que as conjunturas doméstica e internacional exigiam
“cautela na condução da política monetária”. O que mudou?
O cenário externo passou de “volátil” para
“mais adverso” em função da “incerteza elevada” sobre quando o Federal Reserve
começará a baixar os juros nos EUA. O diferencial de taxas de juros entre os
dois países não pode se estreitar muito, sob pena de ampliar a saída de
recursos de portfólio do Brasil, com valorização do dólar e pressão
inflacionária. Ainda assim, havia diferença enorme entre as duas taxas, de 5,25
pontos percentuais, o que deixava espaço para novo corte de 0,5 ponto.
No cenário doméstico, a inflação esperada
para 2025 passou de 3,2% para 3,3%, mesmo com uma taxa de juros maior (9,63% e
não 9%). Para o Copom, essa elevação foi suficiente para classificar as
expectativas inflacionárias como desancoradas, no lugar da “reancoragem
parcial” de documentos anteriores. Parte da explicação está em que a economia
mostrou “maior dinamismo que o esperado”, deixando de lado a redução de ritmo
compatível com um “cenário de desaceleração” antevista anteriormente. A
política fiscal, no intervalo das duas reuniões, tornou-se mais frouxa.
O comunicado é muito sucinto para as mudanças
que implica, e só a ata poderá esclarecer lacunas. Se a inflação voltou a ficar
desancorada, a atitude mais coerente seria interromper a queda de juros. Não
está claro, da mesma forma, qual o sinal para o futuro seria dado caso a
decisão majoritária fosse de corte de 0,5 ponto. Os novos diretores podem ter
considerado que mudar a orientação futura do comunicado anterior teria custos.
Após redução dessa magnitude, podem ter concordado que o BC não deveria mais acenar
seus próximos passos. A posição dos “dissidentes” não é de todo extravagante.
Das 118 instituições financeiras consultadas pelo Valor, 40 viam espaço
para isso, cerca de um terço.
Seja como for, o resultado final da divisão
no Copom, por uma mera questão de 0,25 ponto percentual, foi muito ruim. O fato
de os diretores nomeados pelo governo Lula estarem todos de um lado, e os
diretores nomeados por Bolsonaro, de outro, foi visto como uma avant-première
do que será o BC com maioria indicada por Lula, mais leniente com a inflação,
com uma política monetária frouxa que se emparelhará com uma política fiscal
relapsa. A suposição parte do princípio de que todos os novos diretores acreditam
que juros mais baixos farão o serviço contra a inflação, ou que se pode tolerar
inflação dentro do teto da meta sem riscos.
Essa interpretação foi imensamente facilitada
pela campanha do Planalto e do PT contra a política monetária. Ela lembra o que
pode acontecer com alinhamentos políticos, como no “cavalo de pau” dado pelo
presidente do BC Alexandre Tombini, no governo Dilma, em 2011, baixando os
juros quando a inflação estava em alta. Isso, mais uma política fiscal
“heterodoxa, com “pedaladas” e contabilidade “criativa”, superaqueceu a
economia e provocou a maior recessão da história republicana.
A sombra da política invadindo decisões técnicas é um pesadelo para a atuação do BC. A ata pode esclarecer os pontos de acordo e afastar uma perspectiva tenebrosa para o futuro.
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