quarta-feira, 19 de junho de 2024

Fernando Exman - Em dia de Copom, Lula joga para a arquibancada

Valor Econômico

Presidente treinou com um discurso suave, mas entrou em campo pressionando

Em uma icônica cena da final da Copa do Mundo de 1958, eternizada em preto e branco e presente nos melhores documentários sobre futebol, o meia Didi pega a bola no fundo do gol brasileiro com impressionante tranquilidade, coloca embaixo do braço e caminha lentamente em direção ao centro do campo conversando com seus companheiros. A Suécia acabava de abrir o placar contra uma seleção traumatizada por perder o título em casa, no Maracanã, oito anos antes.

O capitão era Bellini. Mas Didi exercia notável liderança sobre o grupo. Eleito o melhor jogador daquela Copa, a imprensa europeia passou a chamá-lo de “Senhor Futebol”. Nelson Rodrigues o apelidou de “O Príncipe Etíope”.

Sua elegância em campo era conhecida. Fora dele, sua influência ajudou a Seleção Brasileira a fazer história: ajudou a convencer o técnico Vicente Feola a escalar Pelé, um jovem de 17 anos, e pediu a entrada de Garrincha no time.

Para especialistas, sua postura altiva e fria após o gol da Suécia foi fundamental para que o Brasil virasse o jogo. Era esse o comportamento que se esperava do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta semana.

Após mais uma série de gols sofridos no Congresso, Lula parecia ter aproveitado uma viagem ao exterior para pegar a bola no fundo da rede. Com frieza a la Didi, reposicionou o governo, até então pressionado pela militância após omitir-se em votação na Câmara da urgência do indefensável projeto de lei que propõe tornar homicídio o aborto realizado acima de 22 semanas de gestação, em qualquer situação, inclusive em caso de estupro.

O presidente disse ser contrário ao aborto. Ponderou, entretanto, que este é um tema que precisa ser tratado como questão de saúde. E chutou forte: “Acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher com uma pena maior do que o criminoso que fez o estupro. É, no mínimo, insanidade isso”. Foi um lance elogiável.

Também tentou driblar os zagueiros do mercado. Enquanto estiver no cargo, assegurou, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “jamais ficará enfraquecido”. E sinalizou disposição em discutir as crescentes despesas públicas.

No entanto, após reunião da Junta de Execução Orçamentária, a notícia foi que o presidente ficara “mal impressionado” com o crescimento dos subsídios. Descartou-se uma mudança nos pisos constitucionais de saúde e educação.

Nessa terça-feira (18), em entrevista à rádio CBN, o petista deu razão àqueles que duvidam de sua disposição de avançar em uma discussão objetiva sobre cortes de gastos. Em outra frente, foi novamente ao ataque contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, justamente na véspera da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa básica de juros. O presidente também reclamou da preocupação do mercado com o cenário futuro projetado para a inflação.

A expectativa geral no mercado, que aliás tem de fato revisado para cima as projeções de inflação para 2024 e 2025, é de manutenção da Selic em 10,50% ao ano e interrupção do ciclo de cortes. Além do mais, com a perspectiva de mudança no perfil do Comitê de Política Monetária e do próximo presidente do BC, é crescente o receio entre os investidores com um “replay” dos piores momentos do governo Dilma Rousseff.

Em 2010, após a eleição da petista, setores do mercado e até mesmo do governo defendiam que se aproveitasse o período de transição para anunciar cortes no Orçamento. Lula não topou, deixando a missão para a sucessora.

Após a posse, ela até fez algumas sinalizações de que o Orçamento sofreria ajustes. O Banco Central adotou uma postura temporariamente conservadora. No entanto, as políticas monetária e fiscal assumiram uma face expansionista no decorrer do tempo: com uma inflação resistente, não restou opção ao BC a não ser elevar os juros novamente, em meio a severos danos em sua credibilidade, de 7,25% a 14,25% do início de 2013 a meados de 2015.

Agora, teme-se que esse cenário se repita no fim do mandato atual, se o BC for pressionado a baixar os juros e não houver um controle do lado das despesas.

Isso porque a PEC da Transição viabilizou uma expansão dos gastos. A atual administração argumentava que seria preciso reconstruir o Estado, mas nos bastidores também dizia que era preciso evitar problemas de popularidade no início do governo em um ambiente extremamente polarizado. O novo arcabouço também abriu espaço para maiores desembolsos do setor público.

Em relação às discussões sobre corte de despesas, o que está atualmente sobre a mesa do presidente já foi debatido por seus antecessores e não avançou. Um assessor do ex-ministro da Economia Paulo Guedes, por exemplo, recebeu um cartão vermelho de Bolsonaro por sugerir que as aposentadorias deixassem de ser corrigidas pela inflação. Foram várias as tentativas de “descarimbar” os recursos do Orçamento e reduzir subsídios. Todas na trave.

Didi, o eterno craque da Seleção Brasileira, também era conhecido por suas frases. Certa vez defendeu-se das críticas de que não estava se esforçando nos treinamentos: “Treino é treino, jogo é jogo”.

Lula treinou com um discurso suave, mas entrou em campo pressionando o Copom. Conseguiu mobilizar aliados tradicionais. Tentou colocar a arbitragem contra aquele que considera seu adversário. Jogou para a arquibancada.

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