Folha de S. Paulo
BC deve conquistar mais legitimidade social
antes de obter autonomia financeira e orçamentária
A lei complementar 179/2021, que conferiu
autonomia operacional ao Banco Central,
estipulou mandato de duração fixa para a diretoria e a presidência. Todavia não
previu instrumentos de controle social sobre o banco.
Aprofundando esse insulamento institucional
do BC, tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado a proposta de emenda à Constituição nº 65, de 2023, que
concede autonomia financeira e orçamentária ao Banco Central do Brasil,
transformando-o em empresa pública desvinculada do Tesouro Nacional. Com
relatoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM), o amplo apoio do PL e do União Brasil deixa nítido seu viés
conservador.
Campos Neto articula nos bastidores do Congresso a aprovação da PEC até junho deste ano. Alega dificuldades orçamentárias que podem ameaçar a operação do Pix. Porém, no governo Lula, a queda real acumulada do orçamento do BC não chega a 2%. Ao longo da gestão Bolsonaro, entre 2019 e 2022, a perda real foi de 20%. Campos Neto patrocinou o desmonte do BC e agora usa a legítima greve dos funcionários do banco –que não apoiam o projeto— para concluir o serviço.
A PEC 65 concede mais poder à autarquia sem
definir, previamente, instrumentos de responsabilização e transparência. Além
de agravar o déficit democrático do BC, o projeto gera problemas técnicos na
relação Banco Central/Tesouro Nacional, como destacou minha colega Larissa
Dornelas (UFPR), em artigo para o Le Monde Diplomatique.
É imperioso evitar essa mudança
constitucional sem a devida
discussão com a sociedade. Enquanto isso, o BC deve promover uma agenda
positiva que restaure sua força institucional e amplie o escopo social de sua
atuação. Exemplo dessa força são as iniciativas tecnológicas (Pix, open finance
e Drex) que atravessaram vários governos, como destacou meu colega Nelson
Barbosa.
Além da tecnologia, há, pelo menos, duas
outras frentes em que o BC pode avançar: a construção e a divulgação de
indicadores econômicos mais variados e a diversificação das vozes que o Copom escuta.
Primeiro, a crise global de 2008 gerou uma
proliferação de indicadores financeiros na literatura e em diversos bancos
centrais. Na linha do Fed, o BC pode
divulgar séries de prêmios de risco na estrutura a termo da taxa de juros (calculada
pela Anbima), bem como expectativas empresariais e dos consumidores (compiladas
pela FGV). É preciso concluir a construção do índice de condições financeiras
(parada desde 2020), pelo qual se conhece a "Selic efetiva",
isto é, o efeito estimulante ou restritivo da política monetária sobre a
economia, tal como compilado pelo Fed de Chicago.
Segundo, como destaquei na coluna de 9/2/2023,
o Focus reproduz a visão (e o viés) de um grupo restrito de financistas.
Ampliar o rol de vozes pode diluir esse viés. Nesse espírito, o Fed publica
oito vezes por ano o "Livro Bege", no qual reúne comentários de todo o país,
a partir de reuniões com executivos de empresas, trabalhadores e líderes
comunitários.
Tom Barkin, presidente regional do Fed em
Richmond (Virginia), vai além. Ele visita pessoalmente os municípios do seu
distrito para dialogar com empresas e agremiações locais,
organizações sem fins lucrativos e conselhos de desenvolvimento local. Coleta
informações diretas sobre o mercado de trabalho, pressões de custo de
fornecedores, gargalos logísticos, concorrência com a China, o acesso dos
trabalhadores à habitação, sentindo os efeitos da taxa básica de juros na
ponta.
Aqui, as reuniões da diretoria do BC se
restringem a agentes do mercado financeiro e consultorias especializadas. É
hora de o BC furar a bolha!
O BC deve conquistar maior legitimidade
social antes de obter autonomia financeira e orçamentária. Como diria Milton
Friedman: não existe almoço grátis.
2 comentários:
Ok
Muito bom!
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